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Marcelo Fronza

AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS E AS IDEIAS DE JOVENS ESTUDANTES SOBRE A CONQUISTA DA AMÉRICA A PARTIR DO CONFLITO ENTRE EUROPEUS E INDÍGENAS
Prof. Dr. Marcelo Fronza*
UFPR

Introdução
Pesquiso as ideias históricas dos estudantes por meio das histórias em quadrinhos a partir da epistemologia da história. Este trabalho é produzido a partir do grupo de professores historiadores ligado ao Laboratório de Pesquisa em Educação Histórica (LAPEDUH/UFPR) e faz parte do projeto de pesquisa Os jovens e as ideias de verdade histórica e intersubjetividade na relação com as narrativas históricas visuaisvinculado ao Grupo Pesquisador Educação Histórica: Didática da História, consciência histórica e narrativas visuais (GPEDUH/UFMT/CNPq).
Insere-se no conjunto de pesquisas relativas à linha de investigação ligada à cognição histórica situada (SCHMIDT, 2009, p. 22), que tem como princípios e finalidades a própria ciência da História e servem de embasamento à área de pesquisa da Educação Histórica, um campo de investigação que estuda as ideias históricas dos sujeitos em contextos de escolarização, de tal forma que é estruturada por pesquisas empíricas que dialogam com a teoria da consciência histórica (RÜSEN, 2001, 2012).
Com isso, investigo as ideias históricas de jovens estudantes graduandos do curso de Licenciatura em História da Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, Brasil, sobre os conflitos entre europeus e indígenas durante a conquista da América, que teve lugar em torno de 1492 e 1550, quando confrontados por duas narrativas históricas gráficas sobre este tema histórico. Busco compreender como esses jovens se orientam temporalmente a partir da dimensão sofrimento humano do outro narrado por esses artefatos da cultura histórica.

As histórias em quadrinhos como artefatos da cultura histórica dos jovens estudantes
As histórias em quadrinhos são narrativas históricas visuais que permitem a investigação de como os jovens percebem, interpretam e se orientam e se motivam historicamente no fluxo temporal entre o passado, o presente e as expectativas de futuro. Ao instigar a compreensão histórica dos estudantes, essas narrativas possibilitam que os jovens construam historicamente os seus posicionamentos políticos, estéticos, cognitivos e éticos perante os desafios que enfrentam em sua práxis vital (RÜSEN, 2007).
Dessa maneira, é possível dizer que os jovens estão imersos no presente e entendem suas experiências como um modo da vida prática do seu presente. Isto, de modo que a sequência temporal da cronologia ou da linearidade não fornece significado ou sentido de orientação algum, quando estes sujeitos entram em contato com os artefatos da cultura histórica. Mas as histórias em quadrinhos, na sua relação direta com o jovem ― portanto, sem a mediação da sequência temporal abstrata imposta pela cultura escolar contemporânea ―, produzem estes significados e sentidos históricos.
Uma das formas de se superar o autoritarismo do ensino de História dominante na cultura escolar seria ordenar o tempo. Mas devo considerar como ordenar a temporalidade sem utilizar a sequência temporal escolarizada.
Isso se torna possível quando o tempo é temporalizado, isto é, quando uma narrativa fornece ao presente um passado em que os jovens possam aprender sobre sua práxis socal. A aprendizagem histórica ocorre quando estes jovens, em um segundo momento, percebem a diferença entre as experiências do passado e as do presente. Segundo Rüsen (2007, p. 109), isto acontece, quando os sujeitos, em contato com as “fontes da tradição”, tais como os as histórias em quadrinhos, percebem o outro como um “estranho” que é narrado, como um personagem relacionado à alteridade do passado. Isso pode gerar o aumento da “capacidade de empatia” nos jovens e a disposição para compreender a “particularidade de sua própria identidade histórica”, que revela sua alteridade em relação aos outros sujeitos, os quais possuem orientações que ele adota ou se confronta no processo de consolidação intersubjetiva de sua identidade.
Compreendo que são os valores presentes nas narrativas históricas que permitem o auto-reconhecimento nos jovens. Os valores são aqueles elementos morais, políticos, estéticos, cognitivos e ideológicos que possibilitam o envolvimento dos jovens com o passado.
Não é uma linha temporal abstrata que faz com que o jovem envolva a sua identidade histórica em formação com o passado de outros seres humanos, mas sim o reconhecimento ético da diferença entre os valores do outros homens do passado com os valores que os jovens enfrentam na alteridade presente na vida prática contemporânea. Assim, a continuidade do fluxo temporal entre passado, presente e futuro é compreendida pelo jovem.
Tendo isso como princípio, neste trabalho proponho uma investigação sobre a compreenção histórica que os jovens estudantes têm do confronto entre uma narrativa histórica gráfica italiana e um capítulo de livro didático de história organizado estética e didaticamente como uma história em quadrinhos, que foi muito utilizado no Brasil, nas escolas públicas, durante as décadas de 1970 e 1980.

