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Reinaldo Glusczka

A POLISSEMIA DA PALAVRA VIOLÊNCIA NO AMBIENTE ESCOLAR
Reinaldo Glusczka
UEPG        

O termo violência é utilizado para denominar os mais diversos atos e a noção que dela (a violência) se faz, é inicialmente ambígua, assim, podemos concluir que não existe uma violência, mas uma multiplicidade de manifestações de atos violentos. O conceito também se submete aos valores e aos costumes sociais, o que não deixa de aumentar a confusão para localizar-se conceitualmente nesse assunto. Alguns pesquisadores encontram dificuldade para conceituar violência e consequentemente violência escolar.
 O presente artigo busca uma discussão conceitual em torno do termo “violência” dentro do âmbito escolar e o faz a partir de uma dupla perspectiva. Primeiramente, trás a visão de especialistas sobre o assunto. Educadores que debatem e escrevem sobre o problema da violência na escola. Em seguida, apresenta a perspectiva dos próprios alunos de uma escola pública da cidade de Ponta Grossa-PR. O objetivo é ampliar o horizonte conceitual, buscando um debate amplo que contemple ambas as visões contribuindo para um arcabouço mais pormenorizado da problemática.
Uma conceituação geral de violência utilizada por diversos autores como Priotto (2011), Veiga (2007) e Tigre (2010), fala que violência é quando em uma situação de interação um ou mais sujeitos agem de maneira direta ou indireta, maciça ou espaça, causando danos a uma ou a várias pessoas em graus variáveis, seja em sua integridade física, seja em sua integridade psíquica, moral, em suas posses ou em sua participação simbólica e cultural. Quando a violência acontece um indivíduo impõe sua força, seu poder ou seu status contra outro indivíduo de forma a prejudicá-lo, maltratá-lo ou abusar dele física ou psicologicamente, direta ou indiretamente, sendo a vítima inocente de qualquer argumento ou justificativa que o indivíduo violento apresente de forma cínica ou indesculpável.
Tigre (2010, p.84-94), fala que desordem não é violência entre alunos; falta de respeito entre professor e aluno não é a mesma coisa que falar de bullying; intromissão de pessoas alheias à escola não é absenteísmo escolar. Os tratamentos e as repercussões na escola são diferentes, como também é diferente o tipo de intervenção que se exige para cada caso. Contudo, a violência que se manifesta na escola deve ser encarada como um problema de cunho pedagógico, mas para que isso ocorra é imprescindível que o termo violência e indisciplina não sejam confundidos e nem tomados como sinônimos.
Indisciplina é caracterizada pela dificuldade de respeitar as normas e regras da escola, quer através de excessos de todos os tipos: depredação, pichação, zombarias, risos, ironia, tagarelice, maus comportamentos, tumulto, atitude de desrespeito, de intolerância aos acordos firmados. Incapacidade do aluno ou do grupo em se ajustar as normas e padrões de comportamento esperados. Para alguns autores, indisciplina é rebeldia contra qualquer regra da escola constituída, desrespeito aos princípios de convivência combinados sem uma justificativa viável, causando transtornos. Incapacidade de relacionar-se com normas e valores estabelecidos por um grupo.
Se é difícil para os mediadores institucionalizados abordarem a temática, o que dizer dos alunos. Segundo as DCNs (Diretrizes Curriculares da Educação Fundamental da Rede de Educação Básica do Estado do Paraná) 2005 parece que a escola não pode abrir mão de transmitir valores, de exigir respeito mútuo, de viver e conviver eticamente e contribuindo para a formação social dos alunos e por fim da sociedade. A escola é um espaço para uma estruturação psíquica dos indivíduos e deve fornecer subsídios que proporcionem uma formação mais justa, humana e igualitária.
Finalmente a questão da violência não é exclusiva dos alunos, mas também da conduta do professor. A indisciplina e a violência são causadas por um conjunto e reflete uma combinação complexa. E isto faz parte do perfil da indisciplina e deve ser considerada se desejamos compreende-la e estabelecer soluções efetivas. Nenhuma pessoa vive em disciplina e sem violência num mundo de fracassos que vêm apoiados em uma globalização econômica onde ocorre destruição familiar, desemprego, trabalho infantil, fome, injustiça na distribuição de renda, ausência de uma política concreta de reforma agrária, imoralidade generalizada, perda de parâmetros éticos da sociedade, mortalidade infantil, epidemias e endemias, discriminação infantil e social, discriminação racial, torturas, guerras entre outros povos, agressividade, drogas na escola, pichação, depredação escolar, criminalidade exacerbada e violência em geral. E tudo isso se reflete na educação e o professor deve ter um referencial para poder mediar essas discussões para um melhor aproveitamento do potencial dos alunos, bem como dos conflitos surgidos, para poder tratar de forma diferenciada e eficiente de cada caso.
