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Marilda dos Santos & Washington Nascimento

O CINEMA E AS ÁFRICAS NO ESPAÇO ESCOLAR: QUATRO POSSIBILIDADES DE ABORDAGEM
Marilda dos Santos Monteiro das Flores
Dnt. História UNIRIO
Washington Santos Nascimento
Prof. Adj. UERJ

Nas últimas décadas o grande público tem assistido a uma quantidade de filmes que visam contar alguma história alusiva a África, sobretudo filmes de ação como Falcão Negro em perigo (2002, Ridley Scott), Lágrimas do Sol (2003, Antoine Fuqua), Hotel Ruanda (2004, Terry George), O Senhor das Armas (2005, Andrew Niccol), Diamante de Sangue (2006, Edward Zwick) e O Último Rei da Escócia (2006, Kevin Macdonald). Romances como Amor sem fronteiras (2003, Martin Campbell), A Massai Branca (2005, Hermine Huntgeburth). Dramas: O Jardineiro Fiel (2005, Fernando Meirelles), A Intérprete (2005, Sidney, Pollack) e Babel (2006, Alejandro González Iñárritu) e etc.
Entretanto estes filmes se passam na África, mas geralmente os protagonistas não são os africanos. Normalmente apresentam duas vertentes básicas, que não se excluem e são complementares. Primeiro são filmes que vitimizam, destituindo-os de sua capacidade política, como seres passivos, incapazes de mudar seu destino, o destino do seu país e continente, por isto precisam da ajuda humanitária dos países desenvolvidos. Em uma segunda linha, mais complementar em relação à primeira, são em grande parte filmes que ressaltam a África enquanto um espaço de pobreza, ditadores, tráfico de armas, guerras civis, violência, selvageria.... Fazendo uso assim de imagens canônicas (imagens-padrão), estereotipadas e continuamente reiteradas em relação ao continente africano.
Neste cinema comercial há também um segmento a parte, que são os filmes em torno de Nelson Mandela, que de certa maneira acabam também reiterando determinados estereótipos com uma idealização (em graus variáveis) em torno do líder sul-africano. A exemplo de Mandela: Luta pela Liberdade (2007), Mandela ( 2009 de Justin Chadwick) e Invictus (2010, Clint Eastwood).  Isto sem falar dos inúmeros filmes infantis, que vão do Rei Leão (1994, Roger Allers) a Madagascar (2005, Eric Darnell). Mesmo nestes filmes o reforço das imagens do continente africano enquanto espaço exótico e selvagem é recorrente.
O que se vê em parte destes filmes é que a África tem sido apresentada ao grande público como um continente distante, miserável e carente do mundo ocidental. As produções, especialmente após o período da Segunda Grande Guerra e Guerra Fria, apresentam uma sociedade homogênea, que sofre as mazelas da espoliação e as consequências da separação do domínio europeu como a fome, inúmeras doenças, guerrilhas, violência contra mulheres, crianças e muitas fugas. Esse cenário leva o espectador a questionar se a independência foi ou não um momento de libertação para os povos.
Nesses filmes, como dito acima, o protagonista não é o africano, mas o “bom homem” europeu ou norte-americano que surge como o libertador. Essas produções refletem o olhar da sociedade ocidental para os povos da África, que dificilmente é observada em suas particularidades. Um filme dificilmente apresenta o contexto social de Angola, Moçambique, Benin, Mali, Marrocos, Burkina Faso ou Burundi, onde nasce o rio Nilo. De maneira geral, apresenta uma sociedade genérica que, na visão dos produtores ou mesmo dos espectadores, poderá representar qualquer país africano.
Excluindo-se algumas produções pontuais e vinculadas aos centros mais antigos, como por exemplo o Egito, o cinema africano só ganhou importância e amplitude por volta da década de 60 do século XX, depois dos processos de independência do continente. Ele serviu assim como um dos instrumentos que possibilitou a construção de uma ideia de nação, sendo utilizado por aqueles que ascenderam ao poder. Mas, também em grande parte dos casos, apresenta um mergulho no mundo africano com suas mazelas, questões e também com a beleza de sua diversidade.
A partir de nossa participação em fóruns de discussão como o Núcleo de Apoio à Pesquisa Brasil África da USP (http://brasilafrica.fflch.usp.br/), o GT de África da ANPUH e suas listas de pesquisa e eventos, assim como mostras de cinema realizadas na UFMG, UFBA, UFRJ, UFF, PUC-SP, USP... o olhar para as produções africanas tem possibilitado perceber o investimento dos cineastas em romper com eras passadas e apresentar estratégias de mudanças.  Bem, a análise de alguns sites e blogs voltados ao cinema africano, como Cine África (http://cine-africa.blogspot.com.br/), Mostra África (http://mostraafricahoje.blogspot.com.br/), Filmes África (http://filmes-africa.blogspot.com.br/), Afrocine (http://www.afrocine.org/) dentre outros, permitiram observar os caminhos da produção fílmica do continente.
Por conta da nossa experiência de docente na área, selecionamos abaixo quatro possibilidades de abordagem com filmes e curtas que podem ser úteis em sua utilização em sala de aula, além de apresentar (e comentar) algumas sugestões de obras “batidas”, mas de fácil acesso aos professores.
Na primeira abordagem, discutiremos sobre o cinema produzido na/ou a partir da África, depois sobre filmes infantis, documentários e por fim na quarta abordagem, uma pequena reflexão sobre cinema comercial.  Antes disso faremos uma discussão sobre os diferentes usos dos filmes em sala de aula.

