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Maria Juliana Almeida

FONTES HISTÓRICAS CONTIDAS NO LIVRO DIDÁTICO E SEU POTENCIAL COMO SUPORTE PARA O ENSINO/APRENDIZAGEM DE HISTÓRIA
Maria Juliana de Freitas Almeida
Prof. Ass. UEG / Campus Porangatu

Em 1995, Gabriel, O Pensador, na música Estudo Errado, chamava a atenção para o método de ensino em que privilegiava a memorização, e não o entendimento: “[…] Decoreba: esse é o método de ensino […]”, que segundo o rapper não permitia aos alunos o raciocínio, mas apenas um conhecimento superficial e momentâneo, que após as provas já seria esquecido, e que ainda teria como consequência não permitir a compreensão dos fatos “[…] Desse jeito até  história fica chato […]”.
Passadas mais de duas décadas, por mais que se preconize mudanças e transformações na educação e no ensino, quem lida diariamente com a sala de aula percebe que para uma maioria dos alunos a História ainda é uma disciplina considerada pouco interessante. Os motivos pelos quais isso ainda ocorre são os mais variados, desde questões sócio-econômicas, heterogeneidade das turmas, a formação docente, o distanciamento da sala de aula com o dia a dia dos alunos, insuficiência de recursos financeiros e de materiais didáticos, entre outros.
Neste texto, não há a pretensão de discutir ou aprofundar cada um destes motivos, mas sim, apontar uma alternativa que pode tornar mais atraente o ensino de História, e mais significativo o conhecimento histórico, ao promover o aprendizado, para além das fórmulas de memorização, utilizando o material didático mais abundante nas escolas de todo o país: o livro didático de História. Não é objetivo, tampouco, analisar o livro didático, em suas qualidades e deficiências, mas sim, propor a utilização do mesmo de forma a explorar suas potencialidades.
A simples menção ao livro didático pode fazer com que muitos torçam o nariz, culpando-o pelo atavismo presente no ensino de História,
Muito criticados, muitas vezes considerados os culpados pelas mazelas do ensino de História, os livros didáticos são invariavelmente um tema polêmico. Diversas pesquisas têm revelado que são um instrumento a serviço da ideologia e da perpetuação de um “ensino tradicional. (BITTENCOURT, 2009, p. 300).
Mas, graças ao PNLD (Programa Nacional do Livro Didático), este é o material didático mais farto nas escolas públicas de norte a sul do país, desde as escolas rurais, de pequenas cidade até  aquelas localizadas nas periferias das grandes cidades. O que por si só, já faz desse material didático digno de uma análise mais acurada, “é fundamental considerá-lo como um recurso didático que oferece condições ao professor de concretizar os objetivos educacionais propostos” (BERUTTI; MARQUES 2009, p. 97).
Diante das críticas recebidas, e da maior demanda por livros didáticos de História estes vem se transformando, convertendo-se em uma ferramenta “polifônica”, com várias funções, entre elas oferece grande gama de documentos nos mais variados suportes (BITTENCOURT, 2009, p. 307), o que se torna fundamental para o ensino de História, “o trabalho para entender e desvelar o discurso histórico impõe uma atividade incessante e sistemática com o documento em sala de aula” (SCHMIDT; CAINELLI, 2009, p. 111).
Se para Febvre (1974, apud. SCHMIDT; CAINELLI, 2009, p. 112) “a história se faz com os documentos escritos, sem dúvida, quando eles existem. Mas ela pode ser feita, ela deve ser feita com tudo o que a engenhosidade do historiador lhe permitir utilizar”, o ensino de História deve ser viabilizado com todos os recursos possíveis, que a criatividade do professor propor. E neste caso, propõe-se o uso criativo do livro didático, explorando não apenas o texto didático, mas os vários documentos que o compõem.
