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Matheus Sussai

IDEIAS DE HISTÓRIA QUE CIRCULAM NO CIBERESPAÇO: APONTAMENTOS INICIAIS
Matheus Henrique Marques Sussai
Prof. Mnt. História Social UEL

Nos últimos anos, as redes sociais online como o Facebook, o Twitter, o MySpace, entre outros, ganharam repercussão em assuntos sobre a política contemporânea brasileira. Isso se deu devido a uma quantidade significativa de páginas criadas nessas redes sociais que se destinaram a discutir o contexto histórico contemporâneo brasileiro, tomando as mais diversas posições do âmbito político, desde a extrema esquerda até a extrema direita.
A partir das discussões de Dilton Ribeiro do Couto Júnior (2013), vemos como os usuários dessas redes sociais ganharam espaço para produzir informações, e não apenas receber e divulgar as mesmas. Isso é uma das principais características da web 2.0, a internet como a conhecemos hoje, na qual todo usuário pode produzir informações, não havendo o monopólio desta, o que faz com que cada pessoa seja um ator em rede, um web ator (PISANI; PIOTET, 2010, p. 119). Com o surgimento de páginas que se destinaram a discutir política, notamos muitos usuários se formando politicamente e historicamente através dos conteúdos publicados no ambiente virtual, no ciberespaço. Como nos lembra Jörn Rüsen (2007): “[...] os processos de aprendizado histórico não ocorrem apenas no ensino de história, mas nos mais diversos e complexos contextos da vida concreta dos aprendizes [...]” (p. 91). Por que então, não poderíamos considerar a internet, a web 2.0, como um local propício para a elaboração do conhecimento histórico? É o que pretendemos fazer neste estudo, tomar a internet como um acervo para o historiador, na qual muitos jovens e adultos se formam politicamente, levando suas ideias para dentro da sala de aula.
Por isso, podemos tomar a internet como uma “[...] nova categoria de fontes documentais para pesquisas históricas” (ALMEIDA, 2011, p. 09), na qual, devido ao seu caráter movediço, o historiador só tem acesso a essa fonte em uma restrita janela temporal. Isso ocorre porque “o texto eletrônico, tal qual o conhecemos, é um texto móvel, maleável, aberto. O leitor pode intervir em seu próprio conteúdo, [...] deslocar, recortar, estender, recompor as unidades textuais das quais se apodera” (CHARTIER, 2002, p. 25).
Toda essa breve apresentação se fez necessária para dizer que essas páginas do Facebook, que pretendemos investigar enquanto documentos históricos, difundem opiniões que defendem uma “direita” política, mesmo sendo consideradas por muitos uma opinião de senso comum. E por isso, acabam utilizando ideias de história que não circulam no ambiente acadêmico. Ou seja, é um argumento com referencial histórico (geralmente temas como “ditadura militar”, “regimes totalitários”, “fascismo”, “comunismo”, entre outros), que não foram produzidos dentro do ambiente escolar ou científico. Ainda assim, são noções de história que circulam no ciberespaço, no qual muitas pessoas se informam e se formam a partir delas. Curtindo, compartilhando e debatendo, os usuários dessas páginas do Facebookse interagem em um novo tipo de cultura que é denominada de “cibercultura”, formando opiniões e elaborando versões de história.
Pierre Lévy (1999) entende por cibercultura “[...] o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço” (p. 17). Os seres humanos são parte fundamental dessa cultura, afinal, sem eles, ela não existiria. E por isso é possível o estudo das redes sociais online, ou melhor, das informações presentes no ciberespaço, como objeto da História. Afinal, como nos ensina Marc Bloch (2001): “[...] o objeto da história é, por natureza, o homem. Digamos melhor: os homens.” O bom historiador, “onde fareja carne humana, sabe que ali está a sua caça” (p. 54).
Diante dessas páginas do Facebook que se denominam como defensoras de uma direita política, nas quais os seus administradores argumentam os mais variados temas da história e da política nacional, surgiu o interesse em investigar essas noções de história a partir da perspectiva da Didática da História, discutida por Klaus Bergmann (1989/1990):
A Didática da História é a disciplina científica que investiga sistematicamente os processos de ensino e aprendizagem de História, que são processos de formação de indivíduos, grupos e sociedades. [...] Informações históricas são assimiladas a partir da: a) história vivida e experimentada no seu devir de todos os dias; b) história não experimentada nem vivida imediatamente, ou seja, transmitida, cientificamente ou não; c) história apresentada pela Ciência Histórica como disciplina específica [...]. A partir dessas intenções, a didática se vê obrigada a incluir nos objetos de sua pesquisa empírica também as recepções extra-escolares de História. Dessa forma, ela não apenas tematiza a História regulada e disciplinada pela ciência e pelo ensino mas também abarca a História transmitida no processo de socialização, que não é filtrada por nenhuma disciplina científica. [...] investiga o significado e a importância do mundo do vivido fora das instituições científicas e escolares [...] (p. 30-32).
Vemos como a Didática da História também se interessa pelas formas de elaboração da história que se inserem em socializações e ambientes extraescolares, e também não acadêmicos. Por isso, surgiu o interesse de investigar essas noções de História que circulam na História Pública, na qual muitos jovens estão se formando e levando essas ideias para dentro de sala de aula. Por entendermos que a cibercultura, essas redes sociais online, e as comunidades virtuais compõem a cultura histórica do momento, pretendemos investigar quais as ideias de história que mais circulam nessas páginas do Facebook; qual História está sendo mais aprendida; pois, ao sabermos as ideias de história que circulam no ciberespaço, e nas quais os alunos estão imersos e presentes em suas elaborações, pretendemos colaborar com os professores de história a lidar de uma melhor forma em sala de aula.
O historiador Jurandir Malerba (2016) nos atenta para a expansão vertiginosa do público consumidor de história nos últimos anos. O autor ainda diz que: “A história não mais [...] se produz somente na academia; muito menos se veicula apenas por meio do livro impresso. As plataformas digitais subverteram as bases da produção e circulação das narrativas sobre o passado.” (MALERBA, 2016, p. 11). Nessas bases digitais, qualquer pessoa pode colaborar na compreensão sobre o passado, e também nos usos deste. Os jovens chegam às salas de aula com ideias que possivelmente possam ter sido elaboradas e discutidas dentro dessas comunidades virtuais, e cabe aos pesquisadores da História se interessar sobre essa nova fonte que se coloca no ciberespaço.
Temos um crescimento no campo da História Pública, que ainda tem muito que ser discutida, mas neste campo podemos perceber uma:
[...] recente explosão ruidosa de formas populares de apresentação do passado. Esses mesmos fenômenos acontecem em maior ou menor medida no Brasil: constata-se uma sensível demanda social por história nos mais diversos espaços de formação de opinião fora das universidades, novos lugares de exercício da profissão, uma demanda crescente de consumo popular de história [...] (MALERBA, 2014, p. 32).
Ao falar de uma demanda social por história, Jurandir Malerba também está discutindo o ofício do historiador, ao dizer que este precisa tomar as plataformas digitais como um local de trabalho, de ensino de História. O que mais nos interessa aqui é a atenção que o autor dá para as plataformas digitais e as elaborações de história nesse ambiente. A academia não é mais o único lugar onde a História é produzida. Claro que sem o rigor científico, mas ainda assim, circulam versões de história que interessaram a nós enquanto pesquisa visando uma colaboração ao campo da História e Ensino.

