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Rafaela Albergaria

A INVISIBILIDADE DA TEMÁTICA INDÍGENA NO CURRÍCULO DE HISTÓRIA: UMA ANÁLISE DA LEI 11.645 DO CURRÍCULO BÁSICO DE HISTÓRIA DO RIO DE JANEIRO
Rafaela Albergaria Mello
Mestre em Práticas de Educação Básica pelo Colégio Pedro II

A Secretaria de educação do estado do Rio de Janeiro – SEEDUC possui um documento denominado Currículo básico, o qual todas as escolas estaduais devem seguir. Nele há os conteúdos curriculares e as competências que o professor deve inserir para a construção do aprendizado dos estudantes. Esse currículo mínimo é dividido por disciplinas escolares e está de acordo com os Parâmetros Nacionais de Educação - PCNs. Cada disciplina possui o currículo básico para usar como referência dos conteúdos que devem ser compreendidos pelos estudantes.
O Currículo Mínimo, denominação antiga do Currículo Básico de História foi elaborado em 2012 com a participação de alguns professores regentes.  O documento ressalta que sua elaboração não procura dar conta de todos os conteúdos e que buscou apenas fazer uma seleção de competências e habilidades essenciais para o ensino de história:
"Elegemos estes pontos para que a sala de aula e a escola tornem-se um lugar de produção de conhecimento histórico, não como um ponto distante no tempo, estático, mas como um lugar de produção, de reflexão e de construção do conhecimento que refletirá a realidade e as necessidades da região em que a escola está inserida. Esperamos, assim, que o nosso educando, ao fim do processo escolar, participe ativamente da sociedade como cidadão, seja a partir de sua inserção no mundo do trabalho, seja na continuidade dos seus estudos ou em quaisquer outras experiências" (Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro, 2012, p. 3).
Percebemos que o documento procura ressaltar a reflexão e a construção do conhecimento, procurando a participação do estudante como sujeito histórico e crítico de seu tempo. O texto desse documento sugere que o estudante terá noções importantes de sua sociedade com o currículo que é produzido pela SEEDUC e utilizado pelos professores da rede estadual.
Entretanto, ao analisar os conteúdos curriculares dos 1°, 2° e 3° anos do Ensino Médio na área de História do currículo básico, praticamente inexistem as denominações "índio", "povos indígenas", "autóctones", etc.
Aqui vale uma observação: no 1° ano do Ensino Médio em relação ao 3° bimestre, há um item que sugere a discussão acerca da temática indígena. Assim, as competências e habilidades a serem desenvolvidas são observadas nos três objetivos do conteúdo. No item "América":