Usos (e abusos) dos filmes em sala de aula: algumas reflexões metodológicas
Muitas vezes o filme é utilizado como uma ilustração do conteúdo dado, entretanto o mesmo pode (e deve) ser entendido enquanto uma produção artística e cultural, devendo desta forma ser central em nossos debates/diálogos em sala de aula. A reflexão sobre uma obra fílmica deve levar em conta a sua produção e outros aspectos disponíveis, antes mesmo da exibição em ambiente de aprendizagem. Saber quem e como produziu, o contexto social, político no momento da produção etc. Detalhes como escolha de atores, locais para locação, dentre outros, ajudam a perceber como a seleção das imagens auxiliam a representar o momento. Mesmo que a película represente um período passado, a sua produção foi organizada para se pensar a partir do presente, com os embates e com a visão do momento da filmagem.
Os critérios de escolha de um filme devem levar em consideração o público alvo e o seu tempo de duração. Em uma sala de aula, filmes que necessitam de mais tempo para a sua exibição (duas ou mais aulas), exigirão do professor a seleção para o momento da interrupção. O corte deverá ser pensado previamente e num momento específico da trama e não no final do tempo da aula. O critério de interrupção abrupta gera desinteresse e torna a exibição de filmes um momento enfadonho. As imagens, abundantes em nosso tempo comunicam com mais velocidade e clareza uma mensagem, portanto as interrupções podem ser pensadas de tal forma que não sejam estanques, mas parte integrante do momento de aprendizagem. Além disso, quando trabalhamos com temas que destacam o continente africano, a reflexão fílmica sobre o local da produção e sobre as parcerias que envolveram o projeto poderão fornecer mais elementos para um posterior debate.
A falta de um ambiente próprio para a exibição de filmes nem sempre significa um entrave. Um recurso que tem surtido efeitos muito positivos é a exibição de curtas, documentários, trechos editados ou trailer oficial de um filme. Esse recurso tem funcionado como o princípio do sal, ou seja, despertar o sabor. Na maioria das vezes, o uso do trailer ou trechos editados (encontrados na internet) são muito eficientes para ilustrar um tema ou um conceito no momento da aprendizagem. O retorno é mais efetivo, à medida em que essas pequenas partes acabam despertando o interesse em ver o filme completo.
O potencial de um filme permite uma leitura dos envolvimentos da produção e o trailer, geralmente, apresenta os momentos de maior expectativa de um filme. Um exemplo é o trailer do filme Zulu, de 1964. Zulu é um filme histórico de guerra, britânico, que mostra a Batalha de Rorke's Drift entre o exército britânico e o reino zulu em janeiro de 1879,durante a Guerra Anglo-Zulu. A película retrata a batalha contada do ponto de vista do inglês. A produção fílmica, justifica a guerra apresentando os africanos como guerreiros cruéis e em quantidade superior ao número de soldados entrincheirados e assustados com a chegada dos guerreiros. A música ao fundo, os olhares do comandante aparecem como um chamamento à guerra e os soldados, atendendo ao comando lutam até a vitória (O trailer do filme poderá ser encontrado no endereço: https://www.youtube.com/watch?v=O7zoPJCuTBA&t=11s)
Esse trailer foi compartilhado em uma rede social e os alunos (a maioria), no dia da aula já estavam com o vídeo salvo nos celulares. Após discussão sobre conceitos de imperialismo e neocolonialismo, algumas questões e muitas reflexões começaram a surgir. Qual o motivo do ataque dos guerreiros? O que representava a presença dos ingleses em solo africano? O que foi o neocolonialismo? A partir dessas, outras questões foram surgindo e nas aulas seguintes já haviam assistido o filme na íntegra e mais que isso, estavam buscando mais informações sobre o tema e trazendo sugestões de outros vídeos. Resultado: mais que uma exibição enfadonha, que poderia ter acontecido por causa do tempo da película, a discussão do conteúdo, associado à exibição de pequenos trechos, permitiu outros olhares sobre o continente, à medida em que analisamos juntos a produção. A atividade com o uso de trailers tem sido desenvolvida com as turmas do Ensino Fundamental e Médio. O retorno tem sido muito positivo, especialmente por conta das sugestões de outros filmes e o aumento do interesse nas aulas de história. 
Por fim, é importante destacar que o uso do cinema deve transcender a sala de aula, adentrando em todo o ambiente escolar com a construção de mostras de cinemas, além do estudo de determinados cineastas africanos (uma excelente opção é Ousmane Sembene) e mesmo pesquisas sobre a influência e trânsitos de brasileiros no continente, como Glauber Rocha e Rui Guerra. Igualmente importante, o estudo das produções dos países, ou seja, ao invés de falar de um “cinema africano”, diante da diversidade do continente, pensar nos estudos separados por países, África do Sul, Angola, Moçambique, Senegal e etc.
Abaixo listamos quatro possibilidades de abordagem em sala de aula, provavelmente alguns dos links colocados neste texto podem estar desativados quando vocês forem acessar, nossa sugestão é colocar o nome do filme completo no Google ou Youtube que provavelmente ele será novamente localizado.
A seleção que fizemos leva sobretudo em questão o acesso aos filmes e também o público alvo ao qual destinamos este texto, ou seja, professores da Educação Básica e não especialistas em cinema africano, assim algumas obras relevantes foram desconsideradas, por serem de difícil acesso e/ou abordagem das mesmas em sala de aula.