[…] os manuais didáticos, de maneira geral, têm-se esmerado na inclusão de documentos. Estes são de natureza diversa, destacando-se excertos de notícias de jornais, de obras literárias, de obras de historiadores e letras de músicas, além de ilustrações, gráficos, mapas e dados estatísticos. […]. (BITTENCOURT, 2009, p. 310).
E é o melhor aproveitamento desta verdadeira coleção de documentos que poderá renovar o ensino de História,
A utilização de documentos históricos em sala de aula, se bem desenvolvida, pode propiciar momentos de extrema riqueza e soma-se aos esforços de possibilitar ao aluno contato com outras sociedades e temporalidades, por meio de registros textuais, iconográficos ou materiais. Além disso, o trabalho com documentos permite ao professor e ao aluno refletirem juntos sobre o ofício do historiador. (CANO, 2012, p. 19).
O trabalho com os documentos históricos permite inserir os alunos no caminho da pesquisa histórica, integrando ensino e pesquisa, claro que, conforme nos lembra os PCN’s (Parâmetros Curriculares Nacionais) sem a pretensão de fazer do aluno um historiador, “[…] é imprescindível que fique evidente para o aluno que o documento expressa um ponto de vista e não a verdade sobre um período histórico ou uma sociedade” (CANO, 2012, p. 21). O uso do documento em sala de aula deve extrapolar a simples ilustração de um período ou povo, ao propor novos questionamentos.
Conforme Cano (2012, p. 25) o ideal seria que nas escolas houvesse coleções de objetos e documentos disponíveis para o trabalho didático, mas diante da ausência de tais coleções o trabalho com documentos não deve ser abandonado, e o livro didático é uma possibilidade para a execução do trabalho, ao se explorar as múltiplas linguagens que o compõem.
O trabalho com documentos em sala de aula exige que sejam adotados alguns procedimentos, em três passos, como sugerem Schmidt e Cainelli ( 2009, p. 118 – 125): 1) O documento deve ser identificado quanto a origem, natureza, autoria, datação e pontos relevantes do mesmo; 2) Explicação do documento: o contexto e a crítica; 3) comentário do documento: dividida em introdução, desenvolvimento e conclusão.
O uso de documentos em sala de aula pode contribuir para ilustrar o tema trabalhado; ser estudado como fonte de informação histórica; empregado como fonte para a construção de um problema ou hipótese histórica; fonte de respostas para hipóteses ou problemas (SCHIMIDT; CAINELLI, 2009, p. 125 – 127), escolhidos de acordo com os objetivos estabelecidos pelo professor. Os documentos podem ser selecionados individualmente ou em conjunto, com linguagens variadas (escrito, ou iconográfico), além de se poder incluir outros documentos como os guardados pelos próprios alunos ou professores, ultrapassando os apresentados no livro didático.
Com vistas a contribuir sobre os limites e possibilidades do uso de documentos em sala de aula, os debates acerca do livro didático e as dificuldades do ensino de História, é que o subprojeto do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência/PIBID de História da Universidade Estadual de Goiás/UEG, Campus Porangatu, juntamente com a professora supervisora, chegaram a esta proposta, que será implantada à partir do primeiro semestre de 2017.
Espera-se que com a implantação da proposta o professor possa despertar em seus alunos o interesse pelo conhecimento histórico, estimular o posicionamento crítico dos alunos frente aos mais variados documentos, bem como, incentivar a produção de narrativas orais e escritas, tornando o ensino de História mais dinâmico. Embora ainda se continue utilizando o livro didático, busca-se mais autonomia para professor e aluno frente aos conteúdos e de forma criativa pretende-se driblar uma das maiores mazelas do ensino público que é a falta de investimento em materiais didáticos, ao se valorizar aquele que é o mais abundante, senão o único disponível, em várias escolas brasileiras.

