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Waldy Luiz


A HISTÓRIA VIVIDA EM ATO – UMA APROXIMAÇÃO
Mr. Waldy Luiz Lau Filho

Nesse pequeno texto partilho a percepção do ato de conhecer como uma ação efetiva e emocionada no presente. Esta reflexão insere-se em uma pesquisa que realizo, a qual tem o objetivo geral de investigar como se constituem os processos de cognição e de subjetivação de alunos e professores participantes de um ambiente pedagógico denominado Aulão de História – Dia Mundial do Rock (AH – DMR).
O AH-DMR consiste em uma aula de História multimídia preparada e apresentada por alunos e professores do Ensino Médio de uma escola comunitária de um município do estado do RS para alunos da escola e de toda a comunidade. Tendo como ponto de partida um tema sugerido pelo professor de História, esta atividade pedagógica abrange a linguagem do teatro, do cinema, da poesia, e relaciona a História com a música contemporânea, especialmente com o Rock N’ Roll.
Neste contexto, como conciliar a perspectiva de cognição como “viver em ato” com uma vivência pedagógica que se refere à História, uma disciplina que estuda fundamentalmente o passado?
De acordo com Lucien Febvre (1878-1956), célebre historiador francês, um dos responsáveis pela fundação da chamada “Escola dos Annales”, o homem, objeto da história, faz parte da natureza.
É para a história o que a rocha é para o mineralogista, o animal para o biólogo, a estrela para o astrofísico: uma coisa a explicar. A fazer compreender. Portanto, a pensar. Um historiador que recusa pensar sobre o fato humano, um historiador que professa a submissão pura e simples a esses fatos, como se os fatos não fossem em nada fabricados por ele, como se não tivessem sido minimamente escolhidos por ele, previamente, em todos os sentidos da palavra escolhido (e não podem ser escolhidos senão por ele) - é um auxiliar técnico. Que pode ser excelente. Não é um historiador. (FEBVRE, 1985, p. 120).
A reflexão sobre a história envolve pensar no que é história, no que faz o historiador, para que e para quem se busca o acontecido, entre outros aspectos. Um pesquisador que contribui para essa reflexão é Keith Jenkins, quando este apresenta a história como um entre uma série de discursos elaborados a respeito do mundo, discursos que se apropriam do mundo e lhe atribuem significados. “O pedacinho de mundo que é o objeto (pretendido) de investigação da história é o passado” (JENKINS, 2009, p. 23). Para o referido autor, a história, enquanto discurso, encontra-se numa categoria diversa daquela sobre a qual elabora seu discurso. Conforme o pesquisador, passado e história são coisas diferentes.
Ademais, o passado e a história não estão unidos um ao outro de tal maneira que se possa ter uma, e apenas uma leitura histórica do passado. O passado e a história existem livres um do outro; estão muito distantes entre si no tempo e no espaço. Isso porque o mesmo objeto de investigação pode ser interpretado diferentemente por diferentes práticas discursivas (...) ao mesmo tempo em que, em cada uma dessas práticas, há diferentes leituras interpretativas no tempo e no espaço. (JENKINS, 2009, p. 24).
A esse respeito Rüsen (2011) defende que “[...] o passado é sempre muito mais do que uma superfície morta sobre a qual projetamos as nossas carências de sentido; quando convertido em história, o passado prolonga-se para dentro dos projetos de futuro impulsionadores do nosso agir e sofrer” (RÜSEN, 2011, p. 281).  Ainda de acordo com o referido autor, o passado nunca é caracterizado por uma facticidade fixa,
[...] porque a subjetividade dos seres humanos que então agiram e sofreram está inscrita na mesma dinâmica temporal que nos atinge. Nós próprios nos situamos num ponto determinado no interior de cadeias geracionais de grandes e pequenas coletividades. É assim que o passado chega até nós, entranhando-se nas profundezas da nossa subjetividade; e, simultaneamente, “sai” de nós, atingindo o futuro que projetamos através da determinação do sentido do nosso agir. (RÜSEN, 2011, p. 282).
Sob essa perspectiva, o discurso histórico se apresenta como algo fortemente influenciado pela trajetória pessoal de quem o elabora. O que também significa dizer que nosso próprio “presente”, nossas próprias visões e crenças condicionam o “passado que conhecemos”. Somos, assim, produtos do passado, da mesma forma que a história também é uma elaboração nossa. “Organizar o passado em função do presente: é aquilo a que poderíamos chamar a função social da história” (FEBVRE, 1985, p. 258).
