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Ramon Bezerra

HISTÓRIA, MEMÓRIA E ENSINO: CAMINHOS E DESCAMINHOS PARA UMA PRÁTICA DOCENTE
Ramon Bezerra de Souza
UEPB

Introdução
Heródoto e Tucídides se destacaram na antiguidade por se fazerem utilizar de testemunhos orais em seus relatos, produzindo importantes obras. Pegando por base o caso de Tucídides, onde nos é apresentado o primeiro exemplo de certa crítica de confiabilidade ao relato oral, podemos estabelecer um parâmetro para se trabalhar com esse tipo de fonte. Assim como as demais fontes escritas e visuais, a história oral necessita de uma crítica minuciosa e de um método de abordagem. Durante muito tempo renegada em meio ao predomínio positivista, que elegia os documentos escritos oficiais como único caminho de se chegar a uma verdade histórica, a história oral foi ganhando seu espaço com o advento dos Annales em 1929, onde foi possibilitado um alargamento na utilização de fontes na análise histórica, assim como a interdisciplinaridade, pois agora a história seria auxiliada e seria auxiliadora consonante com outras disciplinas. Esse preconceito de herança positivista, no uso desse tipo de fonte, é criticado por Joutard (1998), onde assinala que a resistência dos historiadores à história oral apenas priva-os de novas perspectivas.
Obtendo destaque nos Estados Unidos na década de 50, na Itália na década de 60 (com os antropólogos De Martino, Bosio e o sociólogo Ferraoti), na França por volta dos anos 70 e trazendo-se para a América Latina em 1980-1990, os relatos orais foram ganhando visibilidade muito em decorrência dos acontecimentos importantes que iam se perpetuando no tempo presente. Segundo Matos (2011) “Muitos historiadores passaram a compreender a importância da história do tempo presente, para a qual as fontes orais são essenciais. Portanto, estruturou-se uma metodologia e uma organização teórica dentro do que se passou a se chamar de história oral.”. Mas é importante ressaltar que para além de sua utilização exclusivamente no tempo presente, os relatos orais podem ser arquivados para servirem de consultas de pesquisas futuras, como nos atenta Alberti (1989):
“A história oral apenas pode ser empregada em pesquisas sobre temas contemporâneos, ocorridos em um passado não muito remoto, isto é, que a memória dos seres humanos alcance, para que se possam entrevistar pessoas que dele participarem, seja como atores, seja como testemunhas. É claro que, com o passar do tempo, as entrevistas assim produzidas poderão servir de fontes de consulta para pesquisas sobre temas não contemporâneos. ’’ (Alberti, 1989 p. 4).
Vale lembrar também que não caiamos no mesmo erro da história tradicional, ao elencar tipos de fontes ideais. Não é indicado ao historiador/pesquisador utilizar apenas fontes orais em sua pesquisa, ela precisa ser amparada por outros objetos de analise, por outras fontes. Segundo Alessandro Portelli (2006), as fontes orais revelam as intenções dos feitos, suas crenças, mentalidades, imaginário e pensamentos referentes às experiências vividas. A fonte oral pode não ser um dado preciso, mas possui dados que, às vezes, um documento escrito não possui. Por isso o diálogo de diferentes tipos de fontes e abordagens se veem necessários, para que a pesquisa seja mais aprofundada e embasada.
O argumento de que o uso de história oral é inviabilizado ao discurso histórico por motivo de possuir uma subjetividade inerente ao relato é infundado, Thompson (1992) argumenta que nenhuma fonte está livre da subjetividade, seja ela escrita, oral ou visual. O historiador antes de fazer a pesquisa deve ter um aporte, uma base, tanto teórica - buscando auxílio aos seus pares, como bem cita Certeau (1976), quanto contextual do período e da sociedade ao qual o entrevistado está inserido. No referente trabalho aqui analisado, procurando fazer esse jogo de análise com o contexto, mas também com outra via ao qual a história oral gosta muito de dialogar, que é a interdisciplinaridade, ao estabelecermos para além da reflexão histórica, uma discussão puramente metodológica na questão do processo de ensino-aprendizagem. Essa busca ao contexto se faz necessário, pois nenhuma memória individual é separada de uma influência coletiva. Maurice Halbwachs (2004) aponta que “Toda memória é coletiva, e como tal, ela constitui um elemento essencial da identidade, da percepção de si e dos outros.”. As memórias individuais e coletivas se confundem, pois não nos constituímos sozinhos, não somos ilhas isoladas.
A crítica em relação às questões de memória também se fizeram presentes em nossa pesquisa, principalmente as referentes aos esquecimentos, aos silêncios, as pausas, as seletividades, dentre outras circundantes que nos jogaram a uma abordagem dialogada com uma perspectiva psicológica de análise do relato. Mas todo esse processo crítico foi posto de maneira superficial, porém, satisfatório, de forma não muito aprofundada, pois o trabalho é proposto a alunos de ensino fundamental.
Segundo Le Goff (1996), a memória é o objetivo principal no trabalho com as fontes orais, pois o estudo é recuperado por intermédio da memória das testemunhas. A memória é construída no presente, buscando vestígios de coisas vividas ou testemunhadas no passado. Pierre Nora nos incita a reflexão quando escreve:
A memória é um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente; a história, uma representação do passado. Porque é afetiva e mágica, a memória não se acomoda a detalhes que a confortam: ela se alimenta de lembranças vagas, telescópicas, globais ou flutuantes, particulares ou simbólicas, sensível a todas as transferências, cenas, censuras ou projeções. A história, porque operação intelectual e laicizante demandam análise e discursos críticos. A memória instala a lembrança no sagrado, a história a liberta e a torna sempre prosaica [...] (NORA, 1993: 9).
Guiamo-nos nas indicações de Chantal de Tourtier-Bonazzi, num capítulo escrito no livro Usos e abusos da história oral, onde a autora nos mostra que é essencial selecionar com cautela e seguindo alguns métodos, a testemunha, o lugar onde será efetuada a entrevista e o roteiro. Atendo-nos e portados teoricamente por Matos (2011) nos tópicos relacionados a transcrições da entrevista.
Diante de todo esse arcabouço teórico sobre memória, temos que transparecer aos alunos os cuidados e métodos que devem ser postos em prática quando se pretende trabalhar com a oralidade. Tal exercício de reflexão se configura numa indicação didático metodológica para os professores de história, mas que pode ser utilizada também por outras áreas de ensino de forma interdisciplinar, no que rege a utilização da história oral em sala de aula, possibilitando ao docente uma nova forma de abordagem de conteúdo e um novo meio de se chegar ao destino do processo de ensino.  Como recurso pedagógico interdisciplinar, ela permite desenvolver nos estudantes novas habilidades de leitura e escrita, estimular seu trabalho criativo e conectá-los às suas comunidades.

