Páginas

Reinilda de Oliveira

ENCANTARIA E CULTURA ESCOLAR NO MARANHÃO
Reinilda de Oliveira Santos
Mestrado História UEMA

Em um país onde, segundo Fernandes (2005), o mais adequado seria falarmos em “culturas brasileiras” ao invés de “cultura brasileira” ainda é comumente perceptível um desconhecimento e despreparo em se trabalhar a diversidade cultural no ambiente escolar. Constantemente, é observado na sociedade, manifestações de incompreensão e preconceito existente em relação às religiões afro-brasileiras. No universo escolar, crianças e adolescentes oriundos dessas vertentes religiosas geralmente passam por situações constrangedoras devido a esse processo de desrespeito que está arraigado na própria constituição do Brasil. Na realidade, é nesse ambiente que elas se sentem mais reprimidas em assumir determinadas identidades.
Antes de tudo, deve-se destacar que em vários estados do Brasil é possível perceber a disseminação dos cultos afros. Esta proliferação pode ser vista, de certa forma, como a vitória de saberes e fazeres que, através de homens e mulheres africanos que atravessaram o oceano, se arraigaram á sociedade brasileira. Assim, variando de acordo com a origem territorial africana e o contato com práticas e saberes nativos, foi se configurando um campo múltiplo, diversificado e rico de expressões culturais e religiosas de marca popular e negro-mestiça. No caso do Maranhão, tornou-se muito comum o Tambor de Mina, no Piauí o Catimbó, no Amazonas a Pajelança, em Alagoas, Sergipe e Pernambuco o Xangô, na Bahia o Candomblé, na região central a Umbanda, e na região sul o que se convencionou denominar de Batuque. Essas são categorizações comuns, entretanto há inúmeras variações no âmbito de cada uma dessas regiões.  
Em vista disso, é inquestionável a necessidade de se explorar esses temas em sala de aula levando em conta sua diversidade e peculiaridades. No Maranhão, a partir da análise da literatura existente sobre a temática e experiência no universo da macumba, pode-se aferir que são mais comuns na cidade de São Luís a pajelança e o tambor de mina, contudo no interior do estado essas expressões recebem classificações diversas: Badé, Berequete, Pajelança, Jirumga, Panguará, Iemanjá, Baía, Terecô, Cura, Brinquedo de Cura ou simplesmente Brinquedo.
Desta forma a escola, que deveria ser um ambiente que subsidiasse uma leitura crítica da diversidade religiosa existente no país, muitas vezes se posiciona de forma inadequada, trazendo elaborações equivocadas com o intuito de desqualificar e demonizar essa religião. Diante disso é válido frisar que, além das ações afirmativas de grupos específicos como o movimento negro e o advento da lei 10.639, um passo importante e demasiado necessário que precisa ser trilhado é o da mudança no processo educacional, sobretudo, no ensino fundamental. Nesse contexto, a disciplina de História, assim como a de Ensino Religioso, deve colaborar nesse processo de valorização e legitimidade das diferentes concepções de religião, desde que as mesmas sejam ministradas por profissionais qualificados para tal tema, concentrando, assim, a atenção necessária para se compreender a diversidade cultural e religiosa existente no país, voltado principalmente para realidade a qual os alunos estão inseridos.
O advento da Lei nº 10.639/2003 se deu em meio a um intenso debate social amplificado pela mídia, que expressava os primeiros impactos da implantação de programas de ação afirmativa em algumas universidades brasileiras. O texto das "Diretrizes" apresenta dimensões normativas relativamente flexíveis, sugerindo referências, conteúdos e valores para a ação docente, em consonância com o pressuposto formativo e educativo da valorização da pluralidade cultural - mote, aliás, já presente nos Temas Transversais dos Parâmetros Curriculares Nacionais, de 1998. (PEREIRA, p.01, 2001)
Vale destacar que o terreno da questão religiosa é, no campo educacional, um dos mais árduos a se debater, especialmente no que se refere à cultura afro-brasileira, considerando não apenas o processo histórico de estigmatização dessas religiões desde o Brasil Colônia, mas também os movimentos mais recentes de ataque, fomentado ,sobretudo, por igrejas evangélicas. Assim é necessário problematizar esse tema nas escolas, pois, de um lado, ao incorporar essa discussão, abre-se a possibilidade de um rompimento real com o proselitismo no ambiente escolar, por outro, deve-se reconhecer este como um espaço indispensável para se pensar a problematização das relações étnico-raciais no país. Partindo assim do pressuposto de que é significativo criar um sentimento de pertencimento do aluno á realidade histórica.