Conhecer verdadeiramente o passado permite, portanto, entender a circunstância presente e situar-se nela. “O anterior só é possível quando a verdade não perde seu contorno, como lamenta Nietzsche, igual à moeda que perdeu a sua cunha e circula apenas como simples metal (BUSTAMANTE, 2011, p. 183-184).
Cumpre ressaltar, entretanto, que se o passado é uma dimensão permanente da consciência humana, a história trata de fatos, os fatos históricos. Mesmo que “fabricados” pelo historiador, no sentido da escolha intencional que o historiador realiza ao estudar o passado, definindo o que é ou não relevante, existem limites à sua prática que precisam ser observados. Nesse sentido, Hobsbawm (1998) afirma que não podemos inventar nossos fatos.
Ou Elvis Presley está morto ou não. A questão pode ser resolvida inequivocamente com base em evidências, na medida em que se disponha de evidências confiáveis, o que, às vezes, é o caso. Ou o governo turco atual, que nega a tentativa de genocídio dos armênios em 1915, está correto ou não. A maioria de nós não consideraria como discurso histórico sério uma negação desse massacre, embora não haja nenhuma maneira igualmente inequívoca de escolher entre modos diferentes de interpretar o fenômeno ou de enquadrá-lo no contexto mais amplo da história (HOBSBAWN, 1998, p. 18)
Feita essa ressalva, apresento nesse trabalho a percepção da história como um ato de vivência no presente do passado. A hipótese que pretendo pesquisar em minha investigação é que cada participante da vivência AH-DMR, ao estudar o passado em função das suas necessidades presentes, e, mais ainda, ao vivenciar tudo o que o ambiente de aprendizagem AH-DMR oportuniza, não apenas se propõe a classificar e agrupar os fatos passados, mas se coloca em posição de, “[...] ao mesmo tempo, situar-se a si próprio e situar o universo no tempo – portanto, na história” (FEBVRE, 1985, p. 242).
Em decorrência, uma vez interpretado, o passado ganha, portanto, o status de uma história para o presente.
Uma vez carregado de significado para o presente por meio da interpretação, o passado torna-se uma referência apta para orientar o agir e o sofrer humanos. A orientação cultural ganha contornos especificamente históricos por meio de uma representação do decurso temporal que empresta à conjuntura atual da vida prática tanto experiências do passado como expectativas de futuro. Tal representação permite que se implante uma imagem do passado no contexto cultural de orientação da vida prática atual. É precisamente nesse ponto que o passado se torna “melhor”: o passado “melhora” quando é integrado numa representação do decurso temporal compatível com as metas de ação. (RÜSEN, 2011, p. 271).
Dessa forma, configurar-se-ia a vivência AH-DMR como uma possibilidade de tornar os seus integrantes ao mesmo tempo participantes da história e autores da história, exercitando plenamente o que a complexidade afirma ser indissociável, o processo de conhecer e o processo de viver. Em outras palavras, uma visão complexa da história compreende que “[...] o passado está vivo por causa do seu significado histórico para os projetos de futuro do presente; e o presente, por sua vez, está vivo porque a apropriação cognitiva do passado resulta numa interpretação histórica da emergência do presente” (RÜSEN, 2011, p. 270).

 

Referências bibliográficas

BUSTAMANTE, Aarón Grageda. História, Desconstrucionismo e Relativismo: notas para uma reflexão contemporânea. In.: SALOMON, Marlon (Org). História, Verdade e Tempo. Chapecó (SC): Argos, 2011. p. 155-184.
FEBVRE, Lucien. Combates pela História. 2. ed. Lisboa: Editorial Presença, 1985.
JENKINS, Keith. A História repensada. 3. ed. 2ª reimpressão. São Paulo: Contexto, 2009.
RÜSEN, Jörn. Pode-se melhorar o ontem? Sobre a transformação do passado em História. In.: SALOMON, Marlon (Org.). História, Verdade e Tempo. Chapecó (SC): Argos, 2011. p. 259-290.





Um comentário:

  1. Olá Waldy,
    Como os alunos se organizam para o AH-DMR com relação ao estudo? E houve um interesse maior por parte desses discentes a disciplina histórica?
    Parabéns pelo ótimo texto.

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