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Maria Geanne

LUZ, CÂMERA E AÇÃO: O ALUNO COMO SUJEITO OPERANTE NO PROCESSO DE ENSINO APRENDIZAGEM, PRODUÇÃO DE DOCUMENTÁRIO
Maria Geanne Matias Gonçalves
Prof. Esp. História URCA

A História é a ciência que influência significativamente a formação do indivíduo, oportuniza pensar o espaço no qual nos encontramos inseridos, consequentemente contribui para a formação da consciência crítica do sujeito, auxiliando-os a construírem seus conhecimentos de forma independente sabendo, “absorver” das teorias que lhes chegam conceitos úteis para o dia-a-dia, para sua formação enquanto pessoa, como afirma Selva Guimarães: “A história tem como papel central a formação da consciência histórica dos homens, possibilitando a construção de identidades, a elucidação do vivido, a intervenção social e praxe individual e coletiva”. (FONSECA, 2005, p.89).
Pensando assim, recorrer a produções fílmicas torna-se um artifício interessante a ser utilizado, é um recurso que possui a capacidade de fomentar a construção do conhecimento histórico, um instrumento através do qual é possível, levar os discentes a perceberem com outros olhares a História, favorecendo a aquisição de um conhecimento, problematizado visto de diferentes maneiras de forma a levá-los a questionamentos, a proporem problemas, ressignificando os conhecimentos já adquiridos.
Uma produção cinematográfica se configura como artefato cultural complexo. Envolve uma ampla gama de processos constitutivos, que perpassam escolhas e possibilidades técnicas, financeiras, culturais e políticas. Esse emaranhado de questões condiciona a produção de uma película, seja industrial ou artesanalmente, e interfere no resultado do trabalho que será observado pelo espectador. (SOUSA, 2012, p. 05).
Verifica-se que a disciplina de História em alguns casos ainda é vista por muitos dos alunos, como algo que lhes soa desinteressante, decorativa, sem utilidade na vida prática. Este representa um desafio para docentes de História, tornar a disciplina atrativa, ajudar o discente a descobrir a importância dos estudos históricos e sua influência no tempo presente.
 Essa posição indica o desconhecimento da importância da História em suas vidas, advém das formas pelas quais o ensino se deu nos últimos anos, onde a História abordada remetia a grandes feitos e heróis que em nada era associada à vida prática e cotidiana do aluno. As imagens nesse momento desempenhavam um papel de confirmação e de diferenciação de classes e importância das pessoas, vejamos como eram tratadas há alguns anos atrás “(...) os organizadores propõem que a imagem visual seja considerada como o lugar de construção e figuração da diferença social”. (MENESES: 2003, p.17).
Quando os próprios alunos conjuntamente com os professores definem e produzem sua própria ferramenta didática, os conhecimentos adquiridos vão além de um entendimento somente do assunto em voga, eles se ampliam e passa a entender questões que dificilmente seriam compreendidas apenas com aulas expositivas, tais como: escolhas temáticas, sequências de cenas, seleção de textos e ideias, roteiros, duração.
O público envolvido foram duas turmas do segundo ano do ensino médio da escola publica, José Alves de Figueiredo, localizada na Cidade de Crato no Ceará, foi identificado pelos professores uma dificuldade de respeito para com a diversidade religiosa presente na escola, pressupôs-se que aquele preconceito advinha da falta de conhecimento e trabalhar essas questões em forma de documentário que ao final pudesse ser debatido com toda a escola, seria uma excelente ferramenta de combate ao preconceito e a ignorância sobre as diferentes práticas religiosas.
Em conversas e planejamentos delimitamos quatro práticas religiosas mais presentes na fala dos alunos e de professores da escola que conhecem bem aquele bairro, sendo elas o Catolicismo, o Protestantismo, Religiões de Matriz Africana (Candomblé e Umbanda) e a Religião do Vale do Amanhecer, que é espiritualista.  Elaboramos também oficinas e rodas de conversa com alunos objetivando prepará-los para a execução do projeto além de fazer com que eles se inteirassem mais de todo o processo que permeia a produção de um documentário.
