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Thiago Raposo

POR UM ENSINO DE HISTÓRIA PARA A VIDA
Thiago Acácio Raposo
Graduado em História pela UEPB

Pergunta clássica, mas que ainda maltrata muitos historiadores despreparados e/ou no início de sua vida acadêmica: por que ensinar e estudar história? Certamente, quase todos historiadores já foram submetidos a esse questionamento. Alunos, colegas de outras disciplinas, familiares e amigos, todos insistem em fazer essa pergunta tão complexa. Respondendo de forma breve: a história nasce com o homem e é impossível separa-los. Estudamos e ensinamos história para sermos conhecedores do passado e produtores de nosso presente. Estudamos para conhecer outras culturas e para entendermos como a nossa se formou. Estudamos história porque ela é uma parte da humanidade, por que ela cheira a sangue humano. Porque ela conta um pouco de todos nós e porque somos frutos dela.
Mas, o que a História estuda? Ela estuda o homem no tempo.
Quem é o historiador e qual o seu papel? Para responder a essa questão, impossível não citar o grande mestre Marc Bloch quando afirma que "O bom historiador se parece com o ogro da lenda. Onde fareja carne humana, sabe que ali está sua caça” (2001, p.20). O historiador é o cientista e intelectual responsável pelos estudos sobre vida dos homens, partindo de análises sobre os rastros deixados por estes em sua passagem pelo planeta.
O pesquisador tem como função a manutenção e reflexão dos conhecimentos históricos, transmitindo seus pontos de vista através de livros, artigos e palestras para assim atingir o outro historiador, aquele que está na sala de aula. O historiador que está na sala de aula possui uma árdua tarefa: transmitir o conhecimento histórico a 40 alunos (em média por sala de aula) e propor a reflexão e a construção de novos saberes para 40 subjetividades distintas. Sem dúvida, trata-se de uma das profissões mais difíceis de exercer. Ele deve, através de seu estilo, propor discussões sobre o conhecimento histórico de forma viva e livre, entendendo que os frutos dessas discussões deverão construir novos posicionamentos e não repetir os já existentes.
Como nos aponta Elisabete Aparecida Monteiro (2012, p. 7), o estilo é a individualidade e o movimento do espirito. É no estilo que uma cultura guarda os seus tesouros e é ele o responsável por qualquer transmissão do saber, pois trata-se de uma maneira singular de testemunho de um saber. O professor, através deste, aborda determinada temática, sem a preocupação de se enquadrar em teorias pedagógicas que limitam a capacidade educativa e que impossibilitam a transmissão do saber.
O estilo é algo único, ele não pode ser transmitido, nem ensinado. A lógica está presente no seguinte contexto: o professor usufrui de um estilo no momento da transmissão do saber e o jovem, ao ter contato com ele, despertaria o seu próprio estilo. Não tratamos de uma reprodução, mas de um despertar. Despertar para a vida e para o saber. Tendo contato com essa forma de ensino livre de regras pedagógicas, a atenção dos jovens poderá ser reconquistada e o brilho em seus olhos poderá retornar. Estudar/ensinar não deve ser um fardo ou uma obrigação. Estudar/ensinar deve ser um prazer.
Ensinar história requer coragem, força de vontade e, mais que tudo, humanidade. Ensinar aos jovens um olhar reflexivo, que percebe a cultura alheia não como inferior, nem como superior e fazer com que eles percebam que aquelas palavras escritas em um livro, aparentemente “chato”, possuem vida, que aqueles mortos (a grande maioria deles) não estão tão mortos assim, pois, ainda podemos escutar os gritos das namoradas e amantes ao descobrirem que o seu amado caiu morto nos campos de batalha da Primeira Grande Guerra, ainda podemos ver a cabeça do rei francês sendo separada de seus membros por uma população faminta e empobrecida, ainda podemos escutar o grito da moça acusada de bruxaria e queimada em uma fogueira pela Santa Inquisição, ainda podemos ver os índios rindo dos europeus em seus primeiros contatos, ainda podemos sentir a alegria dos trabalhadores fabris ao conseguirem seus primeiros direitos, ainda podemos sentir a surpresa e o entusiasmo das pessoas com a “chegada” do trem, ainda dá para ver as pessoas saindo correndo com medo das primeiras seções cinematográficas, ainda podemos sentir o cheiro dos homens que nós éramos ontem... ainda podemos.
