Páginas

Pedro Caires; Valdemir Paiva

RAÍZES DO REGIME MILITAR NO AMBIENTE ESCOLAR: UM ESTUDO DE CASO
Pedro Henrique Caires de Almeida
UNESPAR/Campo Mourão
Valdemir Paiva
Mestrando pela UFPR

É correto pensar que, após o fim da ditadura militar dissiparam-se todas as suas heranças autoritárias, sobretudo no campo educacional? Buscamos aqui, tenta responder à questão, ou trazer o tema à baila, tendo como base observações feitas em um colégio estadual na cidade de Campo Mourão, Paraná.
A massificação da educação, bem como a industrialização de produção dos materiais didáticos foi um processo que teve início no período da intervenção militar. Como Silva (1990) salienta, entre 1950 e 1980, ocorreu no Brasil o mais intenso processo de modernização pelo qual o país já passou, alterando profundamente a fisionomia social, econômica e política do país. Foi nítida a mudança em todos os setores da vida brasileira, com alterações estruturais relevantes e definitivas na industrialização, a integração no conjunto econômico capitalista mundial, concentração de renda e na área educacional.
A escola foi gradativamente sendo descaracterizada: de uma instituição responsável em promover o ensino e aprendizagem, aberta a questionamentos e reflexões, passa a ser rigidamente controlada pelo governo de forte hierarquia que ditava o que se deveria ser lecionado. Depois de todas as restrições impostas ainda na década de sessenta, o governo militar, juntamente com os membros políticos estadunidenses concretizaram acordos através da parceria entre o então Ministério da Educação e Cultura (MEC) e United States International for Development (USAID) realizando acordos responsáveis por reformas de leis no nosso sistema educacional, que tinham como finalidade atribuir à educação características autoritárias e domesticadoras.
O Decreto-Lei n° 477, de 1969, ampliou a repressão e o terrorismo governamental às redes de ensino. O primeiro artigo desse decreto definiu como “infração disciplinar” de professores, alunos e funcionários dos estabelecimentos de ensino público e particular: o aliciamento e incitamento à greve, o atentado contra pessoas, bens ou prédio, os atos destinados à organização de movimentos subversivos, o sequestro e o uso de estabelecimentos escolares para fins de subversão, entre outros (PILETTI, 1990, p. 115-116).
Uma das leis mais emblemáticas instituídas ao sistema de educação foi a de n° 5.692, de 1971. Romanelli (1996) comenta que a intenção desta lei, foi de criar uma maneira de formar estudantes, com o objetivo de, após qualificá-los, atender a necessidade latente do mercado de trabalho. Assim, cabia à escola promover conteúdos e métodos que possibilitassem além da cultura geral básica, também a educação para o trabalho e a educação de formas de relacionamento humano em que estivessem proscritos, “de uma vez por todas, seus aspectos autoritários e inibidores” (p. 237).
Como destaca Piletti (1990), nos currículos de 1º e 2º graus emergiu um núcleo comum obrigatório, integrado pelas disciplinas de Língua Portuguesa, Estudos Sociais, Matemática, Ciências, Educação Moral e Cívica (EMC), Educação Física, Educação Artística e Programas de Saúde (PILETTI, 1990, p.122). Em relação a esse núcleo comum e obrigatório, ele trouxe prejuízos para a educação, tais como: a abolição de algumas disciplinas escolares como a Sociologia, Filosofia e a Psicologia.
A imposição de poderes à instituição escolar tem como artifício instituir e delimitar os espaços, comportamentos, ideais. O modelo de ensino usado por uma instituição não são novos, originais, atuais ou criados para atender uma especifica realidade. Sob os modelos usados na instituição escolar, são verificáveis métodos, que são construídos de modo a formar uma teia de discursos e representações que reverberaram no produto final, o aluno.
Isto posto, queremos com esse trabalho mostrar que, mesmo sendo uma escola civil, o Colégio Estadual Marechal Rondon possui características militares em sua pedagogia, adjacentes, provavelmente, do período do Regime Militar, época onde a instituição mais cresceu e se tornou referência de ensino na cidade.
No Rondon, é notório o cultivo de atividades cívicas que são remanescentes do período militar, atividades essas que buscam, a nosso ver, cultivar o valor nacionalista. Nos dias que compreendem a Semana da Pátria, a escola cumpre um ritual de cantar os Hinos da Independência e o Nacional, onde os alunos, enfileirados por turma acompanham o hasteamento das bandeiras nacional, estadual e municipal. Após o ensejo, ocorre normalmente a leitura de uma mensagem, poema ou curiosidade sobre o assunto. Além disso, é também obrigação dos alunos (visto que há atribuição de nota) desfilar no dia do feriado de 07 de setembro, data em que tradicionalmente as escolas saem para desfilar e comemorar a Independência do Brasil e também fazer viver o sentido de patriotismo.