1. A África pelos africanos: o cinema produzido no continente
Para o professor da educação básica ou do ensino médio que queira fazer uso de cinema africano em sala de aula, nossa primeira sugestão é fazer uso de filmes produzidos a partir do continente. É bem verdade que, em grande parte, as produções cinematográficas, hoje, são multinacionais envolvendo profissionais de diferentes lugares. Entretanto, o que importante neste caso é perceber de onde parte o olhar e qual o lugar de fala do cineasta. Isso ajuda no processo de formação de público, mostrando ao aluno a existência de outras matrizes cinematográficas diferentes do modelo norte-americano ao qual conhece e está habituado.
A produção do cinema africano reflete a sociedade em que ele está inserido, assim como qualquer outro cinema em outros continentes. Geralmente buscam parcerias com diferentes países e têm abordado problemas sociais como violência doméstica, violência entre os jovens, alcoolismo, questões políticas ou religiosas. O documentário FITXICÊLU (feiticeiro) de São Tomé e Príncipe, por exemplo, apresenta a questão do ancião que está sendo abandonado e submetido a maus tratos, muitas vezes pela própria família. Para justificarem o abandono são acusados de feitiçaria e assim são espancados e abandonados nas ruas. O documentário, mais que apresentar um problema social, discute questões herdadas do período colonial e apresenta um conflito a partir do confronto entre as raízes religiosas adquiridas com o colonizador e a tradição herdada pelos antepassados. Assim como esse documentário, outros filmes representam oportunidade de olhar para o continente africano e perceber as individualidades de cada povo.

Sugestão 1
O HERÓI
(Zezé Gamboa, Portugal, Angola, 2004)
Sinopse: Após uma violenta guerra civil de 27 anos, Angola encontra-se numa situação em que tudo está por refazer. A reconstrução Nacional passa necessariamente pelo reencontro de valores morais e pela reintegração de seres por vezes perdidos e mutilados física e espiritualmente, que precisam encontrar o seu lugar como elementos válidos de uma sociedade, ela própria em reanimação, e reencontrar a sua dignidade como humanos.
Alguns comentários
No filme é possível pensar os países africanos no pós-guerra de independência, na guerra civil, na busca por identidade e por uma ideia de nação. Além disso, faz uma denúncia do sistema político local, do afastamento desta elite dirigente dos reais problemas do povo e de sua instabilidade. Neste sentido é possível fazer algumas análises comparativas entre Brasil e Angola, historicamente ligados, com perfis de políticos parecidos.
Indicações de leitura
Uma análise pertinente deste filme foi feita por Rudi Rebelo e pode ser conferida aqui:
Onde encontrar:
O filme está disponível no Youtube:
https://www.youtube.com/watch?v=4Wlh76KcCjA


