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REFLEXÕES SOBRE AS POTENCIALIDADES DO USO DO CINEMA EM SALA DE AULA: RELAÇÕES COM O ENSINO DE HISTÓRIA
Rodrigo Luis dos Santos
Professor Ass. Instituto Superior de Educação Ivoti – ISEI

O objetivo deste texto é fomentar, sobretudo, uma reflexão sobre as fontes e instrumentos utilizados pelos pesquisadores e professores de História em sua atuação profissional, com atenção especial para o segundo grupo. Para isso, optamos por privilegiar um produto cultural que, embora seja muitas vezes utilizado e objeto de análises, ainda ocupa um lugar secundário no espaço historiográfico: o cinema e as produções fílmicas.
A análise histórica e a construção historiográfica do meio social passaram por significativas mudanças, advindas sobretudo após as formulações da Escola dos Annales,no início do século XX, e o crescimento vertiginoso da chamada Nova História Cultural a partir da década de 1980. Nesta perspectiva, não apenas no campo teórico ou de pesquisa empírica, mas também na área do ensino de História, novas fontes e recursos passaram a ser considerados como qualificados. Um destes elementos é o cinema.
No campo da História Cultural, é de grande difusão o conceito de representação, principalmente a concepção de Roger Chartier. Para este pesquisador, as representações são construções que a sociedade faz de si mesma, tanto no que se refere aos tempos passados como ao presente, elegendo determinados aspectos, códigos, signos e recortes, ao mesmo tempo em que refuta e ignora outros. Deste modo, a representação se dá de forma consciente. Evidentemente, ela não é algo heterogêneo e imutável, pois estas também são frutos de determinados contextos e conjecturas estruturais da sociedade.
Em consonância com essa assertiva, acreditamos que as construções cinematográficas são importantes fontes e instrumentos para análise das construções socioculturais e das representações que são constituídas no e sobre o meio social. Por outro lado, a educação tradicional, seja por conta de suas limitações curriculares, das diretrizes que muitas vezes busquem apenas a formação para o mercado de trabalho ou até mesmo a falta de formação dos docentes diante das novas possibilidadesde aperfeiçoamento dos instrumentos de ensino, ainda vê o cinema como mero mecanismo de entretenimento. Por isso, ainda encontramos o uso de filmes como um recurso complementar, seja para evidenciar algum aspecto abordado em sala de aula, seja para ocupar algum espaço ocioso. No campo do ensino de História, muito se tem falado em despertar o senso crítico e a capacidade investigativa e de questionamento dos alunos. Por conta disso, se vislumbram o uso de recursos variados para esse objetivo, como o uso de fontes primárias, entrevistas, saídas e viagens de estudo. Na esteira deste processo, o cinema pode assumir um papel de destaque, deixando seu papel simplório e meramente ilustrativo.
Tendo em vista as competências e habilidades que o ensino de História deve buscar cada vez mais despertar nos alunos (embora estejamos vivendo um tempo de incertezas quanto ao papel da História e de outras disciplinas na Educação Básica brasileira), a análise fílmica, se bem orientada e conduzida, tende a colaborar significativamente para uma melhor compreensão histórica e de mundo social na atualidade. Segundo Kátia Abud,
pode-se  afirmar  que o  filme  promove  o  uso  da  percepção, uma atividade  cognitiva  que  desenvolve estratégias  de  exploração,  busca  de informação  e  estabelece  relações.  Ela é orientada por operações intelectuais, como observar, identificar, extrair, comparar, articular, estabelecer relações, sucessões e causalidade, entre outras. Por esses motivos, a análise de um documento fílmico, qualquer que seja seu tema, produz efeitos na aprendizagem de História, sem contar que tais operações são também imprescindíveis para a inteligibilidade do próprio filme (ABUD, 2003, p. 191).
O estabelecimento de diferentes fontes de pesquisa e análise histórica são imprescindíveis não apenas para os historiadores que se dedicam ao campo investigativo, mas também para aqueles que se dedicam ao campo da docência. Isso se faz necessário justamente para possibilitar maior interação dos historiadores e professores de História na dinâmica social, estreitando formas de se valorizar e compreender a importância da História para o entendimento das múltiplas formas de relações existentes na complexidade das sociedades atuais. Muitas vezes, tanto pesquisadores quanto professores, tendem a se isolar não apenas em torno de seu ofício, mas também ao diálogo com novas tendências e novas tecnologias de interação social. Esse isolamento, de certa forma, colabora para uma visão errônea do que é História.
Tendo ciente as urgentes questões que envolvem o fazer historiográfico e o ensino de História, mesmo tendo em vistas os desafios inerentes ao futuro, é preciso continuar atento para as mudanças sociais, em seus múltiplos sentidos, sobretudo no campo cultural. Outrossim, os filmes e o cinema, por serem produtos de um meio sociocultural, são possíveis de serem analisados criticamente, levando, neste caso, os alunos a compreenderem em maior profundidade não apenas os códigos visíveis na produção fílmica, mas o processo de construção de sentidos e visões de mundo, de representações sociais, de argumentos e discursos sobre o passado, o presente e o futuro. A partir desta compreensão e de uma nova percepção sobre a capacidade de uso dos filmes, tanto no campo da pesquisa como do ensino, outras fronteiras passam a ser desbravadas e resultados significativos podem ser obtidos, especialmente no campo da educação, nos seus diferentes níveis, da Educação Básica ao Ensino Superior.