A instituição escolar se destaca pela demonstração da força de uma “tradição” iniciada no período da militarização que ainda faz viver não só o elemento de desfiles nas avenidas de forma sempre a colocar os alunos perfilados, uniformizados e sem bonés, na intenção de demonstrar respeito, mas também o elemento da fanfarra que desfila com tambores, batuques e zabumbas, aludindo às bandas marciais das Forças Armadas. No Marechal Rondon, o tema civismo tem sido prioridade para os professores que efetuam ações como a leitura dos hinos cívicos e pesquisas sobre os símbolos nacionais. É possível ainda identificamos o monitoramento dos alunos em pátios e corredores (agora feito por câmeras), a delimitação dos locais (carteiras) onde os alunos sentam-se na sala de aula, conhecido como “mapeamento de escolar”, além disso, há presença frequente de policiais militares na instituição.
No que tange à presença do policiamento no ambiente, cabe ressaltar a presença de duas moradias de policiais militares nas dependências da escola a fim de zelar pela segurança. Tais elementos são considerados como mecanismos de controle e porque são “um modelo de ensino” de fortes raízes militar e tradicional. No pátio, em grandes e desenhadas letras, podemos encontrar a letra do hino do colégio, o verde das paredes se faz forte e se torna vivo quando olhamos os alunos uniformizados impecavelmente, sem nenhuma exceção. O controle do bom andamento das aulas recebe incondicional atenção da equipe que está sempre em contato com os pais. Os inspetores de corredor são responsáveis em manter a ordem e coibir dispersões.
Ao considerarmos os métodos organizacionais, tendo como principais mecanismos de administração da instituição, regras tradicionais e conseguintemente não só para a administração da escola, mas também por necessidade, tendo em vista o precário repasse para inovar o ensino e buscar a inclusão de novas formas didáticas para o ensino bem como novas ferramentas para auxilio do professor em sala de aula, os principais descontentes com a falta de interesses são os alunos e alunas.
No decorrer desta pequena investigação, percebemos os efeitos que o político e o econômico do país incidem sobre a educação, deixando cicatrizes ainda visíveis. Controlar, instituir e delimitar podem ser consideradas como sendo palavras-chaves do período que compreendeu a ditadura militar. No entanto, foi neste contexto de autoritarismo em que a educação passou por um processo ímpar: a massificação da educação, o processo de ensino seriado, a divisão do ensino em médio e fundamental, além do forte controle por parte do governo. Nesta trama, muitas disciplinas foram prejudicadas como a História, Filosofia e Geografia, sendo reformuladas, comprimidas a fim de ceder espaço a outras novas disciplinas como “OSPB” e “Moral e Cívica”.
Ao passo em que o Brasil vivia os avanços de prosperidade econômica até então nunca visto, ocorrendo a imediata necessidade de formar técnicos para suprir a necessidade de operários que soubesse e fossem minimamente educados para o trabalho, vivíamos a era do tecnicismo.
Após o período da redemocratização, os ares educacionais tiveram outras atenções, mas agora com intuito de democratizar o processo de ensino e aprendizagem, visando buscar desenvolver a crítica, interpretações e debates, elementos de uma nova geração da educação iniciado no final do século XX e inicio do século XXI.
O grande desafio da educação brasileira se passa nesses limiares, na transição de uma educação em que visa entendimentos, interpretações dos sujeitos e não um ensino direcionado e tendencioso como era passado no período militar.
Conseguimos visualizar no Colégio Marechal Rondon os entraves em que muitas instituições brasileiras passam. Ao buscar promover a educação sem uma atualização estrutural, muitas vezes a instituição escolar acaba adotando métodos antigos, arcaicos a fim de promover o processo de ensino. Proibir o uso de aparelhos celulares na escola, delimitar o espaço do aluno, vigiar, uniformizar e criar um ambiente de poder a ser obedecido se faz presente na escola investigada, com a intenção de priorizar o processo de ensino, que como vimos não possui uma estrutura de ferramentas capaz de inovar, atrair e reter a atenção da nova juventude.
Portanto, escolas como a pesquisada usam de mecanismos remanescentes da ditadura a fim de controlar e promover a educação democrática e moderna, no entanto, essa modernidade é apenas de conteúdos, pois no que se refere à estrutura escolar, bem como todo aparado de ferramentas que auxiliam o professor no ensino, que fazem parte do mundo interativo que vivemos, não tem-se usufruto, pois os investimentos não são suficientes para reformular e atualizar os métodos de ensino, pois o que se percebe é a mudança dos alunos e a estagnação da estrutura escolar.