Sugestão 2
TERRA SONÂMBULA
(Teresa Prata, Moçambique, 2007)
Sinopse: Terra Sonâmbula é um filme moçambicano. São duas histórias pessoais separadas pela guerra e unidas por um diário. Entre a Guerra Civil e as histórias de um diário perdido, o menino Muidinga e o velho Tuahir são os heróis deste filme. Eles movem-se entre refugiados em estado de delírio. Para não enlouquecerem, têm-se um ao outro. A estrada por onde caminham, como sonâmbulos, é mágica: entende os seus desejos e move-os de um lugar a outro, não os deixando morrer enquanto eles não alcançarem o tão sonhado mar.
Alguns comentários: O filme é uma adaptação do livro de Mia Couto, Terra Sonâmbula, e uma produção portuguesa e moçambicana que retrata o período da guerra civil. O cenário é Moçambique após a independência e os personagens da trama são o velho Tuahir e o menino Muidinga que caminham à beira de uma estrada. Eles são dois fugitivos das guerrilhas e tornam-se companheiros de viagem. Não possuem mais família nem amigos. O motivo da viagem é a busca pelos pais do menino. Caminhando pela estrada eles vão se conhecendo e percebendo as atrocidades da guerra.
Indicação de leitura:
Existem algumas resenhas sobre o livro de Mia Couto. Mas a leitura da obra está disponível em: http://www.casadasafricas.org.br/wp/wp-content/uploads/2011/09/Livro-Terra-sonambula.pdf
Onde encontrar:

2. A África para crianças: o uso de filmes infantis
A África que é apresentada às crianças, ainda é um território onde elas morrem de fome, doenças e são afastadas ou abandonadas pelos pais. Também é um local com grandes, venenosos e ferozes animais que vivem entre os seres humanos que parecem ter o conhecimento das linguagens e mistérios da fauna. A vegetação, com árvores de tamanhos inimagináveis, é cercada de espécies venenosas cujo antídoto só é de conhecimento de algum idoso que vive isolado. Quando chega o tempo das chuvas os rios se transformam em caudalosas armas de destruição ou quando aparece o deserto, ele é o local da morte de sede, tudo apresentado como representação de um só lugar: África.
Bem, com esse cenário é muito difícil, quando essa criança crescer, ter uma expectativa diferenciada do continente. A ideia de que animais vivem soltos dá à África a sensação de local de aventuras. É a ideia que se reproduz e acompanha a criança até a idade adulta. Por isso, o trabalho com imagens permite um olhar diferenciado sobre o continente, mas com imagens que contrastem com a reprodução da ideia de cultura única: “Na África, a África tem...”
Algumas produções direcionadas para o público infantil possibilitam pensar as particularidades do continente.

Sugestão 3
 KIRIKU E A FEITICEIRA
 Direção: Michel Ocelot. Kirikou et la sorcière, França/Bélgica,1998.
Sinopse: Kiriku é um menino que já falava quando ainda estava na barriga da mãe. A história faz parte da cultura africana e trata da determinação na luta pela liberdade. “Kiriku nasce para ser livre, tanto que quando ainda está na barriga da mãe ele diz: “Mãe, dê à luz a mim! ” Segundo o diretor e roteirista Michel Ocelot, foi também uma grande oportunidade para mostrar o povo africano e alguns de seus valores. O roteiro foge do óbvio, ao contrário do que acontece em outras produções do gênero. E conta ainda com boa trilha sonora e personagens cativantes”. (Fonte: www.correioweb.com.br)

Algumas reflexões:
Kiriku talvez seja o filme que tenha merecido mais destaque nas escolas brasileiras, apesar de ser um filme produzido na França e Bélgica, ele consegue adentrar em determinadas particularidades do ser africano (sobretudo aqueles nascidos no oeste), que podem ser importantes na discussão sobre de diversidade e inclusão a ser feito nas series iniciais. Além disso o reforço das boas ações, mesmo ante a possíveis críticas.
A nosso ver a análise sobre as “lendas africanas” que aparecem no filme pode ser perigosa, pois dá a impressão para as crianças de que as sociedades tradicionais são “atrasadas”, “ fixas no passado”. O filme traz questões pertinentes e atuais que ajudam as crianças a pensarem o contexto que as cerca e é isso que deve ser levado em conta.  
Outra questão que o filme aborda é o problema da água que é tratado como uma questão de maldição. Enquanto os adultos atribuem à feiticeira todos os males, o menino Kiriku vai em busca das respostas. Isso pode servir de estímulo às novas descobertas e a não aceitação de um senso comum sem uma reflexão sobre outras possibilidades de respostas para algumas questões.
O filme teve algumas continuações como “Kiriku: os animais selvagens,” de 2002 e “Kiriku, os homens e as mulheres”, de 2015. O filme de 2002 é indicado para crianças muito pequenas, visto fazer uso da música para contar suas histórias, possibilitando desta forma um processo de iniciação musical diferente do que é visto, por exemplo nos filmes da Disney.