Segundo Tigre (2010), o fato de ser um fenômeno que se manifesta nas diversas esferas sociais, tanto no espaço público como no privado e de manifestar-se de forma física, moral, psicológica e simbólica, apresentando-se difundida em situações de humilhação, exclusão, ameaças, brigas, desrespeito, indiferença, omissão e negação do outro, está intimamente relacionada a mudanças dos padrões sociais, onde percebemos que o adolescente (o aluno) é um sujeito vivendo sem objetivos, sem ideais. A ética transmitida pelo mundo hoje, não é uma ética reflexiva, crítica e sim inspirada no oportunismo. Essas mudanças são percebidas na fala dos alunos interferindo na relação entre alunos, entre professores e alunos e entre conhecimento e assimilação adentrando aos muros da escola.
Ainda não foram encontrados ações ou projetos que procurassem envolver o coletivo escolar e muito do que é implementado parte de ações isoladas dos professores, não representando um referencial a ser utilizado pelos demais envolvidos no processo pedagógico.
A pesquisa desenvolvida no colégio José Elias da Rocha, na cidade de Ponta Grossa, Paraná, buscou evidenciar como os alunos entendem a violência no ambiente escolar. Foram distribuídos cem (100) questionários com questões abertas para alunos dos 6º anos do ensino fundamental. Dos cem questionários entregues, oitenta (80) foram respondidos.
A primeira pergunta foi: ”O que pode causar violência na escola?”. Essa pergunta era aberta e entre as principais respostas destacam-se problemas na estrutura escolar como colaboradora para a violência; problemas trazidos de casa; falta de educação e desobediência dos alunos e ainda o álcool e outras drogas sendo o responsável pela violência.
Percebemos assim que o problema da violência não possui uma causa isolada e sim um conjunto de fatores que podem proporcionar situações violentas. Para esses alunos, a violência não ocorre por meio de um aspecto único, mau comportamento é reflexo de problemas na estrutura familiar, que por sua vez é agravado com o uso de drogas, encontrando solo fértil na falta de formação adequada dos profissionais da educação não habilitados para algumas problemáticas do tempo presente, tudo isso culminando em atos de violência.
A segunda pergunta inquiria os alunos: “Quais são os problemas da escola?” Essa pergunta foi fechada e tinha as seguintes opções: a) os professores; b) a direção; c) brigas e/ou bagunça. Os alunos responderam, em 77 dos questionários, que o maior problema da escola é a bagunça e as brigas. Outros três alunos responderam que o problema da escola está nos alunos.
Isso deixa transparecer que os alunos têm consciência da indisciplina e da violência como um problema na escola, apresentando assim um censo crítico quanto a esse aspecto. Porém o silêncio e a passividade dos alunos são estudados com um meio que reafirma a posição de submissão decorrente de atos violentos.
A última questão aborda as melhorias que poderiam ocorrer na escola para atenuar a questão da violência. Aqui a questão também foi aberta e agrupamos as principais respostas em cinco tópicos: Acabar com as brigas, bagunças e bullying com apontamentos de 39 alunos; reformas na estrutura física com 33; merenda com 14 alunos; desrespeito de alunos com os professores e entre si com 23; e finalmente 20 alunos que solicitaram mudanças na estrutura pedagógica.
A relevância do indicador de fatores ligados à indisciplina e a violência estarem com mais apontamentos reafirma que os alunos percebem a violência como um problema do ambiente escolar. Os alunos têm consciência e convivem com a violência na escola.  A violência faz parte das civilizações e como tal, participa da própria constituição e organização social. Essa ação ou efeito constitui um aspecto essencial de sua formação e por estar presente na sociedade, não se limita a determinados espaços, classe sociais ou faixa etárias sendo necessário explicitar a violência e suas representações, bem como sua repercussão no cotidiano escolar, contextualizando-a com as políticas públicas existentes. Abramovay (2007) fala dessa importância para a construção de uma visão crítica sobre o fenômeno e suas especificidades.
Concluímos destacando que o primeiro cuidado a ser tomado em relação ao conceito de violência é no sentido de não torná-lo um slogan. Esse é um fenômeno típico dos tempos pós-modernos ao qual toda sociedade deve trabalhar para solucionar.  Um caminho para isso seria a desmistificação da escola como uma propriedade privada, a escola deve ser de todos, aberta para a comunidade. Pois ela é um bem público e deve ser vista assim!
Referências
ABRAMOVAY, M.; CASTRO, M. G. Drogas na Escola. Versão resumida. Brasília: UNESCO, Rede Pitágoras, 2005. P.143.
BAVOSO. M. L. A; TIGRE, M. G. E. S. Indisciplina e Violência na Escola: Um Desafio Para Os Profissionais Da Educação. 18p. Artigo
PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes Curriculares da Educação Fundamental da Rede de Educação Básica do Estado do Paraná. Versão Preliminar. Curitiba: SEED/ DEF, 2005.
PRIOTTO, E. P. Violência Escolar: Políticas Públicas e Práticas Educativas no Município de Foz do Iguaçu. Edunioeste 2011, 213p.
TIGRE, M. G. E. S. Gestão das relações educativas no espaço escola. Ponta Grossa: UEPG/NUTEAD, 2010. Unidade I – Violência e indisciplina na escola, Seção 2 – Discutindo os conceitos de violência, bullying, indisciplina e disciplina. P. 84-94.
TIGRE, M. G. E. S. Os Jovens E A Violência Na Escola. Rev. Teoria e Prática da Educação, v. 13, n. 2, p. 131-140, maio/ago. 2010.
VEIGA, F. H. Indisciplina e Violência na Escola: Práticas Comunicacionais para Professores e Pais. Ed: Edições Almeida, Fevereiro de 2007.

