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Vanuza Mittanck; Daniel Gevehr

CENAS, PERSONAGENS E SEUS CONTEXTOS NAS AULAS DE HISTÓRIA:MEMÓRIA, IMAGEM E FOTOGRAFIA E SUAS RELAÇÕES NO ENSINO DE HISTÓRIA
Porf. Dr. Daniel Luciano Gevehr
Prof. Mt. Vanuza Mittanck
FACCAT

De olho na imagem: texto e contexto da pesquisa
Iniciamos nosso estudo sobre o uso da fotografia enquanto fonte histórica e também ferramenta pedagógica para o ensino de história com o pensamento proposto por Peter Burke (2009, p.282) quando afirma que “a câmara nunca mente”. O autor mostra como a fotografia, em seu contexto de invenção no século XIX, era vista como a reprodução digna e fiel da realidade e, portanto, dotada da mais pura verdade.
Daquele tempo para cá, o processo de produção da fotografia mudou. Do efeito de pura realidade, passamos ao exercício crítico “da captura da imagem”. É nessa perspectiva crítica, de pensar a fotografia enquanto fonte e possibilidade de trabalho voltada para o ensino de história, que iniciamos a discussão sobre o uso da imagem e do registro fotográfico.
Nesse estudo, apresentamos os principais resultados de uma experiência pedagógica, pautada pelo uso da fotografia como instrumento para o ensino de história, no qual alunos do Ensino Médio valeram-se da produção de registros fotográficos para representar determinados aspectos do período histórico estudado nas aulas de história. As cenas produzidas pelos estudantes nessas fotografias procuraram mostrar a riqueza de detalhes do período. Cenas nas quais questões de relações de poder, status quo de época, gêneros, papéis sociais e outros elementos aparecem como “retratos” da sociedade de época e contribuíram, para a compreensão dos fatos estudados nas aulas de história.
É indispensável situar os estudos sobre fotografia e história no campo da cultura visual. Essa aproximação entre a história e a fotografia é na opinião de Mauad e Lopes (2012), resultado das transformações da consciência historiográfica, que permitiu a incorporação de novas fontes e documentos ao campo da história. De acordo com os autores [...] “a fotografia pode ser um indício ou documento para se produzir uma história; ou ícone, texto ou monumento para (re)apresentar o passado” (MAUAD; LOPES, 2012, p.263).
Outro autor fundamental é Peter Burke (2004, p.13), que ensina que as imagens exercem um papel fundamental na construção dos imaginários sociais, na medida em que apresentam ao público um determinado ponto de vista, uma determinada realidade.
 Para Burke “as imagens oferecem virtualmente a única evidência de práticas sociais”. Além disso, o autor acrescenta que no caso da fotografia, essa tem um duplo sentido, sendo ela “evidência da história e história” (Ibidem, p.29) ao mesmo tempo.
Concordamos, ainda, com Jean-Claude Abric (1998, p.28) ao afirmar que uma representação – como a imagem - não é um simples reflexo da realidade, ela é uma organização significante, ao ter uma relação direta com o contexto físico e social no qual é produzida. Assim, a imagem, como a fotografia, por exemplo, é resultado de escolhas e enquadramentos da memória que se quer “guardar” ou registrar.
Para Nora (1993, p.25), a “memória pendura-se em lugares como a história em acontecimentos, logo os lugares de memória, além de serem socialmente construídos, consistem em mecanismos de perpetuação da memória coletiva.
Nesse estudo, buscamos compreender em que medida as imagens contribuem para o ensino de história e como estas imagens contribuem para uma aprendizagem significativa e duradoura.