Referências
ALMEIDA, Fábio Chang de. O historiador e as fontes digitais: uma visão acerca da internet como fonte primária para pesquisas históricas. Revista do corpo discente do PPG-História da UFRGS, v. 3, n. 8, janeiro/junho. 2011, p. 09-30.
BERGMANN, Klaus. A História na reflexão didática. Revista Brasileira de História. v.9, n.19, set.89/fev.90, p. 29-42.
BLOCH, Marc. Apologia da história, ou, O ofício de historiador. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.
CHARTIER, Roger. Os desafios da escrita. Trad. Fúlvia M. L. Moretto. São Paulo: Editora UNESP, 2002.
COUTO JUNIOR, Dalton Ribeiro do. Cibercultura, Juventude e Alteridade: aprendendo-ensinando com o outro no Facebook. Jundiaí, Paco Editorial: 2013.
LÉVY, Pierre. Cibercultura. Trad. Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Ed. 34, 1999.
MALERBA, Jurandir. Acadêmicos na berlinda ou como cada um escreve a história: uma reflexão sobre o embate entre historiadores acadêmicos e não acadêmicos no Brasil à luz dos debates sobre a Public History. História da Historiografia, v. 15, p. 27-50, 2014.
______. Os historiadores e seus públicos: Desafios ao conhecimento histórico na era digital. Texto de Divulgação. 2016. Disponível em: <https://www.academia.edu/27247441/Os_historiadores_e_seus_p%C3%BAblicos_Desafios_ao_conhecimento_hist%C3%B3rico_na_era_digital>. Acesso em 02 de outubro de 2016.
PISANI, Francis; PIOTET, Dominique. Como a web transforma o mundo. A alquimia das multidões. Trad. Gian Bruno Grosso. São Paulo: Editora SENAC, 2010.
RÜSEN, Jörn. História viva. Teoria da História III: formas e funções do conhecimento histórico. Trad. Estevão de Rezende Martins. Editora Universidade de Brasília: Brasília, 2007.