Sugestão de atividade e indicações de leitura:
A revista Nova escola preparou um plano de aula que pode ser adaptado para todo o fundamental I, mais informações podem ser conseguidas no link: http://rede.novaescolaclube.org.br/planos-de-aula/introducao-cultura-africana-com-o-filme-kiriku-e-feiticeira
O Folha de Cultura do Jornal “O Estadão” fez uma análise bem pertinente do filme “Kiriku: os animais selvagens”

Onde encontrar
# É possível achar o filme complete na livraria paulinas ou mesmo no Youtube

Sugestão 4
KHUMBA
(África do Sul, Anthony Silverston, 2014)
Sinopse:  Khumba é uma pequena zebra que nasce com a metade do corpo sem listras. O animal logo sofre o preconceito de todos ao redor, e segundo uma lenda local, o seu nascimento é responsável pela falta de chuva na região. Para tentar remediar este grande problema, Khumba decide partir em uma viagem solitária pela savana africana, para encontrar um lago mágico capaz de restituir as listras que lhe faltam, trazendo de novo a chuva ao seu povo. No caminho, ele encontra outros animais com traumas pessoais e isolados de seu bando, como uma fêmea gnu, um avestruz e um tigre cego de um olho. 
(http://www.adorocinema.com/filmes/filme-205730/)
Reflexões:
O filme possibilita a discussão sobe as diferenças e a percepção de que não se é sozinho no mundo. É uma animação que apresenta questões de coragem, auto aceitação e a busca por alcançar o objetivo. A procura pelo lago acaba unindo um grupo de animais que possuem as suas mazelas pessoais.
Sugestão de atividade e indicações de leitura:
Uma das temáticas do filme é a questão do outro, a aceitação e respeito. Após exibição, um debate sobre as temáticas do filme poderá estimular a discussão e a percepção do ambiente escolar.
Onde encontrar

3. Filmes clássicos e documentários           
O uso de filmes caracterizados como clássicos podem sofrer interferência do professor, pois em muitos casos a qualidade da imagem, do som, o figurino, dentre outros aspectos podem sofrer alterações. Com o controle remoto nas mãos uma cena poderá ser vista algumas vezes para que as mudanças sejam percebidas. A imagem em preto e branco não significam perda da qualidade, mas uma possibilidade diferente de observação.
Os documentários, apresentados como documentos imagéticos, oferecem outras possibilidades, pois, mesmo que façam parte de uma produção organizada e com uma finalidade específica, são apresentados como representações da realidade. Também não trabalham com atores profissionais, mas com personalidades da vida real. Entre alguns podemos observar:

Sugestão 5
A BATALHA DE ARGEL
(Argélia e Itália, 1966)
Sinopse: Dirigido pelo italiano Gillo Pontecorvo (1919 - 2006), o filme apresenta momentos decisivos da guerra pela independência da Argélia (1954 - 1962), marco no processo de libertação das colônias africanas. Enfocando o período entre 1954 e 1957, o longa-metragem mostra como agiam os dois lados do conflito: o exército francês recorria à tortura e à execução dos inimigos e a FLN (Frente de Libertação Nacional) usava técnicas de guerrilha e de terrorismo.
Público Alvo: Ensino Médio
Algumas observações:
Mais do que a guerra pela independência da Argélia, o filme pode ser lido/trabalhado como uma fonte do cinema político de Gillo Pontecorvo, apresentando suas análises sobre o colonialismo e a violência política, temas também abordados em sua obra “Queimada! ” de 1969, que retrata aspectos da revolução haitiana.
Assim, a nossa sugestão não é a exibição do filme completo aos alunos que pode se tornar enfadonho, sobretudo pelo fato de não serem coloridos, mas sim construir um projeto de pesquisa que analise a vida e obra de Pontecorvo e sua produção cinematográfica. Uma outra forma de análise da obra é situar a Argélia e o norte da África frente aos conflitos atuais e temas que são relevantes como a Primavera Árabe e os conflitos no Sudão.
A análise da produção fílmica aliada ao contexto de produção e posteriormente, ao contexto de exibição (atualidade) permitem a comparação entre as mudanças sociais e econômicas transcorridas desde a produção. Além disso, há a possibilidade de reflexão sobre a influência de outras culturas no Brasil.
Onde encontrar:
O filme é facilmente encontrado no Youtube, mas também pode ser comprado, isto porque em 2014, A Batalha de Argel ganhou uma nova edição em DVD feita pelo Instituto Moreira Salles (IMS), além de um ensaio do crítico José Carlos Avellar.