Referências bibliográficas
PILLETI, Nelson. História da Educação no Brasil. São Paulo: Editora Ática, 1990.
Projeto Político Pedagógico Colégio Estadual Marechal Rondon. Disponível em: http://www.cpmrondon.seed.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=26>. Acesso em 24 de setembro de 2015.
ROMANELLI, Otaízo de Oliveira. História da educação brasileira (1930-1973). 18. Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1996.
SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. História geral do.4. Ed. Rio de Janeiro, 1990. P.273-303.

11 comentários:

  1. Quais alternativas você apontaria para superar a herança ditatorial?
    Erick Vargas da Silva

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá, Erick. Obrigado pela pergunta.

      Em nossa opinião, é muito difícil superar por completo essa herança do regime militar, por diversos fatores. Primeiro: esse sistema de ensino, em que temos o civismo como norte, é aprovado quase que por unanimidade entre os pais e os professores. Ainda mais em uma cidade de pequeno porte, como é a cidade em que o colégio fica, onde encontramos muitos saudosistas do regime (por desconhecerem a sua real face). Outro fator é que o atual governo estadual, mantenedor da escola, incentiva e gratifica os diretores dos estabelecimentos a cultivarem esse método de pedagogia.
      Portanto, como alternativa principal para tentar suplantar essa herdade, seria a manutenção do ensino de história no currículo básico. A história tem função primordial na formação do cidadão, ao passo que só melhoramos nosso presente quando conhecemos nosso passado. Logo, se retirarmos a disciplina de história, os alunos nunca saberão o porquê das instituições estarem postas como estão. A história colabora na formação do pensamento crítico dos educandos, e, só assim, eles conseguirão discernir o que lhes é bom e o que lhes é dispensável.

      Atenciosamente, os autores.

      Excluir
    2. Atenciosamente, Pedro e Valdemir.

      Excluir
  2. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  3. quanto a questão do regime...creio que seja algo a ser trabalhado e mostrado aos alunos desde o ensino fundamental para maior compreensão dos mesmos pelo assunto tão delicado, em sua opinião o uso da parte mais FORTE dessa historia, ditadura e torturas é algo a ser levado a crianças do ensino fundamental sem nenhuma censura ou é algo a ser trabalhado de forma mais amena?

    Diógenes Ribeiro da Silva

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Bom dia!

      Bom, Diógenes, comungamos da seguinte opinião: todos os temas, até os ditos mais "polêmicos", ou "delicados", podem ser trabalhados no Ensino Fundamental, no entanto, o que devemos ter são métodos e táticas para adentrar nesses assuntos sem assustarmos os alunos(as) e desencadear neles uma euforia e mal entendidos.

