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Olga Suely

PATRIMÔNIO LOCAL: OS BENS URBANOS COMO TEMA PARA A FORMAÇÃO CIDADÃ NO ENSINO DE HISTÓRIA
Olga Suely Teixeira
Mestranda em História UFRN

O objetivo deste texto é apresentar algumas reflexões pautadas nas leituras da Disciplina Educação Patrimonial e Ensino de História, ministrada no Mestrado Profissional em Ensino de História - na qual foram pensadas variadas formas de promover, a partir do Ensino de História, a formação cidadã dos alunos brasileiros.
Em conformidade com o preconizado pela legislação educacional no que se refere à construção da cidadania, trabalhar a partir de questões ligadas ao Patrimônio Cultural pode auxiliar professores e alunos no alcance dos objetivos do ensino de História no que se refere a essa construção (para maiores informações sobre os objetivos do Ensino de História consultar BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: História / Secretaria de Educação Fundamental – Brasília: MEC/SEF, 1998.)
Considerando que formar um cidadão consciente, crítico e participativo como o descrito na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9394/1996) em seu Título II, Art. 2º - preparado “[...] para o exercício da cidadania” - requer oportunizar ao estudante se reconhecer como sujeito ativo na elaboração da realidade social onde irá atuar, há que se pensar em metodologias facilitadoras deste processo.
Nesse sentido, pensar a cidade como tema de educação patrimonial é oferecer aos educandos a maior proximidade possível com o “ser sujeito da História”; por que o cidadão deve conhecer o que lhe pertence para que possa entender o que sua comunidade oferece, valorizar e ter despertado o sentimento de pertença com tal realidade – o que fará com que a preservação seja vista como algo necessário e natural.
Esclarecendo que a Educação Patrimonial constitui-se “em uma metodologia voltada para o processo sistemático de trabalho educativo, que tem por partida e centro o patrimônio cultural em todas as suas manifestações” (SCHIAVON; TORRES, 2015, p. 520), cabe ressaltar que ao sugerir o uso dessa metodologia está sendo considerado também o ordenamento jurídico das questões ligadas ao Patrimônio Cultural Brasileiro e as ações das instituições gestoras desse, uma vez que, de acordo com  a Dra. Inês Virgínia Prado Soares (2009),
[...] para impulsionar a aparição de novos atores culturais é necessário que os governos nutram um interesse crescente da sociedade pelo desenvolvimento cultural, ao mesmo tempo que proporcionem condições favoráveis para atuação desses atores. (SOARES, 2009, p. 102)
Ainda continuando o raciocínio da autora, observa-se que “nessa estrutura legal, as funções do patrimônio devem ser garantidas e implementadas pelo poder público, que contará com a sociedade no desempenho dessa tarefa” (SOARES, 2009, p. 102).
Para tanto, onde a atuação da sociedade pode ser mais eficaz do que nas salas de aula, prioritariamente da educação básica?
Tomando por base todos os argumentos já apresentados em relação à construção da cidadania do aluno, apresentar ao mesmo o patrimônio de sua comunidade é formar o cidadão consciente, crítico e atuante na sociedade, respondendo aos rumos desejados pela educação nacional.
 Nessa reflexão, compreende-se que estudar um bem cultural urbano, na perspectiva de demonstrar para o aluno a pertinência de relações entre este e a sua própria história, assegura aos alunos a obtenção de conhecimentos acerca da história local, regional e geral. Além disso, se torna possível instrumentalizá-lo para que ele possa “debater questões relativas à preservação/modernização de uma região, além de refletir sobre planejamento urbano” (Nova Escola, 2016).
Torna-se necessário observar que a metodologia aqui discutida surgiu a partir das lacunas observadas no tocante ao ensino de história local nas escolas da cidade de Natal/RN, havendo uma concordância com as ideias do arquiteto Haroldo Gallo (2006) quando afirma que
