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Ramiro Santos; Alessandra David

O ENSINO DE HISTÓRIA NOS CURRÍCULOS DO CURSO DE PEDAGOGIA
Ramires Santos Teodoro de Carvalho
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro Universitário Moura Lacerda
Alessandra David
Professora Doutora do Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro Universitário Moura Lacerda

A pesquisa surgiu da inquietação, na qualidade de professor, dos anos iniciais do Ensino Fundamental, a partir de uma reflexão sobre o ensino de História na Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de Pedagogia, mediante debate realizado pelo Movimento dos Educadores, Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE), Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED) e Centro de Estudos Educação e Sociedade (CEDES), diante do Parecer CNE/CP n. 5/2005 que fundamenta a Resolução do CNE/CP n.1/2006 e o Parecer CNE/CP n. 3/2006, homologado em abril de 2006.
A disciplina Conteúdos e Metodologia do Ensino de História é um componente curricular obrigatório no curso de Pedagogia, porém, nem sempre desenvolvido de modo adequado, desconsiderando sua importância para a formação e para a construção do indivíduo enquanto sujeito histórico. Por isso, a pertinência desta análise e da discussão teórica sobre o ensino de História nos cursos de Pedagogia, e a influência da História ensinada nas escolas de Ensino Fundamental I.  A complexidade e os desafios teórico-práticos que as Instituições de Ensino Superior encontraram para sistematizar e regulamentar a reforma do curso de Pedagogia, de acordo com a DCN de Pedagogia-2006, é outro fator que justifica esta pesquisa.
Uma breve passagem histórica remonta as reformas elaboradas no Ensino Superior com os acordos MEC-USAID, Agência Norte-americana para o Desenvolvimento Internacional, propunham orientar programas e a reformular o sistema de ensino brasileiro. A formação docente no final dos anos 1960 (Lei 5.540/68) e o Decreto-Lei n. 464/69, 11 de fevereiro de 1969, que estabeleceu normas complementares à Lei 5.540/68, ficaram conhecidas como Reforma Universitária e o início dos anos 1970 (Lei 5.692/71) que tinha como finalidade reformular o ensino de primeiro e segundo graus, e a Escola Normal.
Segundo Libâneo (2006) na década de 1970 suscitou em boa parte dos educadores, a expectativa de superar uma educação fragmentada de caráter tecnicista, isto é, a divisão técnica do trabalho escolar, segundo os modelos escolares norte-americanos. Assim sendo, os educadores uniram-se em torno da teoria da reprodução e das teorias críticas da sociedade “ambas dando suporte teórico para se fazer a crítica da educação capitalista e, particularmente da concepção neopositivista de ciência e seus reflexos na educação” (p. 113).
Aprender a ser sujeito da/na História relacionando passado e presente é um dos mecanismos principais do ensino de História. Assim, este texto busca numa análise documental, por intermédio dos “conceitos-chaves” de Cellard (2010), e sob à luz da perspectiva histórico-crítica e da teoria crítica do currículo, analisar os planos de ensino relacionado a disciplina Conteúdos e Metodologia do Ensino de História, de cursos de Pedagogia presenciais, de cinco Instituições de Ensino Superior de um município do interior paulista. 
A documentação em estudo foi disponibilizada pelas Instituições apenas para fins da pesquisa, que encontra-se em andamento. Visitamos cada uma das Instituições explicando aos coordenadores do curso de Pedagogia o objetivo da pesquisa, e apresentamos o termo de compromisso e de Ética em Pesquisa concedido pelo Programa de Pós-Graduação, a fim de resguardar as Instituições participantes para que a pesquisa pudesse ser desenvolvida.
Segundo Rossi e Inácio Filho (2004, p. 8), o currículo escolar carrega um poder disciplinador, instaurador de ordem a ser obedecido, um adestramento intelectual,
baseado na cultura dominante, mediante a interesses econômicos [..] para consolidação de uma nova ordem social [...]. Portanto, exercem importante função de mecanismos de reprodução e conservação de desigualdades sociais com o objetivo de atender, por meio de conteúdo explicito do currículo, os interesses dominantes.
Segundo a historiadora Kátia Abud (2006) os currículos e programas escolares são intervenções do próprio órgãos oficiais no ensino, isto significa que a formação dos alunos está intimamente ligada a interesses superiores, ou seja, “o discurso do poder se pronuncia sobre a educação e define seu sentido, forma, finalidade e conteúdo e estabelece, sobre cada disciplina, o controle da informação a ser transmitida e da formação pretendida”. (p. 28). Assim sendo, passamos a entender que ensinar História, é extremamente importante para romper com essa supremacia, pois adquirem-se ferramentas necessárias para “o saber-fazer, o saber-fazer-bem, lançar os germes do histórico” (SCHMIDT, 2006, p. 57).