  • Analisar as principais organizações sociopolíticas na América Pré-Colonial; 
  • Comparar os conflitos culturais, sociais, políticos e econômicos dos períodos pré-colonial e contemporâneo;
  • Desenvolver comportamentos de respeito à diversidade cultural.
Diante disso, algumas questões podem ser formuladas. Quais são os conflitos culturais, sociais, políticos e econômicos a que o currículo se refere? Quais são as interpretações que os professores podem fazem dessas competências e habilidades? Quais são os assuntos que os professores devem priorizar ao construir o ensino e a aprendizagem? Provavelmente, o tratamento dado a temática poderia ser melhor direcionado e explicado. O documento segue:
"Optamos por manter um currículo com os conteúdos que consideramos essenciais para a rede. Acreditamos que deva ser estabelecido um novo entendimento sobre o cotidiano das escolas como locais de representações que transformam o dia a dia a partir do conhecimento e das múltiplas relações estabelecidas" (Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro, 2012, p. 3).
Observamos que os conteúdos presentes nos currículos básicos são os considerados essenciais para o ensino e aprendizagem nas escolas públicas estaduais do Rio de Janeiro. Ocorre que, para a produção e construção de conhecimento no Ensino Médio na disciplina de História, destina apenas um item em um único bimestre com diferentes questões.  Aprender sobre os povos indígenas, respeitar os primeiros povos brasileiros, conhecer a história de seu país, mostrar a história do Brasil consiste em discussão que tem pouco tempo para ser desenvolvida.
O 3° bimestre é bastante ambicioso: três itens são apresentados como conteúdos a serem desenvolvidos. O primeiro, denominado "Expansão Marítima", o segundo, identificado como "África" e, por fim, um denominado "América". Nesse último item, os conteúdos englobam a história dos povos indígenas brasileiros e a história dos primeiros povos da América Latina.
O currículo prioriza a visão etnocêntrica do processo de colonização do continente americano, pois não denomina a história dos primeiros povos da América Latina, como mencionei anteriormente. O documento oficial do estado do Rio de Janeiro sobre o currículo escolar denomina as principais organizações sociopolíticas na América Pré-Colonial, identificadas como baixo e alto impérios, sendo esses últimos os Maias, Incas e Astecas, como também aparecem nos conteúdos dos livros didáticos.
Assim, uma importante parte da história do Brasil não é prioridade, prevalecendo a visão etnocêntrica dos aspectos relacionados a hierarquias culturais, como também uma perspectiva eurocêntrica e preconceituosa em relação aos povos indígenas do Brasil (SOUZA LIMA, 1995)
A ausência dos povos indígenas brasileiros nos conteúdos curriculares tem uma intencionalidade da elite brasileira no século XIX, para a qual a historiografia brasileira seria a continuação da história de Portugal. Porém, essas escolhas permaneceram por décadas e persiste a exclusão, afastando os povos indígenas da história do Brasil.
Analisando os conteúdos também do currículo mínimo, podemos acreditar inclusive na inexistência dos povos indígenas, pois estes desaparecem dos conteúdos, como se não fizessem parte da história, ou na ideia de que todos foram pacificados, assimilados e incorporados à sociedade ou ainda, extintos.
Infelizmente, essas minhas constatações fazem parte do senso comum do brasileiro, visão essa construída dentro da escola. Esse cenário precisa ser revisto.
A celebração do dia do índio, em 19 de abril, precisa mudar o foco do índio como pertencente apenas à floresta, a comunidades caçadoras e coletoras e que tem o hábito cultural de andar nu.  Os povos indígenas não estão presos ao passado, não foram congelados no tempo; eles fazem parte da atual sociedade, frequentam universidades, utilizam tecnologia e continuam lutando por suas terras.
É preciso que a figura dos povos autóctones seja refletida no ensino de História e na escola. É lá que se tem a possibilidade de construir o respeito, o conhecimento, a tolerância e o reconhecimento de que os povos indígenas têm lugar legítimo na história do Brasil.
Em março de 2008, a lei 11.645 foi promulgada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, passando a reconhecer a temática da história indígena como importante matriz da sociedade brasileira e representando um avanço nesta discussão. Assim, o exercício dessa promulgação deve ser incorporado tanto na prática cotidiana da sala de aula como nas discussões acadêmicas, que são determinantes na formação dos professores de história.
Como Giovani José da Silva afirma,
 “a lei 11.645/2008, que prevê a inserção do ensino de história e culturas indígenas na educação básica, representa um passo enorme em direção ao reconhecimento de uma sociedade historicamente formada por diversas culturas e etnias, dentre elas as indígenas. Afinal, o Brasil é um país de rica diversidade pluricultural e multiétnica [...].” (SILVA, 2015, p. 21.)
A reflexão acerca da promulgação dessa lei é um desafio para todos que atuam na educação. Entretanto, admitimos que há um despreparo dos professores sobre a temática, paralelamente à abordagem ainda tímida dessa temática nas diferentes universidades, contribuindo assim para a lacuna sobre o ensino de história indígena com os licenciandos que, no futuro, atuarão como professores de educação básica.
Na América portuguesa, a palavra "índio" servia para designar as mais diversas etnias, grupos e culturas nativas existentes no território. Posteriormente, se criaram as denominações de "tupi" e "tapuia". Segundo o historiador John Monteiro (1995), tupis eram os povos do litoral de Santa Catarina ao Maranhão. Tapuias, diferenciados socialmente do padrão tupi, eram pouco conhecidos dos europeus e se encontravam nos sertões do território. Dessa maneira, o próprio historiador afirma que os europeus do século XVI procuraram reduzir o vasto panorama etnográfico em duas categorias: tupi e tapuia.
Nesse cenário, a lei 11. 645 é de extrema importância, pois mesmo em sua vigência, a inserção sobre os povos indígenas é mínima no programa curricular do conteúdo de História do estado do Rio de Janeiro direcionado ao Ensino Médio.

Referências bibliográficas
BRASIL. Presidência da República/Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei 11.645, de 10 de março de 2008.
LIMA, Antonio Carlos de Souza. "Um olhar sobre a presença das populações nativas na invenção do Brasil". In: SILVA, Aracy Lopez da Silva; GRUPIONI, Luiz Donisetti Benzi, (Orgs.). A temática indígena na sala de aula. Novos subsídios para professores de 1º e 2º graus. Brasília: MEC, 1995, pp. 407-419.
MONTEIRO, John. "O Desafio da História Indígena no Brasil". IN: SILVA, Aracy Lopez da Silva; GRUPIONI Luiz Donisetti Benzi, (Orgs.). A temática indígena na sala de aula. Novos subsídios para professores de 1º e 2º graus. Brasília: MEC, 1995, pp. 221-228.
SACRISTÁN, J. Gimeno.  Currículo: uma reflexão sobre a prática. Porto Alegre: Artmed, 2000.
Secretaria de Educação do estado do Rio de Janeiro. Currículo Mínimo de História, Rio de Janeiro, 2012.
SILVA, Giovani José da. “Ensino de História indígena”. In: WITTMANN, Luisa Tombini (org.) Ensino d(e) História indígena. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.