      Sobre o tema mais FORTE, como assim coloca, é possível acessá-lo se utilizando de um eixo que pode ser adotado pelos professores e professoras, que é levar primeiro para a sala o conceito de violência e suas formas de manifestação, assim, com uma maior destreza e cuidado, se poderá adentrar ao assunto e passar o conteúdo sem criar uma atmosfera nebulosa e o melhor, conseguindo passar o conteúdo. E claro, nesses métodos e táticas, a seleção do material também é importante. Sugerimos a utilização de obras audiovisuais: há um sem número de músicas, filmes e documentários que tratam de todos os momentos do regime civil-miliar, desde o golpe, passando pelos chamados “anos de chumbo”, até o período da redemocratização, mas, é claro, desde que observada a classificação indicativa de idade dessas obras, e se fazendo todo o trabalho de contextualização, não exibindo a obra pura e simplesmente a fim de “ilustrar” o assunto.

      Esperamos poder ter ajudado.

      Obrigado por sua participação!

      Atenciosamente,

      Valdemir e Pedro

      Excluir
  4. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  5. Em sua visão, de que maneira as práticas cívicas deveriam ser ministradas, sem que isso represente uma herança da Ditadura Militar?
    Vânia Farias Ferreira

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Boa noite!
      Vânia, sobre como trabalharmos as práticas cívicas, em nossa perspectiva, o culto dessas práticas e o seguimento destas, da mesma forma ou se aproximando do que era cultivada no referido período da intervenção é uma maneira de perpetuar está herança. Aqui cabe uma diferenciação importante, o culto de cantar o hino nacional é uma cerimonia que nos remete ao período, mas que somente esta tem a intenção apenas de preservar o sentimento de nacionalismo. No colégio Marechal Rondon, o que nos saltou os olhos é mais do que um simples entoar o hina nacional, mas os mecanismos de ainda possuir inspetor de corredor, um forte policiamento constante, câmeras de monitoramento, mapa de sala e o seguimento rígido dos uniformes, assim percebemos como um complexo de mecanismos de controle.
      Sobre a intenção de qualquer cerimonial não transparecer uma herança do regime civil-militar, se nós enquanto profissionais da educação tentarmos fazer isso, estaríamos cometendo um erro, pois é uma herança do período que ainda está viva, nós querendo ou não. O que devemos preservar disso tudo são as coisas boas como prestar homenagem ao simbolo de nossa pátria (como cantar o hino nacional), e sobre os extremismo que era realizado, cabe nós historiadores(as) utilizar como ponto reflexivo e não apagar ou ignorar.

      Excluir
  6. Boa tarde,
    Achei muito interessante a descrição dos métodos utilizados nesta escola. Gostaria que dissessem se vocês levaram este texto ao conhecimento da gestão e do corpo docente da escola e, se levaram, como foram recebidos?
    Gostaria que respondessem também: desde quando funciona esta escola estadual e se na opinião de vocês estas continuidades sócio pedagógicas são possíveis pela ênfase dada, neste caso, ao ensino, ao invés da aprendizagem?

    Kelly Gomes dos Santos

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Boa noite,

      Nós, autores deste trabalho, estudamos e realizamos o estágio na referida instituição, assim sendo ambos conhecidos pela direção, foi mais fácil o acesso. Durante o estágio de um de nós autores, Valdemir, realizou uma entrevista com a diretora, na qual deixou-se claro para a entrevistada, o que estava sendo notado. A mesma não esboçou nenhuma reação de surpresa ou desaprovação. A instituição como um todo não sabe, mas apenas uma professora e alguns professores da universidade tiveram acesso ao nosso trabalho.
      O Complexo Escolar Marechal Rondon foi criado pelo decreto n. 5340 de 08 de agosto de 1978. O nome da instituição, homenagem ao militar homônimo, foi definido na década de 1950, portanto, antes do Golpe Militar.
      O Grupo Escolar Marechal Rondon integrou-se na reforma de ensino nos moldes da Lei n. 5.692 de 1° de agosto de 1971, recebendo autorização para implantação, de conformidade com o parecer n. 062/75 e aprovação pelo Decreto n. 2.129 de 09 de dezembro de 1977, e reconhecimento do curso de 1° Grau – Regular na Escola “Marechal Rondon”, e, depois, Ensino de 1° Grau pela Resolução de 17 de março de 1982.
      Sobre o ensino e a aprendizagem, não nos ativemos efetivamente nesta questão, somente no que tange à disciplina dos alunos e utilização de mecanismos remanescentes do período da intervenção civil-militar.

      Cordialmente,

      Pedro e Valdemir

      Excluir

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.