A Pedagogia é um campo de conhecimento que se debruça sistematicamente nas práticas e nos fenômenos educativos, e por conseguinte na formação escolar. Segundo Franco (2011), o currículo do curso de Pedagogia deveria estruturar-se numa perspectiva dialética, ancorado num projeto social, e esse, transformando-se em cultura real (objeto de conhecimento), pois “o curso de formação de professores não se efetua no vazio, devendo estar vinculado a uma intencionalidade, a uma política, a uma epistemologia, a pesquisas aprofundadas dos saberes pedagógicos [...]”. (p. 109).
Assim, Abud (2006, p. 28) acredita que os currículos “constituem o instrumento mais poderoso de intervenção do Estado no ensino, o que significa sua interferência em última instância, na formação da clientela escolar para o exercício da cidadania, no sentido que interessa aos grupos dominantes”.
Saviani (2012) ao analisar as Diretrizes do curso de Pedagogia, explica que além de generalistas, carregam no bojo articulações paradoxais,
extremamente restritas e demasiadamente extensivas: muito restritas no essencial e assaz excessivas no acessório. São restritas no que se refere ao essencial, isto é, àquilo que configura a pedagogia como um campo teórico-prático dotado de um acúmulo de conhecimentos e experiências resultantes de séculos passados. Mas são extensivas, no acessório, isto é, dilatam em múltiplas e reiterativas referências à linguagem hoje em evidência [...]. ( p. 58).
Por esses motivos, podemos observar os desafios que futuros pedagogos têm em ensinar História, a começar pela dificuldade advinda da formação inicial de caráter, polivalente, generalista e/ou genérica (previsto nas DCNs-Pedagogia 2006) em que, o curso de Pedagogia deve preparar o profissional para exercer o magistério na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, além de especialistas na área educacional, gestores e supervisores de ensino.
Em razão disso, percebe-se a importância de uma boa formação do(a) pedagogo(a), para que o(a) mesmo(a) possa ter fundamentos teóricos e práticos para ensinar História na Educação Infantil, e, especialmente nos anos inicias do Ensino Fundamental, níveis em que atua, visto que, o ensino de História possibilita o(a) aluno(a) observar, indagar e questionar o modo como se constrói a sua história, desenvolvendo seu sentido de pertencer a uma sociedade, fator que possibilita inferir na realidade vivida, identificando passado e presente nos vários espaços coexistentes. Para isso se realizar, é importante que o(a) professor(a) trabalhe a partir de histórias individuais e de grupos as relações sociais aluno-professor-sociedade, haja vista que o ensino de História permite conceber a identidade dos sujeitos e a análise e a observação espacial-temporal histórica.
A apropriação como cidadão sócio-histórico permite o(a) aluno(a) compreender-se como sujeito da própria história social, cultural, política e econômica, o que o(a) leva a refletir e a posicionar-se criticamente perante a sociedade, e quando adulto, ser capaz de enfrentar as adversidades socioculturais como agente consciente de suas práticas.
Observamos que a carga horária reservada para a disciplina de Conteúdos e Metodologia do Ensino de História, no curso de Pedagogia, é ínfima se comparada à carga horária de outras disciplinas, em razão do currículo da educação básica, nível em que o futuro Pedagogo atuará, ser prescrito pelas próprias redes municipais ou estaduais que, seguindo a orientação geral, possui baixa carga horária de História para todo o ensino fundamental.
O currículo é uma forma de representação e expressão que carrega no bojo, uma forma organizacional e aglutinadora, que perpassa o ensinar, o aprender, mas também a segregação de disciplinas escolares que constituem e estão intimamente ligados ao projeto pedagógico instituído por cada IES. Diante desta perspectiva, podemos entender que a proposta deste texto é de contribuir para uma melhor reflexão numa perspectiva de (re)orientação do currículo e assim uma melhor formação para o ensino de História no curso de Pedagogia. “O ensino de História pode possibilitar ao aluno “reconhecer a existência da história crítica e da história interiorizada” e “a viver conscientemente as especificidades de cada uma delas”. (BITTENCOURT, 2006, p. 27).
Acreditamos que o ensino de História possibilita a construção da identidade crítica do sujeito, para que atuando na sociedade em que vive, seja capaz de fazer a relação passado e presente, percebendo-se, sobretudo, como protagonista e transformador da realidade vivida, e um currículo mínimo de História pode comprometer essa possibilidade.