13 comentários:

  1. Olá Matheus, tudo bem?
    Você vai trabalhar com as questões da Digital History na sua pesquisa? Não sei se você já viu esse trabalho, mas acho bem interessante: http://chnm.gmu.edu/digitalhistory/
    Abraço e até semana que vem na aula do Ronaldo e da Márcia!

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  2. Olá, Rui. Tudo certo, e contigo?
    Pretendo utilizar das discussões da Digital History sim. Não conhecia este livro, obrigado pela indicação.
    Um grande abraço, até!

    Matheus H. M. Sussai

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  3. Professor, bom dia!
    minha maior dúvida a este respeito é, se todos as pessoas podem fazer história, escrevê-la e comentá-la não seria o fim dela? tenho ficado estarrecida com o aumento de ideias totalitárias com "respaldo histórico" como o exemplo clássico cito o meme de Hitler se dizendo comunista ou socialista que muita gente acabou "comprando" esta ideia. Claro que a História é ativa, "um organismo vivo" " ela se reinventa, mas será que não se sucumbirá à "cultura globalizada"? ou seja, contar apenas o que "se quer" contar? obrigada.

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  4. Bom dia, Rossiley!
    Muito interessante a sua colocação, obrigado perla colaboração. Bom, o que posso dizer, é que não são todas as pessoas que fazem história. Mesmo com esse aumento da circulação de ideias históricas, que muitas vezes não são feitas por historiadores, a História como forma de conhecimento que usa de métodos científicos não é isso que circula muitas vezes nas redes sociais. Hoje, como nos mostra Pierre Lévy, temos um espaço mais propício para uma "construção autônoma de sentidos", e vemos isso nos usos do passado que algumas páginas se objetivam a fazer. Mas sem o rigor histórico, a metodologia específica da operação historiográfica, esses usos do passado não necessariamente se definem enquanto conteúdo histórico. Não acredito que a História vá sucumbir à uma relativização da interpretação, mas existe uma guerra na História Pública hoje, como aponta o historiador Jurandir Malerba, na qual o ofício do historiador precisa se destinar a atuar no ambiente online. Pois, segundo Malerba, estamos perdendo essa "guerra" da informação, para pessoas/páginas/grupos que se destinam a disseminar ideias com sentido histórico que não foram produzidas por historiadores, sendo algumas delas um tanto perigosas, como você bem disse em relação ao totalitarismo. Nas minhas pesquisas pude perceber uma disseminação significante de ódio em algumas do Facebook que se utilizam de ideias históricas (mas não de História).
    Como você bem disse, a História é "ativa", e nós precisamos pensar e repensar o nosso ofício para não perdermos essa disputa na História Pública, para que não "se conte apenas o que se quer contar".
    Achei o seu ponto muito interessante, agradeço mesmo a pergunta.
    Espero ter esclarecido, mas caso eu não tenha sido claro, por favor, estou à disposição para continuarmos o debate.

    Um grande abraço!

    Matheus H. M. Sussai

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    1. boa noite, professor! em primeiro lugar agradeço a resposta. Sim, gostei muito de seu esclarecimento. Há muito tempo tenho acompanhado o Facebook de perto, assino algumas páginas que me ajudam muito: a da professora Joelza Ester Domingues, Café História, História e Historicidades, Mary Del Priore e outras que me ajudaram, inclusive, em meus estudos. Acompanho também outras páginas que visivelmente, querem desviar a "verdade histórica" como o MBL que por fim acabamos de saber que fazem campanha para o "escola sem partido", é interessante que mesmo com argumentos e documentos a nosso favor estas pessoas estão ao que parece "hipnotizadas" pela explicação fácil e mentirosa sobre o fato histórico, alguns eu descobri e que eles propagam, é pura fantasia. Acho uma pena, mas acredito que para aqui em diante o trabalho do historiador sério será muito árduo mesmo.
      Vou procurar Jurandir Malerba que confesso e falha minha, não conheço. Se o senhor puder me orientar em alguns títulos eu agradeço bastante, obrigada!