De nada adianta conservar aquilo sobre o que não se tem memória. E para que haja memória de alguma coisa é preciso que haja recordação no sentido literal do termo, sentido esse que abrange o conhecimento e apropriação de algo sobre o que se tem sentimento. Sem sentimento não há reconhecimento de algo como parte integrante e essencial a nós. [...] e a noção de preservação fundamenta-se na constituição da memória [...] (GALLO, 2006, p. 98).
Assim, as lacunas identificadas nesta área do ensino de História concorrem para consequências graves na formação do cidadão, pois como valorizar/preservar o que não se conhece? Trabalhar a história local a partir da educação patrimonial aparece como um meio lógico de minimizar tais pontos negativos.
A opção pela metodologia da educação patrimonial se dá por entender que o ensino de história, em vários momentos, acontece como se o que estivesse sendo ensinado fosse algo para além da realidade dos alunos. Nesse sentido, adotar a cidade e seus bens culturais como ponto de partida para a construção do conhecimento pode fazer uma enorme diferença para os estudantes. E para os professores, uma vez que ao relacionar essa metodologia com os conteúdos canônicos, otimiza o  seu trabalho em relação a cumprimento de calendários e prazos das instituições escolares.
Assim, faz sentido o professor trabalhar com questões ligadas ao patrimônio – mesmo que instituído por determinado grupo - oportunizando reflexões, questionamentos, reconstruções e ressignificações de temas já tidos como prontos e imutáveis. Sobre isso, Viana e Mello (2013, p. 52), corroboram o raciocínio dizendo que “O patrimônio possui forte potencial para atribuição de identidades, sejam elas individuais, coletivas, nacionais, étnicas, de gênero, entre outras”.
Ainda, utilizar a cidade como tema de educação patrimonial é relevante porque o patrimônio cultural ali existente tem papel ativo nas questões de inclusão/exclusão social, em relação à “problemática da identidade, da memória ou da cidadania” (MENEZES, 2006, p. 47).
Observando as questões relativas ao ordenamento jurídico, o aluno também perceberá que ao se trabalhar com um bem cultural urbano, passa-se a “considerar o espaço físico onde se encontra [...] como fator importante para sua tutela e sua gestão” (SOARES, 2009, p. 89), pois estes bens “[...] estão envolvidos por uma enorme e complexa rede de interesses sociais, econômicos, culturais e políticos [...]”, conforme Soares (2009, p. 90).
Sendo assim, é urgente a aplicação de tal metodologia em nossas salas de aula da educação básica, pois respeitados os devidos limites de sua maturidade cognitiva, os estudantes, desde muito cedo, poderão se apropriar de sua história, de seus direitos de praticar e usufruir a cidade não só como locus de existência, mas também de sobrevivência e formação identitária, pois como está posto em Soares (2009):
A função de servir à memória coletiva está prevista na Constituição, na indicação, como patrimônio cultural brasileiro, das formas de expressão e dos modos de criar, fazer, viver, bem como das obras, documentos, edificações e demais espaços [...] (SOARES, 2009, p. 99)
A questão é que o cumprimento dessa função está atrelado à existência de políticas e ações afirmativas destinadas aos mais variados grupos da população brasileira.
Há, ainda, a necessidade de se oferecer uma educação em valores, o que implica apresentar, aos alunos, o patrimônio enquanto contribuição de um grupo social para os demais, desenvolvendo, dessa forma, a capacidade de se relacionar com a diversidade cultural através de lentes positivas; assim, reduz-se as possibilidades de desrespeito em todas as suas formas, desigualdades em quaisquer que sejam os aspectos.
A Educação, enquanto direito social estará sendo fortalecida a partir do trabalho com a educação patrimonial, tornando, consequentemente, a sociedade brasileira mais igualitária, justa e pacífica.