Referências
BERUTTI, Flávio; MARQUES, Adhemar. Ensinar e aprender História.  Belo Horizonte: RHJ, 2009.
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos. 3ª ed. São Paulo: Cortez, 2009.
CAINELLI, Marlene; SCHIMIDT, Maria Auxiliadora. Ensinar História. São Paulo: Scipione, 2009.
CAMPOS, Helena Guimarães; FARIA, Ricardo de Moura. História e Linguagens. São Paulo: FTD, 2009. (Coleção História e Linguagens).
CANO, Márcio Rogério de Oliveira (coord.). História.. São Paulo: Blucher, 2012. (Coleção  A reflexão e a prática de ensino; 6).
SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Parâmetros Curriculares Nacionais: História e Geografia. 2ª ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.

33 comentários:

  1. Olá Maria Juliana, gostei bastante de seu texto pois me fez refletir acerca dos diferentes usos do livro didático. Gostaria "ouvir" mais de ti sobre como a utilização de documentos em sala de aula pode contribuir para a questão das temporalidades no ensino de História.

    Elizete Gomes Coelho dos Santos

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    1. Boa tarde! Entre em contato para aprofundarmos a discussão: mariajulianafa@gmail.com

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  2. Boa tarde Maria Juliana
    Na sua opinião qual seria a melhor forma metodológica de trabalhar com fontes e documentos em sala de aula, quando o professor se encontra sobrecarregado por matrizes curriculares ?

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    1. Boa tarde! A ideia não é criar um momento específico ou transformar o uso de documentos em um "evento" mas sim, incorporá-los ao cotidiano da sala de aula, através do planejamento diário.

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  3. Olá Prof.ª Maria Juliana,
    Uma das minhas propostas de pesquisa no mestrado com o livro didático de História foi investigar o que as professoras consideram determinante para a escolha desse material. Os dados apontam que as professoras observam os tipos de linguagens disponíveis, tais como imagens, mapas, documentos, gráficos.... O que vem ao encontro do seu texto e aponto para o fato de que as professoras têm a consciência de que é por meio das linguagens que se adquire o conhecimento necessário.
    Parabéns pelo texto!
    Paula Ricelle de Oliveira

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    1. Obrigada pela leitura. E gostaria de ler sua pesquisa.

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    2. Disponha: https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/trabalhoConclusao/viewTrabalhoConclusao.jsf?popup=true&id_trabalho=3257690
      Obrigada!
      Paula Ricelle de Oliveira

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  4. Boa noite!

    Gostei muito de sua reflexão acerca do uso de documentos históricos em sala de aula.

    Em relação à uma questão mais prática da proposta de execução do grupo do PIBID de vocês, haverá um trabalho teórico do grupo para a reflexão do uso de fontes em uma situação didática?

    Desde já agradeço!

    Rafaella Franchin de Sousa

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    2. Bom dia! Obrigada pela leitura!
      As atividades dos bolsistas são divididas em dois momentos: a formação teórica, com o coordenador de área do PIBID e as atividades práticas na escola campo, com a professora supervisora.

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    3. Obrigada!

      Você teria um email seu para eu entrar em contato? Gostaria de mais bibliografia sobre o assunto! Achei extremamente interessante e importante.

      Rafaella Franchin

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    4. Boa tarde! Será um prazer continuarmos as discussões mariajulianafa@gmail.com

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  5. Caríssima Maria Juliana,

    Parabéns pelo texto!
    Sabemos que o livro didático no Brasil é uma ferramenta que passa por um rigoroso e elogiado processo de seleção, sendo ele um dos recursos mais utilizados na educação básica para o ensino/aprendizagem de História na educação pública.
    Sendo assim, como você explicaria o mal e o bom uso dessa ferramenta em sala de aula, já que ela hoje está repleta de informações e elementos que visam um ensino de qualidade e tendo como o responsável para essa efetivação o professor?

    Max Lanio Martins Pina

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    1. Boa tarde! Agradeço a leitura!
      Quanto ao uso que o professor faz do livro didático, prefiro me referir como uso criativo ou tradicional. Mas, o tipo de uso q o professor faz, varia conforme inumeros fatores, tais como formação inicial, investimentos feitos pelas redes publicas em sua formação continuada, seu repertorio cultural entre outros, ou seja, a coisa é mais complicada. Podemos continuar essa discussão em outros espaços. Abraços

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  6. Boa tarde Professora Maria Juliana!

    Gostei muito de ler seu texto! Achei sua proposta fantástica. Me identifiquei bastante pois na minha pesquisa de Mestrado estou trabalhando com o livro didático e com algumas fontes textuais e visuais presentes nele. Mais especificamente o meu objetivo é investigar como os alunos interpretam/utilizam essas fontes. Nesse sentido, eu gostaria de perguntar mais a respeito de como ocorrerá a incorporação dessas fontes no planejamento diário. Como os alunos trabalharão essas fontes? Individualmente, em grupo? Pergunto isto porque acredito ser essencial que os alunos compreendam a complexidade da natureza das fontes, bem como as diferentes interpretações que as mesmas possibilitam.
    Desde já agradeço!
    Heloisa Pires Fazion