Referências
ABUD, Kátia Maria.  A construção de uma Didática da História: algumas ideias sobre a utilização de filmes no ensino. História, São Paulo, 22(1); 2003.
ALVES, Giovanni; MACEDO, Felipe. Cineclube, Cinema& Educação.  Londrina: Práxis, Bauru: Canal 6, 2010.
BARROS, José D’Assunção. O campo da História: especialidades e abordagens.  6. Ed.,
Petrópolis: Vozes, 2009.
_______________. O projeto de pesquisa em História: da escolha do tema ao quadro teórico.Petrópolis: Vozes, 2009.
BURKE, Peter. A Revolução Francesa da Historiografia:  A Escola dos Annales(1929-1989). São Paulo: Editora Universidade Estadual Paulista, 1991.
CAPELATO, Maria Helena, MORETTIN, Eduardo, NAPOLITANO, Marcos, SALIBA, Elias Thomé. História e cinema: dimensões históricas do audiovisual.  São Paulo:  Alameda, 2007.
CARDOSO, Ciro Flamarion. VAINFAS, Ronaldo. Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Elsevier, 1997.
CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, Rio de Janeiro: Bertrand, 1990.
FERRO, Marc. A manipulação da história no ensino e nos meios de comunicação. São
Paulo: Ibrasa, 1983.
____________. Cinema e História. São Paulo: Paz e Terra, 1992.

2 comentários:

  1. Boa tarde, Prof. Rodrigo.

    Parabéns pelo texto claro e objetivo. Conforme o Sr. Apontou os benefícios do recurso fílmico em sala de aula são diversos. Contudo, apesar dos fundamentos teóricos e metodológicos sobre o assunto, muitos/as professores/as (como eu) ainda tem dúvidas sobre a melhor forma de usá-lo.

    Nesse sentido, o Sr. poderia dar algumas orientações básicas sobre o que pode ser feito e, o que devemos evitar ao desenvolver uma aula com este recurso?

    Abraços,
    Danielle da Costa

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  2. Boa noite, professor. Parabéns pelo texto!
    Ainda existe uma concepção extremamente simplista acerca das potencialidades da história enquanto disciplina e que reina entre o alunado de modo geral. O entendimento de que a história serve apenas para a memorização de fatos importantes do passado, acaba por “levantar muros", já que o aluno não se vê representado e não consegue estabelecer relações entre grande parte dos conteúdos estudados e o seu cotidiano. Nesse sentido, como o seu texto apresenta, o recurso fílmico pode ser uma importante ferramenta nesta difícil missão. Se possível, gostaria que o Sr. relatasse alguma experiência bem sucedida com a utilização deste recurso.
    Atenciosamente,
    Jessica Gleyce dos Reis Felix

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