Referências
BRASIL, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei n. 9394 de 20 de Dezembro de 1996.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: História / Secretaria de Educação Fundamental – Brasília: MEC/SEF, 1998.
GALLO, Haroldo. Arqueologia, arquitetura e cidade: a preservação entre a identidade e a autenticidade. In: Patrimônio: atualizando o debate. São Paulo: 9º SR/IPHAN, 2006.
MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. A cidade como bem cultural: áreas envoltórias e outros dilemas, equívocos e alcance da preservação do patrimônio ambiental urbano. In: Patrimônio: atualizando o debate. São Paulo: 9º SR/SPHAN, 2006.
SOARES, Inês Virgínia Prado. Direito ao (do) Patrimônio Cultural Brasileiro. Belo Horizonte: Fórum, 2009.
SCHIAVON, Carmem Burguet; TORRES, Tatiana Carrilho Pastorini. Educação Patrimonial: a cidade como recurso para o ensino de História. Revista do Lhiste, Porto Alegre, num. 3, vol. 3, jul/dez 2015.
VIANA, Iamara da Silva; MELLO, Juçara da Silva Barbosa de. Educação Patrimonial e Ensino de História: Diálogos. Encontros. Ano 11. n. 20. 1º Semestre de 2013.

Sites Consultados
Nova Escola.
http://acervo.novaescola.org.br/formacao/formacao-continuada/hora-valorizar-nosso-patrimonio-cultural-584455.shtml. Acesso em 05 de Novembro de 2016.

10 comentários:

  1. Prezada Olga Suely Teixeira;

    Seu artigo traz discussões atualizadas e pertinentes para os professores de História que vêem na questão patrimonial caminhos para a construção consistente do conhecimento histórico escolar: problematizar esses bens culturais, percebendo os sujeitos incluídos e os excluídos na sua representação; visualizar as questões locais como possíveis de serem trabalhadas em diálogo com os conteúdos canônicos de maneira crítica; perceber os aspectos legais que institucionalizam, mantém e indicam a fruição desses espaços à sociedade. Todos esses pontos você aborda com clareza em seu texto e sim, traz a perspectiva de que é possível buscarmos discutir com nossos alunos e alunas os significados do discurso de ser cidadão.

    Gostaria que você comentasse um pouco mais sobre como você compreende que podemos relacionar a história local com a história geral, dito de outra maneira, como nossos alunos ao conhecerem melhor a história do lugar em que vivem, nesse diálogo com os bens materiais, podem conhecer mais sobre a história canônica.

    Desde já agradeço a resposta e mais uma vez parabenizo-te pelo esclarecedor e inspirador artigo.

    Cicera Tamara Graciano Leal da Silva Fernandes

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    1. Bom Dia, Cícera Tamara!
      Minhas observações se dirigem prioritariamente às turmas dos Anos Iniciais, pois tenho observado que as tentativas de ensinar História para este público são desconectadas do mundo ao qual os alunos operam suas ações cotidianas.
      Este diálogo com os bens materiais que lhes são bem próximos imprime um caráter de significância ao que estarão vendo em sala de aula; imagine um aluno do quinto ano, na Cidade de Natal/RN que começa a ver a História do Brasil a partir da chegada dos portugueses.
      No mínimo, vai pensar: e o que eu e minha família temos a ver com isso?
      A ideia que apresento no texto é iniciar este conteúdo canônico pela apresentação da Fortaleza dos Reis Magos, marco fundador da cidade - geralmente desconhecido dos alunos -, bem material patrimonial tombado, oportunizando que o aluno internalize a importância do seu lugar de vivências na tessitura dos acontecimentos históricos globais a partir da problematização gerada: o que é a Fortaleza? Por que ela está ali? Para que serviu à época de sua construção? Qual a sua história ao longo do tempo?
      É uma metodologia que coloca o aluno no centro dos acontecimentos, logo o faz sentir-se sujeito construtor da História.
      Dessa forma, penso que se está formando um cidadão: pessoa esclarecida, ciente da relevância de suas ações no mundo.
      Obrigada pela oportunidade de debater minhas ideias; espero ter respondido com um mínimo de clareza às suas questões.

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  2. Prezada, Olga.

    Duas perguntas.
    1 - Qual a importância do prof-historia (mestrado profissional) na sua formação?
    2 - Vc poderia usar um exemplo da sua cidade para exemplificar o seu argumento.

    Gostei do seu texto e me interesso pelo tema.

    Parabéns.

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    1. José Lúcio, boa noite!

      O ProfHistória se apresentou como uma via formativa na qual posso desenvolver meus questionamentos em relação ao Ensino de História, pois tenho observado algumas lacunas e procedimentos não eficazes - diria até traumáticos - que me inquietam bastante, porém antes do Mestrado Profissional não imaginava como trazer a público estas questões e/ou buscar meios de solucioná-las.