8 comentários:

  1. Olá Rafaela Albergaria Mello!
    Parabéns pelo texto!
    Com a obrigatoriedade da lei 11.645/08 a temática indígena está sendo trabalhada em sala de aula. Com o discurso do senso comum podemos perceber que a temática está sendo trabalhada de forma improvisada reforçando a imagem cristalizada do "índio colonial"? Como desconstruir essa visão estereotipada em tão pouco tempo? Sendo a temática indígena abordada apenas duas vezes no ano e com tantas problemáticas?
    Desde de já obrigada!
    Iolanda Mendes

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    1. Oi Iolanda,
      então, acredito que através das fontes dos cronistas do século XVI, nós podemos inverter um pouco essa visão do índio colonial, mostrando diversos papeis protagonizados pelos índios no processo de colonização portuguesa, assim como mostrar como eles foram atuantes na ocupação francesa tanto do Rio de Janeiro, como do Maranhão.
      Podemos utilizar fontes analisadas pelo john monteiro para falar sobre as populações indígenas e o papel dos bandeirantes ao longo dos século XVI e XVII. Assim como Regina Celestino para falar sobre o Rio de Janeiro ao longo do XVII. No século XIX podemos falar sobre as leis de terra e o não reconhecimento pela cidadania, no início do século XX podemos utilizar a criação do SPI e desconstruir o mito de Rondon.
      Ao longo do século XX podemos falar sobre o Estatuto do índio de 73, podemos falar da criação da FUNAI e do recente relatório Figueredo. Assim como a participação dos povos indígenas na constituinte. E sem duvida, discutir a luta pela terra e a questão indígena urbana.
      Podemos inserir a temática indígena brasileira em vários contextos.
      atenciosamente,
      Rafaela Albergaria Mello

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Olá Rafaela,
    Como você mencionou, realmente é um desafio aplicarmos as leis no contexto educacional mesmo quando eram obrigatórias, logo te pergunto, como discuti-las com os colegas docentes em meio a perda da obrigatoriedade da lei? Pois antes o desafio era aplicar a lei em meio a sua obrigatoriedade em meio uma legislação que te garantia, e agora nem o ensino de história é mais obrigatório! :(

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  4. Oi Luciana,
    acredito que temos que lutar pela garantia e pelo direito de se estudar história. Acredito ainda mais que a história é plural e que temos que construir um ensino aberto, plural e dinâmico. Considero necessário sim a troca com nossos pares, e que sim o dia´logo é essencial com colegas. Uma forma de trocar esses conhecimentos é apontar algumas formas de incorporar a lei 11. 645 no ensino de história do Brasil, dessa forma, considero a indicação de textos, vídeos e reportagens aos colegas. E compartilhar sempre aulas sobre a temática, para que outros possam aplica-las também.
    atenciosamente,
    Rafaela Albergaria Mello

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  5. Oi, Rafaela! Como você mencionou existem nos do documentos oficiais do país obrigatoriedades sobre o ensino da história e cultura indígena, porém como seu texto cita elas não estão sendo postas em prática, qual seria a solução para implantação total da lei?

    Priscila Magna do Nascimento Silva

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  6. Oi, Rafaela! Como você mencionou existem nos do documentos oficiais do país obrigatoriedades sobre o ensino da história e cultura indígena, porém como seu texto cita elas não estão sendo postas em prática, qual seria a solução para implantação total da lei?

    Priscila Magna do Nascimento Silva

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  7. Oi, Rafaela! Parabéns pela comunicação! Muito pertinente as questões que você levantou. Vou falar um pouquinho da minha experiência: tratar dos povos indígenas em sala de aula, para mim, é sempre muito trabalhoso, por diferentes motivos. Primeiramente, esbarro com uma formação deficiente nesse aspecto, que pouco indicou bibliografia adequada, e, quanto havia, representava uma visão eurocêntrica. Segundo, minhas experiências têm sido difíceis, sobretudo com alunxs de Ensino Médio, em romper com os estereótipos que trazem. Mesmo buscando trazer visões e falas diferenciadas a respeito das populações ameríndias, quebrar os preconceitos dxs estudantes tem sido particularmente complicado. Assim, faço a seguinte pergunta: você teria indicação de bibliografia para que eu pudesse conhecer mais a respeito dessas populações? Conhecendo mais, estaria melhor preparada para lidar com os desafios que o tema proporciona.

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