4. O cinema comercial: possibilidades de usos
O cinema comercial é aquele que cumpre a função de entretenimento. O objetivo não é travar nenhuma discussão teórica ou moral, mas gerar um lucro mais rápido e certo aos seus produtores. O uso desse tipo de material, associado a uma discussão sobre a influência do cinema no cotidiano, possibilitará uma crítica sobre os temas abordados na produção fílmica, entre outras possibilidades.

Sugestão 6
DISTRITO 9
(EUA, Nova Zelândia, África do Sul, 2009)
Sinopse: Uma nave alienígena 'encalha' sobre a cidade de Johannesburg. Os seus milhares de tripulantes acabam isolados num gueto, submetidos à violência da polícia local e negociando com contrabandistas. Curioso paralelo com o apartheid, neste bom filme produzido por Peter Jackson)
Comentários. O bom deste filme é que ele traz uma linguagem acessível e conhecida dos alunos, além disso permite discutir questões essenciais no processo formativo, como respeito e convivência com a diversidade, além disso é possível entrar em debate sobre o Apartheid na África do Sul e a construção de campos de refugiados.
Em uma perspectiva mais ampla é possível também usar o filme para discutir sobre a questão dos refugiados, tema cada vez mais necessário ante aos desdobramentos do mundo atual. A migração não é um problema só da África. O tempo todo pessoas estão mudando de um lugar para o outro em busca de melhores condições de vida. Esse também é o caso do Brasil, que apresenta uma grande movimentação entre as regiões.
Onde encontrar: o filme está disponível para venda em lojas do ramo.
Considerações Finais
O uso de filmes como fontes para o trabalho em sala de aula permite observar e perceber a História através de outras lentes ou distintos pontos de vista. Um filme pode ser percebido como um vestígio do passado, remoto ou não e é uma testemunha da sociedade que o produziu, além de constituir arquivo importante e ser um reflexo do seu tempo. Além disso, possui uma função social pode ser um material diferenciado para o historiador.
Como uma representação do passado, a produção fílmica trabalha com as emoções e se utiliza das imagens para transmitir ideias, além de possuir a capacidade de recriar cenas que estavam em um passado distante, inclusive sugerindo temas. Também permite uma experiência físico-sensorial estimulando e alimentando a memória ao possibilitar o reviver de um fato. Vale lembrar que um filme não apresenta apenas uma coleção de fatos organizados de maneira cronológica para ser apreciado pelo espectador, “trata-se de um drama, uma interpretação, uma obra que encena e constrói um passado em imagens e sons” (NOVA, 1996). Portanto, analisar imagens, pensar sobre a produção e refletir sobre questões sociais que envolvem a exibição de uma obra fílmica é um exercício que desenvolve a reflexão histórica.
Por fim vale a pena, mais uma vez, enfatizar que o uso do cinema em sala de aula constitui-se uma ferramenta indispensável para o entendimento da história africana. Ele não deve substituir a leitura bibliográfica/debate sobre o tema que será abordado, ou mesmo ser utilizado para preencher algum vazio didático. A sua correta utilização possibilitará a ampliação das perspectivas e novas formas de olhar (e sentir) o continente africano.