Escolas e universidades, fontes de criação e reflexão sobre o conhecimento (ou pelo menos deveriam ser), estão repletos daquilo que Nietzsche denomina “Filisteus da cultura”. Esses indivíduos acreditam ser detentores de todo o conhecimento e devido a sua arrogância são enquadrados no termo citado pelo filosofo, pois, o sábio mais sábio é aquele que sabe que não sabe de nada. A arrogância o insere em um lugar de não saber, pois, a educação deve ter um sentido voltado para a virtude. Entregar-se a arrogância é entregar-se as paixões e assim, a irracionalidade. Como os alunos podem refletir sobre o saber se o responsável pela transmissão deste está fechado em seu mundo egoísta e imóvel? A imobilidade do conhecimento proporcionado pelos “Filisteus da cultura” semeia o mal-estar por toda a sociedade. Os múltiplos saberes não são direcionados e aproveitados pelos professores “sabichões”, tidos por estes como um conhecimento inferior e desinteressante. Como ensinar para a vida se quem ensina não aceita essa ligação e quem é ensinado não a percebe?  A educação deve ter como pressuposto a formação de uma nova geração que tem como tarefa refutar a geração passada. Dessa forma, entendemos o conhecimento como algo móvel, que sofre transformações diariamente. Não se trata de uma evolução, mas de uma adequação a realidade social.
Os livros trazem os conteúdos exigidos pelos PCNs, cabe ao professor um trato diferenciado com os conteúdos ali abordados de forma tão alheia à realidade dos discentes. O ensino de história deve ter como objetivo, assim com toda a educação, a purificação da alma. Trata-se de um ensinar para a virtude, ensinar para a vida. Envolver os jovens nas narrativas históricas é de grande valia para o desenvolvimento e crescimento pessoal de cada um deles. Não sejamos “Filisteus da Cultura”, aceitemos o conhecimento dos nossos discentes, incentive-os, elogie-os, critique-os individualmente, preocupe-se com a formação destes, seja um grande mestre. Tomemos por meta o ideal de mestre defendido por Nietzsche, segundo Rosa Maria Dias (1990), que se preocupa com os jovens e com a cultura de seu país, que toma por meta o despertar da criatividade de suas discentes, entendendo-os enquanto agentes produtores da história, mas, não perdendo nesse processo o seu lugar de mestre suposto saber.
Fazer com que o aluno se perceba enquanto agente histórico não é algo muito fácil. Principalmente pelo fato que por muitos anos defendeu-se que apenas as pessoas “famosas” faziam a história. No último século, porém, percebeu-se que todos nós fazemos a história, entretanto, aquele sentimento ainda está presente no discurso de muitos professores e alunos das escolas brasileiras. Teoricamente, o professor chega a uma sala de aula e transmite essa noção, eles a aceitam de forma positiva, entendendo a linha de raciocínio, mas, quando os jovens abrem o livro didático apenas encontram os nomes de “grandes homens” (reis, rainhas, presidentes, líderes de rebeliões ou revoltas, entre outros), o nome do homem simples é esquecido pela história a ser ensinada nas escolas. Fazer com que os alunos percebam a importância deles no desenrolar dos processos históricos só se torna uma tarefa possível a partir de uma série de exercícios e exibição de exemplos que evidenciem sua participação nas estruturas dos eventos históricos mais globais.
Tomemos como exemplo o caso das eleições de 2014 no Brasil: é pertinente mostrar aos jovens que a presidente Dilma Rousseff venceu as eleições para presidência no Brasil e, consequentemente, entrou para a história do país, mas, que para chegar ao lugar onde está, precisou do voto de milhões de brasileiros, pessoas simples, ou seja, o que está nos livros é o nome da presidenta, mas, que por trás dela encontramos a presença ativa do povo nos rumos dos eventos históricos do país. Essa perspectiva pode permitir a identificação dos jovens enquanto agentes históricos ativos, possibilitando uma maior aproximação destes e o conhecimento histórico.  
Ser professor de história requer de nós uma sensibilidade aguçada, para entendermos o outro e ainda para transmitir esse conhecimento para nossos alunos, permitindo que eles criem seus próprios pontos de vista. A história, como já foi dito, cheira a humanidade. Tentar separar o homem da história provocaria uma aberração. Nós somos frutos daquilo que outros foram antes de nós. Nós somos a história e a história é aquilo que nós somos. Somos vida, sangue, carne, lágrimas, sorrisos, traumas, egos, orgulho e amor. Somos antes de tudo, seres únicos, sensíveis, vivendo em um grãozinho de areia que flutua pela infinitude do universo.