Enquadrando o foco da pesquisa:as fotografias e a perspectiva do ensino de história
As imagens, enquanto representações do passado permitem-nos pensar naquilo que Pollack (1989) denominou de trabalho especializado de enquadramento. Nessa perspectiva, a memória é alvo de manipulações e defesa de interesses pessoais e coletivos. Cabe ao trabalho pedagógico com o ensino de história, interpretar criticamente essas imagens do passado, percebendo nelas idealizações ou até mesmo ausências, propositalmente dispostas nesses enquadramentos da memória.
Para Burke (2004, p.175) “imagens têm evidência a oferecer sobre a organização e o cenário de acontecimentos grandes e pequenos: batalhas; cercos; rendições; tratados de paz; greves; revoluções; concílios de igreja; assassinatos; coroações; as entradas de governantes ou embaixadores em cidades; execuções e outras punições públicas e assim por diante”. Para ele, estas imagens revelam detalhes e particularidades que reportagens verbais acabam omitindo, permitindo ao espectador distante no espaço e no tempo o “senso da experiência” (Ibidem, p.189).
Além disso, a imagem enquanto representação do passado, precisa ser interpretada a partir de sua intencionalidade, ou seja, “aquilo que se queria mostrar”, de fato. Além disso, Pesavento (2002, p.162), enfatiza a necessidade de considerar as representações como produzidas social e historicamente, não sendo “anacrônicas, deslocadas ou necessariamente falsas, pois traduzem formas de sentir, pensar e ver a realidade.” Sobre isso, Mauad e Lopes (2012, p.279) enfatizam que [...] “podemos conceber experiências históricas nas quais as fotografias – meios – transformam e criam sentidos sociais sobre a realidade mediada, de acordo com a prática social do fotógrafo – mediador”. Daí a necessidade do professor apresentar [...] “as fotografias como práticas sociais e experiências históricas” (Ibidem, p.279).

Cenários e poses na sala de aula:fotografias, fatos e contextos
A proposta curricular para a disciplina de História direcionada aos alunos do terceiro ano do Ensino Médio propõem a análise e discussão sobre as principais características e mudanças que ocorrerem no Brasil nos anos de 1950. Destacando aspectos como a sociedade, arte e cultura dentro deste recorte temporal, buscou-se despertar a curiosidade e interesse dos alunos sobre este assunto, propondo a eles uma atividade diferenciada, através do uso de fotografias.
Como afirma Fonseca (2009, p. 173), os professores devem utilizar “diversos meios, materiais, vozes, indícios que contribuem para a produção do conhecimento e aprendizagem histórica”. Tornando a aprendizagem mais atrativa, estimulante e prazerosa.
Como fonte principal de pesquisa, o trabalho de conclusão do curso em Licenciatura em História, realizado pela própria professora foi disponibilizado para consulta, por abordar exatamente o assunto proposto.
As fotografias foram entregues e foi possível perceber a riqueza de cada detalhe. A preocupação com o cenário, vestuário e até os gestos representados por eles. De fato, a dedicação, as leituras e pesquisas realizadas, pelos alunos foram a base fundamental para um trabalho significativo e com resultados surpreendentes como este. Auxiliando tanto para a aprendizagem do conteúdo em si, como a vivência e aproximação do que aprendem em sala de aula, de maneira significativa e duradoura. Autores como Schmidt e Cainelli (2009, p. 149) nos aconselham a utilizar e explorar outros ambientes para o ensino de História, “ultrapassar os muros da escola significaria dar um passo em direção à realidade, tornando significativo aquilo que se aprende, ao se conseguir relacionar os conteúdos ensinados ao cotidiano vivido”. Foi seguindo este conselho que se realizou esta atividade, proporcionando aos alunos a possibilidade de vivenciar, o que se aprende em sala de aula.