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    1. Olá Heloisa! De onde você é? Também pesquiso livros didáticos de história. Conclui meu mestrado em 2015 e agora estou no doutorado. Sou de Minas Gerais e faço o doutorado no CEFET-MG. Conhece o evento SILID/SIMAR no Rio? Ele é bienal. Aqui no Cefet temos um grupo de pesquisa sobre materiais didáticos e fazemos caravana para esse evento. Também participo de muitos outros eventos com o meu tema, se você quiser podemos trocar figurinhas. Meus contatos: pesquisaldcefet@gmail.com / Facebook Paula Ricelle
      Até!
      Paula Ricelle de Oliveira

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    3. Boa tarde! Obrigada pela leitura. Penso q poderiamos continuar essas discussões em outros espaços. Quero também trocar figurinhas, mariajulianafa@gmail.com

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    6. Boa tarde Maria Juliana!!
      Claro! Vamos nos falando..
      Heloisa Pires Fazion

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    7. Olá Paula!! Sou da cidade de Londrina no Paraná e faço Mestrado na Universidade Estadual de Londrina (UEL).. Que bacana!! Você pesquisa exatamente o que? Nossa, que legal! Não conheço esse evento, mas fiquei muito interessada.. Gostaria muito de trocar figurinhas!! Vou te adicionar no facebook! Muito obrigada pelo contato!
      Abraços
      Heloisa Pires Fazion

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    8. Pesquiso a escolha e o uso do livro didático de História, uma análise discursiva de professoras e alunos (as). Se o evento rolar te dou um toque.
      Até!
      Paula Ricelle de Oliveira

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  7. Boa tarde Mª Juliana 06 de abril 2017 13:34
    Quando observamos a organização do tempo e das informações históricas em um livro didático,vemos que ele traz muita informação para o aluno, inclusive as imagens. Porque,elas são tão pouco exploradas pelo professor, onde muitos passam a folha sem se quer olhar do que se trata?

    Laureniuce C. Lima Paula.

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    1. Boat.tarde! Obrigada pela leitura. Os fatores são diversos, entre eles a formação inicial e continuada e o tempo são preponderantes.

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  8. Victoria Chaves Barbaresco6 de abril de 2017 às 12:26

    Boa tarde Maria Juliana, gostei bastante da sua reflexão a cerca do livro didático. Na sua visão qual a principal dificuldade dos professores em aproveitar melhor o livro didático e como isso pode melhorar?

    Victória Chaves Barbaresco

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  9. Boa tarde! Obrigada pela leitura! Entre as principais dificuldades destaco o tempo destinado ao ensino de historia, a predominancia de um ensino tradicional centrado no texto e a formação inicial e continuada ofertada aos profissionais das redes publicas. Podemos aprofundar as discussões em outros espaços mariajulianafa@gmail.com.

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  10. Abordar esse tema é bastante interessante de modo geral, mas considerando a sua proposta, de que maneira o professor pode tirar isso da teoria e levar para a prática, considerando que os mesmos trabalham o livro didático valorizando apenas a linguagem textual?

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    1. Boa noite! Obrigada pela leitura! Mudando o foco da lingauagem textual para as demais linguagens presentes no livro didatico. Valorizando os documentos. O projeto ainda está sendo implantado, muitos questionamentos ainda estão por responder.

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  11. Boa tarde professora, gostei muito do texto.
    Concordo com o fato de que o livro didático deve ser mais explorado. Contudo, como passar para o meu aluno a ideia que o livro não carrega uma verdade absoluta?

    Ana Lúcia Ferreira Dias

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    1. Boa tarde!
      Obrigada pela leitura!

      Acredito que a crença de que o livro é detentor de verdades absolutas não diz respeito exatamente ao livro didático, mas a forma como o professor o utiliza. Cabe ao professor desconstruir a ideia de que o livro didático, carrega verdades absolutas.

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  12. DIVINA MARTINS 3º período de História7 de abril de 2017 às 19:08

    Boa Noite!Gostei do texto professora, principalmente no que se refere a memorisação do conteúdo o "decoreba", é uma visão errada do aprendizado, além do mais, distancia o aluno da disciplina, o que vocês tem feito para combater essa metodologia tradicionalista?

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