2 comentários:

  1. Olá Reinaldo,

    Primeiramente, parabéns pelo excelente texto. Concordo plenamente que a escola não pode ser vista como um espaço privado, e sim, de amplo convívio social, abordando e valorizando as diferenças e ao integrar-se com cotidiano da comunidade em que está inserida, contribuir para a limitação dos atos de violência. Mas, na sua opinião, como desconstruir os slogan da violência em meio a esse processo?

    Maicon Roberto Poli de Aguiar.

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    1. Oi Maicon, gostaria de agradecer pelo elogio!

      Maicon essa pesquisa foi realizada no ano de 2014 no PIBID (programa institucional de bolsa de iniciação a docência) e a problemática principal era um enfrentamento que a escola estava tendo com o uso indevido de drogas. O Termo violência apareceu mesclado com indisciplina e no momento resolvemos o problema através de um grêmio participativo.
      Dentro da proposta de elaboração do grêmio estavam algumas reivindicações permanentes, uma delas eram palestras periódicas a respeito do uso indevido de drogas e seus temas correlatos, entre eles a violência. Acredito que foi e continua sendo uma forma excelente de abordar a problemática e trazer os alunos do comodismo e falta de interesse para a esfera militante. Porém já apontei no artigo "O uso de drogas licitas e ilícitas uma questão importante na formação cidadã" que a participação de toda a sociedade é necessária para uma tomada de consciência real e efetiva. Não só a respeito do uso indevido de drogas, mas sobre a questão da violência também.
      Transformar os alunos e a comunidade em participantes no processo de formação dos alunos e da sociedade é necessário para uma efetivação da tomada de consciência da Escola como um lugar publico!



      Muito obrigado pela sua pergunta e espero ter respondido satisfatoriamente. (Reinaldo Glusczka)

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