Considerações finais
A pesquisa mostra as potencialidades que a fotografia apresenta no contexto do ensino de história, na medida em que permite aos estudantes melhor compreender as diversas questões do cotidiano que marcaram os diferentes capítulos da história – em diferentes escalas, como a mundial, nacional e regional. Através da fotografia pode-se visualizar as imagens de uma época, percebendo-se suas peculiaridades e singularidades, que por sua vez, explicitam aspectos muitas vezes negligenciados pelos livros didáticos mais “tradicionais”, que muitas vezes enfatizam uma história econômica e política, desconsiderando, ou colocando quase que como “anexo” as questões culturais.
Através da fotografia, percorremos parte das experiências do fazer pedagógico que permeia o ensino de história, fazendo-nos refletir sobre os reais desafios para o ensino de história, contextualizado nas novas demandas sociais e nas novas inquietações dos estudantes, que não respondem mais passivamente diante das aulas simplesmente expositivas e pautadas pela lista de conteúdos programáticos, que devem ser seguidos à risca pelo professor. Afinal, dessa forma, estaríamos desconsiderando todo um universo de possibilidades e de proposição de espaço de crítica, no qual a fotografia aparece como uma possibilidade inovadora e investigativa para a construção do conhecimento histórico.

Referências
ABRIC, Jean-Claude. A abordagem estrutural das representações sociais. In: MOREIRA, Antônia S. P. e OLIVEIRA, Denise C. de. Estudos interdisciplinares de representação social. Goiânia: AB Editora, 1998. p.27-38.
BURKE, Pater. O historiador como colunista. Ensaios para a Folha. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009.
________. Testemunha ocular. História e imagem. Bauru: EDUSC, 2004.
FONSECA. Selva Guimarães. Fazer e ensinar História. Belo Horizonte: Dimensão, 2009.
MAUAD, Ana Maria; LOPES, Marcos F. de Brum. História e Fotografia. In: CARDOSO, Ciro F.; VAINFAS, Ronaldo (orgs). Novos Domínios da História. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. p.263-282.
MONTEIRO, Charles. Porto Alegre e suas escritas. Histórias e memórias (1940 e 1972). São Paulo: 2001. 460p. Tese (Doutorado em História). PUCSP.
NORA, Pierre Entre memória e história. A problemática dos lugares. Projeto história. São Paulo, n. 10, dez. 1993. [Revista do Programa de Estudos Pós-graduados em História e do Departamento de História PUCSP].p.07-28.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. O imaginário da cidade. Visões literárias do urbano. Paris, Rio de Janeiro, Porto Alegre. Porto Alegre: UFRGS, 2002.
POLLACK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 2. n. 3, 1989. p.03-15.
SCHMIDT, Maria Auxiliadora; CAINELLI, Marlene. Ensinar História. São Paulo: Scipione, 2009.

3 comentários:

  1. Maria Alayde Alcantara Salim3 de abril de 2017 às 16:15

    Prezados, achei muito interessante a forma como apresentaram e articularam as referências teóricas, gostaria de saber um pouco mais sobre a organização da pesquisa em sala de aula e os usos da fotografia. E também de que forma as referências teóricas foram articuladas com a pesquisa em sala de aula

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  2. Boa noite

    Primeiro gostaria de pontuar que gostei muito do texto e que me foi esclarecedor em muitos aspectos, estou iniciando na pesquisa sobre História e Fotografia e o texto me indicou algumas referências importantes. Em relação a metodologia abordada, qual a perspectiva adotada para a leitura das imagens?
    att.

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    Respostas
    1. Boa noite Audrey Barbosa. Ficamos muito honrados por ler e gostar do nosso texto.
      O texto que os alunos utilizaram como fonte principal para leitura, foi o meu Trabalho de Conclusão do curso de História, mas outras leituras também foram sugeridas e buscadas pelos próprios alunos.
      Em relação as imagens, a sugestão foi de que eles deveriam vivenciar e se imaginar como parte da sociedade brasileira dos anos de 1950. Buscando representar, através das fotografias situações, comportamentos e características deste recorte histórico.
      O resultado foi surpreendente. Tanto para os demais colegas da turma, que trabalharam assuntos diferentes, como para os demais alunos da escola, pois as fotografias foram expostas e encantaram os frequentadores da escola.
      Foi um trabalho realmente prazeroso, que superou as expectativas e tomou dimensões que ultrapassaram os muros da escola.
      Grata. Vanuza Mittanck

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