      Em relação a exemplificar meu argumento de forma local, trabalho sempre com as possibilidades pedagógicas ligadas à Fortaleza dos Reis Magos, uma vez que a maioria dos meus alunos sequer sabe de sua existência na nossa cidade e os livros de História do Rio Grande do Norte já iniciam mostrando a Fortaleza como um marco da colonização portuguesa da capitania, que hoje é patrimônio cultural. Isso aparece de forma acabada para crianças que não tem nenhum conhecimento prévio dos temas e conceitos envolvidos ali.
      Dessa forma, sugiro construir o conhecimento histórico a partir de um bem patrimonial local (a Fortaleza), mediante a apresentação da mesma em um contexto mais amplo. Penso que assim, a criança vai entendendo o processo a partir de si mesma, o que facilita a noção de que ela também é participante desse processo desenvolvido ao longo do tempo. O aluno se identifica com os acontecimentos, com a evolução na história da Fortaleza e da cidade em seu entorno.

      Vejo nesse percurso, que envolve pesquisas bibliográficas, aulas de campo e algumas outras metodologias, uma forma de despertar o interesse e o encantamento do aluno pela aula de História, uma vez que estarão realmente descobrindo algo e não aceitando simplesmente a versão que já foi contada.

      Espero ter conseguido organizar as ideias direitinho e te agradeço pelo momento de partilha e reflexão.

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  3. O tema é realmente interessante, trabalhar o ensino de história com foco nos bens patrimoniais locais, pode ser realmente um caminho par se pensar o ensino de historia e para se criar um gosto maior pela mesma por parte dos alunos. Há realmente alunos que não conhecem os bens do patrimônio histórico da sua própria cidade, como é o nosso caso com alguns alunos das escolas de Diamantina- MG, e por isto não se importam muito com o destino e a preservação do mesmo, portanto desenvolver este interesse por uma ensino que abranja a história local é compreender que isto é importante para a formação dos alunos, porque eles estão inseridos neste ambiente, e devem aprender a cuidar dos bens culturais de sua própria comunidade. A sensação de pertencimento, a ideia de que deve cuidar do patrimônio é extremamente importante para se preservar estes bens, desenvolver eta ideia como meio de ensinar história e criar uma consciência de preservação nos alunos é realmente interessante e necessário.

    Túlio Henrique Pinheiro

    Parabéns.

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    1. Bom Dia, Túlio Henrique!
      Me sinto muito feliz por saber que outros profissionais se interessam por estratégias que sensibilizem as novas gerações em relação ao legado que nos foi deixado pelo passar dos anos.
      Penso que ao expor nossas ideias, compartilhando-as com os colegas profissionais de ensino, acabaremos por achar vias muito promissoras para colocar em marcha um viés de educação realmente significativa para os nossos alunos.

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  4. Olga Suely, boa noite! Acabei de ler o seu texto. Gostei muito! Acredito que você consegue cumprir com os objetivos que você se propõe sim, mesmo que de forma sucinta, até porque o formato de publicação e a dinamicidade deste simpósio exige para que sejamos diretos. A problemática entre ensino de história x cidade na condição de patrimônio x memória x formação cidadã está muito clara. Parabenizo também pelas respostas dadas aos questionamentos, auxiliam e contribuem para o entendimento do texto. Parabéns!

    Jefferson Pereira da Silva-UFRN

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    1. Bom Dia, Jefferson!
      Muitíssimo obrigada, é muito importante contar com a análise dos companheiros de área para melhorar sempre as nossas discussões.
      De fato, este modelo de evento é novidade para mim e tentar condensar o pensamento é um grande desafio!
      Sempre às ordens para discutirmos sobre o tema,

      Olga Suely Teixeira

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  5. Julio Junior Moresco7 de abril de 2017 às 13:26

    Boa Tarde!
    Texto interessante pois busca aproximar a disciplina de História com o Patrimônio local. Isso proporciona condições para pensar as demandas patrimoniais existentes e também aquelas que foram excluídas por alguma razão.
    A necessidade de valorizar o Patrimônio local é requisito para resgatar a História do estudante, que com isso consegue se aproximar mais da disciplina e significá-la. Como podemos então estudar e preservar esses espaços, considerando a necessidade do próprio aluno?

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  6. Julio Junior Moresco7 de abril de 2017 às 13:32

    Boa Tarde!
    Texto interessante pois busca aproximar a disciplina de História com o Patrimônio local. Isso proporciona condições para pensar as demandas patrimoniais existentes e também aquelas que foram excluídas por alguma razão.
    A necessidade de valorizar o Patrimônio local é requisito para resgatar a História do estudante, que com isso consegue se aproximar mais da disciplina e significá-la. Como podemos então estudar e preservar esses espaços, considerando a necessidade do próprio aluno?

    Julio Junior Moresco

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