Previamente foi pedido aos alunos para identificarem locais e praticantes de cada religião, também foi realizado um roteiro de possíveis perguntas que pudesse melhor encaminhar as entrevistas. Foram divididos quatro grupos, cada grupo ficaria responsável por identificar, entrar em contato com os possíveis entrevistados e realizar as entrevistas de uma determinada religião. Após essa etapa do projeto (o trabalho em campo) nos reunimos para encaminhar e começar o processo de edição do documentário.
Nesse ponto do projeto, foram realizados diversos planejamentos e reuniões para escolher e decidir as cenas, as músicas, legendas, sequências e tudo mais que compõe esse processo de produção. Foram delimitadas temáticas centrais para guiar as sequências de entrevistas, a primeira trabalharia a importância da religião na vida dos entrevistados, a segunda trabalharia as especificidades de cada religião, como funcionam, quais os rituais e as práticas, a terceira seria a intolerância religiosa e o respeito e por último a sociedade e a religião. Todos esses tópicos serviram de base para organizar a sequência das entrevistas e a fala dos entrevistados de acordo com a nossa proposta.
 Depois do documentário finalizado, ele recebeu o título de “Cidadania na Fé”, o que significa que cada um tem a liberdade de exercer qualquer que seja a prática religiosa, isso é um direito supremo do cidadão cabendo a cada um apenas respeitar a diversidade.  Foi um trabalho extremamente proveitoso, uma experiência gratificante e enriquecedora, todos tivemos a oportunidade de aprender de uma forma diferente, fugindo um pouco da dinâmica da sala de aula e do ambiente escolar, mas indo a campo, se informando e conhecendo para melhor construir o documentário, além de poderem discutir e refletir conceitos como o de cidadania, identidade, sentirem e refletirem sua ação como sujeitos históricos e atuantes na sociedade.
Nos fez refletir também a importância de inserir novas práticas pedagógicas no ensino de História e na educação como um todo, numa sociedade cada vez mais tecnológica, é relevante inserir esses novos meios e adequá-los a sala de aula.
O vídeo documentário, quando bem trabalhado na educação básica, pode-se tornar uma prática pedagógica com dinâmica própria, capaz de instigar o exercício do pensamento reflexivo, integrando a arte, a cultura, os valores, propiciando, assim a recuperação da autonomia dos sujeitos e de sua ocupação no mundo de forma significativa. (FERNANDES, 2012, p.10).
Para finalizar esse trabalho a escola realizou um pequeno evento para exibir o resultado do trabalho de três meses, foram convidados a se fazerem presentes o corpo gestor da escola juntamente com outros professores e, sobretudo os alunos participantes que puderam dividir com toda a escola o relato dessa experiência em suas vidas e o mais importante ver partir deles o discurso contra a intolerância religiosa, tudo isso nos faz perceber o quanto iniciativas um pouco mais ousadas são importantes para construção do aluno enquanto pessoa e cidadão. Certamente o aprendizado se deu de modo particular para cada um dos mais de cinquenta alunos envolvidos, certamente nem todos os envolvidos mudarão suas atitudes por completo, mas foi plantada em cada um a semente da tolerância e do respeito e as que germinarem será árvores importantes para disseminar um novo modo de ser e perceber o outro em toda a escola.
Em nenhum período da história houve uma única religião em todo o mundo, como também nunca foram dominantes as atitudes de tolerância no passado da história das religiões. A associação entre Estado e igreja é uma dessas formas de intolerância, não deixando, por isso mesmo, uma boa lembrança. A imposição de uma fé como oficial e a consequente exclusão das outras (inclusive com perseguições declaradas) deixou seu rastro perverso no passado. No presente, muitos conflitos continuam sendo alimentado a partir de convicções ou bob a justificativa de crença, como vemos no Oriente Médio ou na Irlanda (SILVA, 2004, p. 02).
Dessa forma nosso objetivo primordial consistiu em diminuir os preconceitos existentes, ajudar os discentes a cultivarem o respeito para com a crença escolhida pelo colega, sempre enfatizando a igualdades entre as religiões e percebendo-as como um elemento significativo na vida. de muitas pessoas, merecendo ser respeitada. “(...) a religião aparece como elemento estruturador e, ao longo da evolução da humanidade, sempre ocupou papel de destaque, sendo muitas vezes causadora de transformações e de revoluções”. (COSTA, 2010, p.14).