Referências
ABUD, Kátia. Currículos de História e políticas públicas: os programas de história do Brasil na escola secundária. In: BITTENCOURT, Circe. (org.). O saber histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2006. p. 28-41.
BITTENCOURT, Circe. Capitalismo e cidadania nas atuais propostas curriculares de História. In: BITTENCOURT, Circe. O saber histórico na sala de aula. 11. ed. São Paulo: Contexto, 2006, p. 11-27.
BRASIL, Conselho Nacional de Educação (2005). “Parecer CNE/CP n. 05/2005”, de 13/12/2006. Diário Oficial da União. (Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/pcp05_05.pdf).
BRASIL, Conselho Nacional de Educação (2006). “Parecer CNE/CP n. 03/2006”, de 21/2/2006. Diário Oficial da União, de 11/4/2006 (Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/pcp003_06.pdf).
BRASIL, Conselho Nacional de Educação (2006). “Resolução CNE/CP n. 1/2006”, de 15/5/2006. Diário da União, de 16/5/2006, Seção 1, p. 11. (Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rcp01_06.pdf).
CELLARD, André. A análise documental. In: POUPART, Jean.; DESLAURIES, Jean-Pierre.; GROULX, Lionel-H. et al. (orgs). A pesquisa qualitativa: enfoques epistemológicos e metodológicos. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2010. p. 295-315.
FRANCO, Maria Amélia Santoro. Para um currículo de formação de pedagogos: indicativos. In: PIMENTA, Selma Garrido (org.) Pedagogia e pedagogos: caminhos e perspectivas. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2011. p. 101-129.
LIBÂNEO, José Carlos. Que destino os educadores darão à Pedagogia?. In: PIMENTA, Selma Garrido (org.). Pedagogia, ciência da educação?. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2006. p. 107-134.
ROSSI, Michelle Pereira da Silva; INÁCIO FILHO, Geraldo. Mercado, Educação e Currículo: a (re)estruturação de um modelo educacional. In: III Congresso Brasileiro de História da Educação, 2004, Curitiba. ANAIS: III Congresso Brasileiro de História da Educação. Curitiba: EdPUCPR, 2004.
SAVIANI, Dermeval. A pedagogia no Brasil: história e teoria. 2.ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2012.
SCHMIDT, Maria Auxiliadora. A formação do professor de história e o cotidiano da sala de aula. In: BITTENCOURT, Circe. (org.). O saber histórico na sala de aula. 6. ed. São Paulo: Contexto, 2006. p. 54-66.


9 comentários:

  1. Olá autores,

    Dados os limites impostos pelo modelo atualmente vigente dos cursos de pedagogia, vocês, tanto quanto eu vejo nas unidades escolares em que trabalho ou já trabalhei, observam uma grande resistência dos professores e professoras das séries iniciais em valorizarem a disciplina - não só língua portuguesa e matemática - trocando experiências com os professores e professoras das séries finais e do ensino médio?

    Maicon Roberto Poli de Aguiar.

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  2. Boa noite!