Para tanto é preciso construir leituras sobre o mundo e sobre si capazes de fornecer o sentimento de identidade (por conseguinte, de pertencimento) e ao mesmo tempo a capacidade crítica para reconhecer e lidar com as diferenças e situa-las no tempo, (ou seja, situá-las historicamente) nesse sentido pode-se dizer que o objetivo da História escolar é ensinar/aprende a pensar historicamente rompendo com as naturalizações e abrindo o horizonte de expectativa. (ROCHA, 2009, p.16)
De acordo com o argumento de Martins, “a tessitura dos processos reflexivos do pensamento e da consciência histórica se dá em diferentes círculos da vida pessoal e social.” (p, 2001.45) Assim, pensar o ensino de história e seus desdobramentos implica compreender a complexa maquinaria que circunda a realidade escolar. Com isso, é interessante repensar, por exemplo, a forma de organização curricular e também incentivar ações pedagógicas, esse é um dos passos mais importantes nesse processo, a partir daí os professores reformulariam meios de implantação do que está posto no currículo. Partindo disso, no âmbito da sala de aula é interessante inicialmente trabalhar a sensibilização dos alunos, fazendo com que estes entendam as diferenças religiosas dentro do contexto da História da nação, contextualizando com o ambiente no qual estão inseridos.
Neste sentido, é válido pensar que o motor da transformação historiográfica é a demanda social, a realidade dos alunos, ou seja, a revisão da historiografia não começa na academia, mas na sociedade e nesse momento se inclui a escola, como local visível destes descompassos. Assim, é a partir da vivência dessas pessoas que o professor precisa considerar o processo de problematização de determinados assuntos. Esta informação torna-se pertinente uma vez que inclui a história científica como uma das possibilidades de orientação e constituição de identidades na vida prática. Ou seja, dentre os inúmeros polos formadores do pensamento histórico, capazes de atribuírem sentido e orientação, à escola cabe o papel da inserção do conhecimento metodizado como realimentação do conhecimento cotidiano.
Assim, ao ensino da História pode-se dizer, cabe uma dupla missão: a de identificar a tradição presente nas narrativas e a de propiciar o desenvolvimento da competência narrativa dos alunos, garantindo que não se perca neste processo a racionalidade contida no conhecimento histórico em sua dimensão científica, capaz de satisfazer interesses e orientar o aluno para um entendimento da sua vivencia. Dessa forma, a relação entre a teoria da História e o ensino se dá na medida em que compreendemos como dimensão da ciência especializada da história, sua relação com o cotidiano, com os interesses e com a orientação da vida prática. Nesse sentido se faz necessário frisar como a vida prática está sendo problematizada em sala de aula, com foco especifico nas práticas religiosas. Na realidade, pensar a História enquanto objeto de prática pedagógica e, sobretudo, fazer uma relação entre a História escrita e a ensinada é uma tarefa árdua. Daí a importância de pensar em seus percalços antes de entender como ela pode ser melhorada.
Assim, fica claro que as identidades religiosas são frequentemente negadas e consequentemente silenciadas no espaço escolar, e com isso o preconceito ganha contornos ainda mais nítidos, e é ante a esse contexto que as crianças oriundas dessas vertentes religiosas criam estratégias de invisibilidade e adoção do catolicismo como a religião a que pertencem. Por fim, saliento que a escola tem um papel importante no processo de reconhecimento e valorização e deve contribuir para o empoderamento dos sujeitos socioculturais, sobretudo, os subalternizados e negados. E esta tarefa passa por processos de diálogo entre diferentes conhecimentos e saberes presentes na escola e estratégias como a utilização de linguagens plurais, variedade de recursos didáticos, uso da realidade dos alunos como forma de problematizar certos conteúdos, enfim, os educando possuem ferramentas para ajudar no combate ao preconceito e discriminação que marcam o contexto escolar.
Acredito ser essa uma importante forma de construção de uma escola mais democrática e dinâmica, o que supõe articular igualdade e diferença nas salas de aula. Tendo em vista que a dimensão cultural é inerente aos processos pedagógicos, pois, como assegura Candal, (2008) “está no chão da escola” e potencia processos de aprendizagem mais significativos, no instante em que permite que os alunos se sintam pertencentes enquanto sujeitos ativos. Ajudando assim no processo de combate a esse silenciamento, invisibilidade e sentimento de inferiorização desses sujeitos.