Referências
FONSECA, Selva Guimarães. Didática e Prática de Ensino de História: O Ensino de História e a Construção da cidadania. p. 89à 96 4ª. Ed. São Paulo: Papirus, 2005.
SOUZA, Éder Cristiano de. O que o Cinema pode Ensinar sobre a História? Ideias de Jovens Alunos sobre a relação entre Filmes e Aprendizagem Histórica. História e Ensino. Londrina, V.16, n.1, p. 25-39, 2010.
FERNANDES, Márcio Regis. Vídeo Documentário: Instrumento do Ensino-aprendizagem de História. Fortaleza, 2012.
MENESES, Ulpiano B. Fontes. Fontes Visuais, cultura visual, história visual: Balanço provisório. In: Revista Brasileira de História: O ofício do historiador, nº 45. São Paulo, ANPUH, 2003.
SILVA, Eliane Moura da Silva. Religião, Diversidade e valores Culturais: conceitos teóricos e a educação para a Cidadania. Revista de estudos da religião Nº 2/2004/p.1-14. ISSN 1677-1222. PUC, SP, 2004.
COSTA, Flamarion Laba da. Religiões: Algumas Abordagens Teórico Metodológicas. Ed. UNICENTRO. Paraná, 2010.


4 comentários:

  1. Carlos Augusto Portello3 de abril de 2017 às 12:48

    Olá Geane,a respeito do documentário, gostaria de saber como foram as abordagens sobre as diferentes igrejas e religiões. Uma vez que vivenciamos um período em que o debate sobre religião está cada vez mais sendo podado pela sociedade? Uma outra dúvida faz referência ao tipo de software utilizado para edição do documentário? O documentário encontra-se publicado no Youtube?
    No aguardo Carlos Augusto Portello

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    1. Olá Carlos, grata pela pergunta.
      Dentro das abordagens procurou-se primar pela exposição das implicações sociais e culturais de cada prática religiosa, fugindo de modos de convencimento ou mesmo convertimento, voltando-as para as formas de organização, iniciação, motivos que orientam cada comportamento dos praticantes, investigação de possíveis iniciativas de ajuda à comunidade ou outras organizações, preconceitos sofridos e, sobretudo, contribuir para a diminuição dos pré-julgamentos baseados no senso comum bastante presentes dentro da escola. Sobre o tipo de software utilizado para edição do documentário infelizmente não saberei te informar, porque como não dominamos essa área, optamos por assistir as gravações, selecionar as partes que entrariam no vídeo, montar todos os cortes e textos que constariam e levar até um profissional da área. Sim, o documentário encontra-se publicado no YouTube no seguinte link: https://www.youtube.com/watch?v=I6Si0vgOwEg

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  2. Olá Geane, primeiramente gostaria de dizer que adorei seu trabalho e que já tive a oportunidade, e por quê não dizer ousadia, de produzir vídeos com meus alunos. Alguns deles tem centenas e até milhares de visualizações nas redes sociais. Realmente é muito gratificante, tanto para nós professores quanto para os alunos, e o aprendizado é muito concreto, efetivo e marcante. Você teria alguma ideia de como aproveitar melhor os documentários produzidos pelos alunos? De que maneira poderíamos exibir e divulgar esses trabalhos para despertar a satisfação dos alunos produtores?

    Janaina da Silva

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  3. Olá Janaína, grata pelo elogio e pela colocação.
    A parabenizo pela iniciativa acho muito louvável e proveitosa essas variações de modos de aprendizagem, que vão além daquela rotina conteudista. Se possível gostaria que me passasse os links dos seus trabalhos, fiquei curiosa.
    Uma forma que nós utilizamos para levar o material para além dos muros da escola foi fazer intercâmbio com outras escolas da mesma cidade, nós professores sempre temos o contato com pessoas de outras escolas e pode ser organizada essa troca de conhecimento, esse documentário foi também apresentado em um evento na Universidade Regional do Cariri.
    Cada turma de aluno envolvida vai apresentar uma reação diferente diante dos resultados alcançados, uma forma que encontramos foi utilizar o senso de competitividade que é bem aguçado na adolescência, e os levar para apresentarem o resultado dos seus esforços em outras escolas, nesse momento era nítido a euforia e orgulho no olhar de cada um diante das críticas construtivas impulsionadoras e elogios de outra equipe e colegas de outra instituição.

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