Referências
ALBERTI, V. História oral: a experiência do CPDOC. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1990.
FERREIRA, M. M.; AMADO, J. (Org.). Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998.
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2004.
JOUTARD, Philippe. História oral: balanço da metodologia e da produção nos últimos 25 anos. In: FERREIRA, M. M.; AMADO, J. (Org.). Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998.
LE GOFF, Jacques. História e memória. 2. ed.Campinas: Ed. da Unicamp, 1996.
LODI, João Bosco. A entrevista: teoria e prática. 3. Ed. São Paulo: Pioneira, 1977.
MATOS, Júlia Silveira; SENNA, Adriana Kivansky de. História oral como fonte: problemas e métodos. Historiae, Rio Grande, 2 (1): 95 – 108, 2011.

NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História. São Paulo: PUC, n. 10, p. 7-28, dez. 1993.

SANTHIAGO, Ricardo; MAGALHÃES, Valéria. História Oral na Sala de Aula - Col. Práticas Docentes. Ed. Autêntica, 2015.

THOMPSON, Paul. A voz do passado. São Paulo: Paz e Terra, 1992.

TOURTIER-BONAZZI, Chantal de. Arquivos: propostas metodológicas. In: FERREIRA, M.

AMADO, J. (Org.). Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998.




3 comentários:

  1. Ramon, achei interessante o seu trabalho. Queria saber melhor como você lidou com a questão do "silêncio" dos alunos e suas expectativas, quando iniciou o projeto, em relação a própria memória dos educandos, por se tratar do ensino fundamental. Bruna Aparecida Gomes Coelho

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  2. Boa noite, Ramon Bezerra
    Considero importante e desafiador o trabalho com o conceito de memória na prática docente. Ao ler o seu trabalho, pensei no conceito de Pierre Nora de "lugares de memória", desde que materiais, funcionais e simbólicos, capazes de representar e evocar o passado no presente.
    Esse conceito é refletido em sua pesquisa?

    Ellen Natucha Pedroza Bezerra

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  3. olá gostei bastante.
    Mas como trabalhar com os alunos as questões entre diferenças entre história oral e oralidade?

    Att,
    Wiliana Maiara do Nascimento

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