Referências
ALVES, Nilda e GARCIA, Regina Leite. O sentido da escola. Petrópolis: DP ET alii, 2008.
BERKENBROCK, Volney J. A experiência dos orixás- um estudo sobre a experiência religiosa do candomblé. Rio de janeiro: Vozes, 1998.
CANDAU, V. M. e LEITE, M. S. Diálogos entre Diferença e Educação (2006); In: CANDAU. V. M. (org) Educação Intercultural e Cotidiano Escolar. Rio de Janeiro: 7 Letras,
CAPUTO, Stela Guedes. Educação nos terreiros: e como a escola se relaciona com crianças de candomblé. – 1ª Ed. – Rio de Janeiro : Pallas, 2012.
CARNEIRO, M. A. LDB fácil: leitura crítico-compreensiva: artigo a artigo. 5. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1988.
GUIMARÃES, Manoel Luis Salgado. A escrita da Historia e ensino da História, tensões e paradoxos.IN, ROCHA, Helenice. MAGALHÃES, Marcelo.GONTIJO, Rebeca (orgs). A escrita da História Escolar: Memória e historiografia. Rio de janeiro. FGV,2009. P35-50..
MARTINS. Estevão C de Rezende. História: Consciência, Pensamento, Cultura, Ensino. Educar em Revista. Curitiba. Brasil, nº 42, out./dez., editora UFPR, p,43-58. 2011.
MENESES, J. G. de C. et. al. Educação básica: políticas, legislação e gestão. SP: Pioneira Thomson Learning, 2004. 
PEREIRA, Júnia Sales. Reconhecendo ou construindo uma polaridade étnico-identitária? Desafios do ensino de história no imediato contexto pós-Lei nº 10.639. Estudos Históricos, v. 21, n. 41. jan./jun. 2008.
ROCHA, Helenice; MAGALHÃES, Marcelo; GONTIJO, Rebeca. A Escrita da História Escolar: memória e historiografia. Rio de Janeiro: FGV, 2009, p.13-32
SILVA, Marcos Antônio da; FONSECA, Selva Guimarães Fonseca. Ensino de História hoje: errâncias, conquistas e perdas. Revista Brasileira de História, v. 30, n. 60, 2010.

Um comentário:

  1. Olá Reinilda.
    Pertinente abordagem. E, dentre os limites impostos a esta escrita, penso que explorar as dinâmicas locais do fazer religioso envolto da encantaria maranhense havia de ser uma boa saída. Talvez essas seja a interpretação de “pseudo-maranhense” querendo ver mais da cultura regional, isso, sem minimizar a importância em tratar a complexidade envolvendo os aspectos religiosos de matriz africana, intolerância, e Lei 10.639/03.
    A levar em consideração os estigmas e destrato acerca da importância das religiões de matriz africanas, em muito nos deparamos com distorções e simplificações destas religiosidades que sustentaram a experiência linguística, cultural e espiritual brasileira.
    Não sendo estudioso do tema, também não pretendendo elencar uma “linha” do seu texto e assim tecer mal julgamento. Mas, correndo o risco em busca de melhor compreensão, me lanço...
    Logo no segundo parágrafo, quando você traz acerca do campo afro-religioso como “diversificado e rico de expressões culturais e religiosas de marca popular e negro-mestiça” (grifo meu na expressão de discutível gosto literário), você contextualiza as distintas nomenclaturas nas devidas regiões. E, conclui a alínea dizendo que “(...) são categorizações comuns, entretanto há inúmeras variações no âmbito de cada uma dessas regiões”. Dentre as expressões religiosas citadas, o que as fazem comum?
    Igor F. Alencar

    ResponderExcluir

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.