    Diante do debate aqui apresentado, pode-se lembrar e afirmar que o ensino fundamental 1 não é muito valorizado, pois uma formação em pedagogia acaba sendo infelizmente pouca para suprir as demandas das crianças,diante disso vocês acham que parte do desinteresse dos jovens pela disciplina de história seja resultado de um mau ensino nos anos iniciais do ensino fundamental??

    Greiciane Farias da Silva

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    1. Boa noite Greiciane,

      Entendemos que a Pedagogia não se limita apenas ao ato docente, como pensam Libâneo e Pimenta, mas que perpassa práticas educativas nas mais variadas modalidades e manifestações.

      As DCNs de Pedagogia não trazem de forma específicas os conteúdos e modos de ensinar as disciplinas específicas do conhecimento, mas aborda de forma generalista é simplista. Diante da falta de direcionamento cada IES cria seu próprio currículo, e nisso consiste nossa pesquisa, como vem sendo trabalhado o ensino de História nos currículo do curso de Pedagogia.

      O curso de Pedagogia é responsável pela formação de professores para atuarem no âmbito da educação infantil, anos inciais do ensino fundamental, gestão e supervisão, ou seja, uma formação generalista, e isto acarreta na formação do conhecimento básico a ser ministro no Fundamental I.

      Espero ter respondido sua pergunta, qualquer dúvida mande um e-mail. Obrigado.

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  3. Olá!

    Este é um assunto pertinente, como foi a aceitação dos coordenadores quanto a participação na pesquisa?

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    1. Boa noite Shirlei,

      Alguns coordenadores aceitaram bem a pesquisa, obviamente que tivemos que especificar todo o trabalho, no que consiste e qual a principal finalidade, lembrando que entregamos o termo de Ética a todos os coordenadores.

      Entretanto tiveram outros que não quiseram nem conversa, se recusaram a participar da pesquisa.

      Algumas IES disponibilizam em seus sites o plano de ensino do curso, este documento é público, disponível a todos, mas ao pedirmos o documento dessa disciplina específica, ouvimos que o documento é público apenas para os alunos da Instituição.

      Enfim, diante de toda a dificuldade, conseguimos com muito esforço 5 planos de ensino, como relatei no texto. Agora estamos dando andamento na análise desses documentos.

      Espero que tenha respondido sua pergunta. Qualquer dúvida, mande um e-mail. Obrigado.

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    2. Bom dia Ramiro!

      A minha curiosidade foi aguçada por que desenvolvo uma pesquisa que aprofunda estudos sobre dois cursos de licenciatura em duas instituições e também encontrei dificuldades de acesso aos materiais de interesse.

      Parabéns pelo trabalho!

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  4. Boa noite Maicon,

    Encontramos dificuldades dos professores dominarem o conhecimento básico da História, essa não aceitação se deve a esse motivo, o não domínio dessa área.

    Nossa pesquisa se pauta na formação inicial do(a) pedagogo(a) na disciplina Conteúdos e Metodologias do ensino de História. Diante disso, nossas conversas informais com colegas de profissão dos anos iniciais ou mesmo leituras referente à formação dos pedagogos, percebemos a falta de preparo para o ensino dessa disciplina.

    Espero que tenha respondido, qualquer dúvida, mande um e-mail. Obrigado pela sua contribuição.

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  5. Bom Dia, prezados autores.

    Diante de um tema enormemente relevante para o Ensino de História, como o ensino nos Anos Iniciais, as(os) professoras(es) chegaram a pontuar, eles mesmos, o que acham difícil na hora de ministrar as aulas de História?

    Obrigada,
    Olga Suely Teixeira

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    1. Boa noite Olga,

      Nas conversas com colegas de profissão as maiores dificuldades são em dominar os conteúdos, por exemplo: todas utilizam os livros didáticos como ferramenta para o ensino. Vale ressaltar que os livros fazem parte do coleção do PNLD, isto é, as obras abordam um ensino de História Nacional. Por isso, o ensino de História Local e Regional não são trabalhados pelas professoras.

      As professoras dizem que não tiveram essa formação nos cursos de Pedagogia e por isso não dominam os conhecimentos básicos para o ensino dessa disciplina. Elas admitem que para o ensino de História a única ferramenta utilizada é o livro.

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