Referências bibliográficas
BLOCH, Marc. Apologia da história ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.
DIAS, Rosa Maria. Nietzsche educador. São Paulo: Scipione, 1990, p. 20 -57.
MONTEIRO, Elisabete Aparecida. Psicanálise na formação de educadores: transmissão e estilo. VI Colóquio Internacional – “Educação e Contemporaneidade”. São Cristóvão, 2012.


5 comentários:

  1. Caro Thiago Acácio Raposo, primeiramente parabéns pelo texto e reflexão relevante e atual. Thiago, gostaria de saber qual a sua perspectiva em relação a formação atual de professores de História no que concerne à formação de profissionais críticos e alinhados às discussões acadêmicas atuais. Estamos caminhando para profissionalização/ qualificação desejada?

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    1. Caro Mario, essa pergunta é demasiadamente complicada, mas tentarei expor minha opinião de forma breve.
      Hoje, as Instituições de Ensino Superior se apresentam perante a sociedade enquanto detentoras e fabricantes de teorias e práticas revolucionárias, capazes de modificar os vários problemas existentes em nossa sociedade. Entretanto, o que mais vejo é mero produtivismo e embuste. Nas universidades, a maioria dos professores nos ensinam a dar espaço aos nossos alunos, valorizando as formas individuais de aprendizagem do conhecimento. Mas nos temos essa liberdade na universidade? Baseio essas afirmativas na minha própria experiência e em relatos de amigos de outras IES. Eu fui aluno do turno da noite e sempre tive que conciliar o estudo com o trabalho e não raro tive problemas com professores cheios de teorias, mas que não aceitavam nenhuma sugestão de seus alunos...
      Como nos vamos ensinar aos nossos alunos que eles são sujeitos históricos e produtores de conhecimento se a maioria dos professores que os ensinam não tiveram essa experiência em sua formação universitária?
      A meu ver, as universidades estão distantes da realidade em sala de aula (violência, drogas, sexualidade aflorada, desestrutura familiar, etc) do ensino básico .
      Salvo raras exceções, essa é a nossa realidade atual. Muita teoria e Lattes e pouca prática.
      Espero que tenha respondido a sua pergunta. Caso tenha alguma dúvida ou sugestão, peço que mande um e-mail para thiagoraposo20@gmail.com
      Obrigado pela pergunta e boa noite!

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  2. Thiago Acácio Raposo, parabéns pela iniciativa, mas tenho alguns questionamentos. pode um historiador ser isento de teoria educacional? o que estamos tratando aqui que afasta- nos de teorias educacionais? qual a legitimidade do curso de licenciatura em historia sem teoria? por ultimo, considerando a separação dicotômica sugerida entre licenciatura e bacharelado, não precisa o pesquisador transmitir seu conhecimento? e o professor pensar o ensino? grato desde já.
    Rafael Fiedoruk Quinzani

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  3. Caro Rafael, boa noite.
    A isenção teórica é algo impossível, entretanto, não podemos permitir que essa teoria engesse a prática. O discurso pedagógico busca, a meu ver, constantemente apresentar teorias a serem aplicadas enquanto modelos funcionais para o sucesso do ensino e aprendizagem. Todavia, essa ânsia pelo sucesso do processo educacional acaba por fazer o inverso do que ele se propõe.
    Eu gosto da perspectiva de Monteiro (2012), porque ela propõe um ensino livre das amarras da teoria pedagógica, permitindo ao aluno uma produção do conhecimento ao mesmo tempo que respeita o lugar do professor. História sem teoria não é história. A teoria é fundamental para a construção de qualquer conhecimento, não só o histórico, mas de que vale a teoria se ela está totalmente distante do dia a dia? O sentido da história se renova a cada dia e isso segue o desenvolvimento da própria especie humana.
    Atualmente, a separação licenciatura/bacharelado só funciona no papel. Raros são aqueles que vivem apenas de pesquisa. Eu não creio nessa visão dicotômica.
    Como vou discutir um conhecimento que foi produzido por alguém que nunca esteve em uma sala de aula de uma escola pública?

    Espero que tenha respondido a sua pergunta. Caso tenha alguma dúvida ou sugestão, peço que mande um e-mail para thiagoraposo20@gmail.com
    Obrigado pela pergunta e boa noite!

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