Referência Bibliográfica
BOUGHEDIR, Ferid, O cinema africano e a ideologia: tendências e evolução, In MELEIRO, Alessandra (org.), Cinema no mundo: indústria, política e mercado, África, Vol. 1, São Paulo: Iniciativa Cultural, 2007, Pp. 37-56
CAPELATO, Maria Helena. Et al. História e Cinema. São Paulo: Alameda, 2007
JAMESON, Fredric. As marcas do visível. Rio de Janeiro: Graal, 1995.
NAPOLITANO, Marcos.  Como usar o cinema na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2006
NOVA, Cristiane Nova. O cinema e o conhecimento da História In: Revista O Olho da História: revista de História contemporânea - nº 3 – dez 1996 
NÓVOA, Jorge; FRESSATO, Soleni. Cinematógrafo: um olhar sobre a história. Salvador: EDUFBA; São Paulo: Ed. da UNESP, 2009
_______, Jorge; SILVA, Marcos. Cinema-História e Razão Poética: o que fazem os profissionais de História com os filmes? IN PESAVENTO, Sandra; CARVALHO, Euzebio. et ali (org.). Sensibilidades e sociabilidades: perspectivas de pesquisa. Goiânia: Ed. PUC-GO, 2008. Pp.11-18.

ROSENSTONE, Robert. A história nos filmes, os filmes na história. São Paulo: Paz e Terra, 2010.

17 comentários:

  1. Óticas dicas! É muito interessante trazer essas abordagens para sala de aula, principalmente de forma que seja atrativa aos alunos e ao mesmo tempo traga retorno positivo. Além dos filmes mencionados, vcs teriam algum autor(a) para indicar que trabalhe com a questão da África abordada pelo viés cinematográfico? Atenciosamente, Helem da Rocha Leal

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  2. Oi Helen! O livro Cinema no mundo: indústria, política e mercado, África volume 1, Ed. Iniciativa Cultural, organizado por Alessandra Meleiro, reúne vários artigos sobre o cinema africano.O artigo do Ferid Boughedir - "O cinema africano e a ideologia: tendências e evolução" apresenta alguns temas que são abordados no cinema africano como: luta contra o colonialismo, traumas infantis, situação das mulheres, entre outros. Boa leitura!!

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  3. Marilda e Washington, adorei o texto! Estratégias simples como o uso dos trailers e o corte no climax do filme podem contribuir bastante. Indiquei a introdução do texto de vocês para os meus alunos do pré-vestibular e eles gostaram bastante. Tivemos uma aula sobre o continente africano algumas semanas atrás e o texto de vocês caiu como uma luva para discutir com eles algumas representações sobre o continente. A abordagem é interessante porque muitos dos filmes que vocês citam eles já assistiram e e podemos desconstruir alguns estereótipos sobre o continente que eles acabam reforçando como o lado selvagem e as guerras. Muito obrigado pela contribuição! Abraços, Giovanni Mannarino

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    1. Oi Giovanni, nós é que agradecemos. É muito bom saber que o texto está contribuindo.Valeu a divulgação!

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  4. Olá, muito bom o texto, não tenho muita familiaridade com a história da Africa, e tenho especial interesse pela religião, poderiam me dar algumas indicações de filmes com essa temática, que possam ser usados em sala de aula?
    Grata, Larissa Faesser

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    1. Oi Larissa, a religião é um tema muito amplo no continente. Vale a pesquisa. Como sugestão tem o documentário: "Diversidade religiosa na África - A tolerância e a paz entre as religiões africanas," de 2012, exibido pela TV Brasil. Pode ser encontrado no site da TV, no endereço: http://tvbrasil.ebc.com.br/novaafrica/episodio/a-tolerancia-e-a-paz-entre-as-religioes-africanas
      Apresenta a relação da religião e das conexões com o Brasil.
      Dê notícias!!

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  5. Parabéns, Marida e Washington. Trabalhar o filme como um outro texto em sala de aula é um caminho muito interessante. O filme traz, as marcas de sua produção e nesse sentido pergunto: qual a sugestão sequencial para utilizar o filme em sala que na sua experiência tem alcançado melhores resultados no aprendizado dos alunos.

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    1. Oi Ribamar o que seria esta "sugestão sequencial" poderia ser mais explícito?

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  6. Boa noite,

    A relação entre cinema e conhecimento vai além do campo da educação formal. O processo tradicional de ensino não é mais capaz, sozinho, de realizar esta tarefa.
    Desde os primórdios da produção cinematográfica foi considerada um poderoso instrumento de educação e instrução e também hoje considerado como fonte histórica.
    Em sala de aula, qual o melhor método? O que abordar e contextualizar?