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    2. Boa noite, Rossiley! Opa, com toda certeza, voou lhe passar algumas referências (também tem mais no fina do texto). E sim, concordo com você, temos que ficar atentos para esses grupos que se posicionam em uma extrema direita e disseminam ideias um tanto perigosas de História, ou melhor, ideias que se utilizam de uma carga histórica, mas que não foi produzida por historiadores.

      Do Jurandir Malerba, dois textos bem legais sobre essas discussões (um deles tem o link para acesso):

      1) MALERBA, Jurandir. Acadêmicos na berlinda ou como cada um escreve a história: uma reflexão sobre o embate entre historiadores acadêmicos e não acadêmicos no Brasil à luz dos debates sobre a Public History. História da Historiografia, v. 15, p. 27-50, 2014.

      2) MALERBA, Jurandir. Os historiadores e seus públicos: Desafios ao conhecimento histórico na era digital. Texto de Divulgação. 2016. Disponível em: . Acesso em 02 de outubro de 2016.

      3) Uma historiadora chamada Anita Lucchesi também possui alguns textos que permeiam essa discussão da História Púlica, e também sobre o ciberespaço.

      4) Acho que Pierre Lévy e Manuel Castells são indispensáveis quando o assunto é o ambiente virtual, caso seja de seu interesse também.

      Enfim, sobre o grupo que você disse, o "MBL - Movimento Brasil Livre", é uma das minhas fontes de estudo do mestrado. E realmente, tem toda a razão quando diz que as pessoas consomem a informação passada por eles na maioria das vezes sem criticidade alguma. Parecem que os lados já estão dados, e cada um tem que escolher o seu. Momento triste, mas enfim, espero ter ajudado.

      Um grande abraço!

      Matheus H. M. Sussai

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    3. Rossiley, o link do texto do Jurandir Malerba não se fixa aqui na caixa de comentário. Mas se você digitar os títulos que lhe passei no Google, com certeza vai conseguir o acesso aos artigos, ok?

      Até mais,

      Matheus

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  5. ah sim, a professora Anita Lucchesi tenho acompanhado de perto, abraço!

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    1. Ah, que bacana! Beleza então, grande abraço!

      Matheus

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  6. Boa noite professor!
    Primeiramente gostaria de parabenizar o texto, pois é um tema extremamente atual, e ao meu ver, ainda pouco debatido. Queria saber sua opinião sobre a falta de uma crítica mais minuciosa da fonte por parte do usuário antes de reproduzir uma informação falsa ou inconsistente.

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    1. Olá, Ramon, boa noite!
      Agradeço pelas palavras, e pela pergunta, que é muito relevante em relação ao tema.
      Os usuários das redes sociais online são pessoas plurais, com múltiplos modos de vida, sendo difícil dissertar sobre isso. Mas, no ponto que toca aqueles que reproduzem um discurso de ódio, por exemplo, ou uma informação de cunho histórico que a historiografia considera falsa, temos também várias respostas. Temos pessoas que por interesse político próprio, para defender seus privilégios, acabam disseminando uma informação de história extraescolar (e não científica) que defenda a sua visão de mundo, mesmo que isso resulte de uma visão preconceituosa. Mas também temos aquelas pessoas que buscam informações nas redes sociais online, pois como sabemos, mesmo sendo fácil o acesso da maioria dos jornais pela web, ainda assim, a maioria da informação é veiculada e LIDA nas redes sociais online. Ou seja, um veículo de notícia que agrupa para o usuário as publicações que mais interessam o internauta (a partir dos likes, das páginas que segue, dos grupos que participa, dos políticos que curte, por exemplo). É uma informação que vem de forma mais fácil, e dentro de uma bolha social criada pelo interesse do usuário, o que faz com que ele leia apenas aquele tipo de informação, e quando se depara com outra, não concorda.
      São duas respostas diferentes e que não dão conta do todo da internet. Mas cabe dizer também existe uma parcela de culpa por parte dos historiadores. Hoje existem discussões sobre a presença de uma disputa pela memória na História Pública. Já passou da hora do historiador, no Brasil, pensar o seu lugar de ofício também na Internet, atuando em rede. Claro que isso precisaria de uma regulamentação do estado, e tudo o mais. O que quero enfatizar é que a História produzida por historiadores pode circular nas redes sociais, deve circular nas redes sociais, para que não percamos essa disputa para não historiadores que produzem e disseminam informações um tanto quanto condicionadas de História nas redes sociais online, e que ganham muito respaldo em partes da população brasileira.
      Espero ter esclarecido.

      Matheus H. M. Sussai

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    2. Obrigado pela atenção e resposta professor, muito esclarecedora, e mais uma vez parabéns pelo tema, achei muito interessante!

      Ramon Gustavo Becker

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