    Ass.
    ANTONIO AUGUSTO DA SILVA AZAMBUJA

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  7. Ótimo texto, está abordagem metodológica na relação cinema e África permite aos alunos a desconstrução do imaginário.
    Além das dicas filmicas, tem alguma bibliografia que vocês possam indicar para trabalhar com alunos do ensino fundamental?
    Atenciosamente
    Lucivaine Melo da Silva

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    1. Oi Lucivane, de uma olhada no livro NAPOLITANO, Marcos. Como usar o cinema na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2006. Além disso de uma olhada na revista http://oolhodahistoria.ufba.br/

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  8. Boa noite,
    Parabéns pelo trabalho e a construção tão clara e objetiva do texto.
    Agradeço as sugestões dos filmes e orientações quanto a abordagem das produções cinematográficas sobre a África. Poderiam sugerir algum livro que possa ser utilizado com os alunos do Ensino Medio, já utilizo alguns dos filmes indicados e gostaria de incentivar a leitura de autores africanos.
    Grata.
    Raquel do Nascimento Barboza

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  9. Parabéns pelo texto, Prof.ª Marilda e Prof.º Washington! Me interesse muito por educação étnico-racial e a comunicação de vocês trouxe novos instrumentos que posso utilizar em sala de aula para trabalhar com História da África e diversidade. Mas o que mais me chamou a atenção nas palavras de vocês foram os métodos para se utilizar filmes como recurso didático. O "princípio do sal" que mencionaram sempre utilizei, meio que instintivamente, e, claro, sem nunca ter chamado dessa forma: nunca passei os filmes completos para os meus estudantes, e utilizo trailers, como uma forma de mantê-los focados nas discussões propostas, ao invés de fazê-los se envolver nas tramas romanceadas. Documentários, confesso, utilizo muito pouco. Foi bom saber que mais profissionais compartilham da mesma opinião que a minha.
    A minha pergunta, porém, é a respeito da pesquisa sobre o contexto de produção da película: como utilizar isso com xs alunxs, uma vez que dispomos de pouco tempo muitas vezes para trabalhar os conceitos e debates que pretendemos suscitar ou ilustrar com esse recurso? Confesso que, salvo quando tratava-se de um filme datado - como aqueles produzidos como propaganda, por exemplo - não peço aos meus estudantes para realizar esse tipo de pesquisa.

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  10. Boa tarde, Msrilda e Washington.

    Muito oportuno o texto produzido por vocês.

    É intetessante porque possibilita o diálogo entre a linguagem cinematográfica e a temática África em sala de aula. Isso não se faz sem pesquisa e reflexão.

    Assim, como superar a difícil tarefa de ensinar história em um tempo marcado pelo racismo e intolerância?

    A produção autoral de audiovisual na escola seria uma alternativa interessante para estabelecer uma educação voltada para as relações étnico-raciais?

    Paz e bem.

    Francisca Márcia Costa de Souza

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    1. Olá Marcia. Sim, mas observe que é preciso todo um trabalho de formação do aluno, com leituras e um maior aprofundamento sobre a história do continente e da temática racial no Brasil. Sem isso eles vão reproduzir em sua produção os velhos esteriótipos de sempre.

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  11. Fabiano Moreira da Silva7 de abril de 2017 às 15:38

    Olá professores Marilda dos Santos e Washington Nascimento, parabéns pelo texto. precisamos, e muito, de suporte para que possamos desenvolver o tema África na sala de aula fora dos estereótipos. É comum na sala de aula os alunos se referirem a África como um país e africanos como um povo único com mesmos costumes, religião e até cor da pele. Costumo iniciar minhas aulas sobre o continente africanos como imagens que retratam o lugar. As fotos em que aparecem leões, danças folclóricas, fome e miséria são imediatamente apontadas como africanas. As fotos que mostram grandes cidades, a religião mulçumana, a pele branca e até africanos jogadores de futebol famosos ou outras celebridades não são identificados como África , a surpresa é geral e surge até reações negativas. Percebo que muito desses estereótipos são criados e reforçados pela maneira que aprendemos, e até ensinamos, o tema África muito calcado na história da colonização europeia e na escravidão que são pontos importantes mas longe de serem únicos. Na minha graduação tive a felicidade de ter duas disciplinas voltadas para a história da África e a partir de uma historiografia produzida por africanos, o que faz muita diferença. Pergunto se as dificuldades para lidar com a produções cinematográficas que tenha a África como tema não estaria numa formação que privilegia em seus currículos a história europeia com pouco espaço para a história africana e asiática ? Obrigado. Fabiano Moreira da Silva - Mestrando - Universidade Federal da Bahia

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    1. Com certeza Fabiano. Uma sugestão é fazer com que os alunos pesquisem mais sobre o continente usando outras plataformas, como o youtube por exemplo. Lá eles terão a ideia da imensidão do continente e de sua produção. Pode ser uma boa estratégia

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