Investigação sobres ideias de jovens estudantes sobre a conquista da América
Partindo desse princípio teórico, defini como público alvo dessa pesquisa um grupo de 4 estudantes, com idades de 21 a 30 anos, do terceiro ano do curso de licenciatura em História da Universidade Federal de Mato Grosso, em Cuiabá, Mato Grosso, Brasil. Para isso, produzi um instrumento de investigação baseado nos critérios metodológicos da pesquisa qualitativa (LESSARD-HÉBERT, GOYETTE & BOUTIN, 2005). Os jovens dessa universidade pública foram investigados em 20 de junho de 2016. A referida turma é composta por 11 estudantes. No entanto só 5 estavam presentes no momento da aplicação do instrumento e uma não entregou até os dias da redação deste artigo. Os nomes são fictícios e baseados em personagens históricos já quadrinizados. Posteriormente, no dia 27 de junho, o restante da turma recebeu o instrumento de investigação, mas ainda não recebi os questionários. A proposta inicial desta investigação seria pesquisar as ideias históricas de estudantes do ensino médio da rede pública de Mato Grosso. Contudo, desde o início de junho de 2016, as escolas públicas estraram em greve devido à tentativa, da parte do governo estadual, de privatização da gestão e dos serviços dos estabelecimentos escolares, o que gerou um movimento de ocupação estudantil desses espaços, além da paralisação dos professores estaduais.
Esse instrumento de investigação contêm questões diretas e abertas relativas ao confronto de fragmentos de cinco páginas de duas histórias em quadrinhos que têm a pretensão da abordar didaticamente, a partir de critérios historiográficos, a temática dos conflitos entre os europeus e os indígenas ocorridos durante a conquista da América (1492 até 1550).
A primeira narrativa histórica gráfica, a versão A, denominada Conquista e colonização da América é um capítulo do livro didático organizado como história em quadrinhos História Geral: história para a escola moderna (CASTRO & ZALLA, 1971) escrito pelo historiador brasileiro Julierme de Abreu e Castro e desenhado pelo quadrinista argentino Rodolfo Zalla.

VERSÃO A



CASTRO, Julierme de Abreu e; ZALLA, Rodolfo. História Geral: História para a Escola moderna. São Paulo, IBEP, 1971, p. 237.

Os livros didáticos de Julierme organizados como histórias em quadrinhos apresentam uma concepção de ensino de história na qual a abordagem se relaciona à prática da memorização e da retenção de informações pontuais a partir de uma narrativa quadripartite genérica que se apresenta como uma história total, mas uma história eurocêntrica. Essa concepção de um ensino objetivo está relacionada a uma compreensão da história como conhecimento objetivo tradicional.

VERSÃO A

CASTRO, Julierme de Abreu e; ZALLA, Rodolfo. História Geral: História para a escola moderna. São Paulo, IBEP, 1971, p. 241.

O estilo didático dos livros didáticos de História de Julierme, a partir das histórias em quadrinhos de Zalla, dispõe os textos de forma a deviar a atenção do leitor em relação à narrativa histórica tematizada, já que a imobilidade das imagens somadas ao excesso de informação escrita faz valorizar as concepções eurocêntricas em relação aos conflitos entre indígenas e europeus durante a conquista da América. Isto porque estas visões eurocêntricas reconhecem somente as ações dos conquistadores. É perceptível, no entanto, verificar como os elementos estéticos de uma narrativa histórica gráfica, podem, por meio da imagem, potencializar as possibilidades de desenvolvimento do aprendizado histórico, mas ao mesmo tempo, a limitação das características estéticas relativas ao texto pode se contrapor e atenuar ao poder imaginativo das imagens. Mesmo com essas limitações históricas e didáticas, o livro didático de Julierme e os quadrinhos de Zalla marcaram uma geração inteira de estudantes brasileiros.
A orientação temporal é uma categoria vital da epistemologia da História que deve ser trabalhada livros didáticos de História e nas histórias em quadrinhos. Contudo, mesmo que um livro didático de história organizado como história em quadrinhos se apresente sem uma análise aprofundada de sua natureza estética não quer dizer que os jovens que os lêem não desenvolvam uma aprendizagem histórica elaborada.
A segunda narrativa histórica gráfica presente no instrumento de investigação, a versão B, chamada Colombo (ALTAN, 1989) roteirizada e desenhada pelo quadrinista italiano Francesco Tulio Altan é uma história em quadrinhos que busca a reconstrução do conhecimento histórico por meio de uma contra-narrativa pautada em uma consciência histórica crítico-genética e iconoclasta sobre os conflitos entre os indígenas e os europeus no tempo da conquista da América.

VERSÃO B


ALTAN, Francesco Tulio. Colombo.Porto Alegre/São Paulo: LP&M Editores, 1989, p. 71.

Essa história em quadrinhos narra o processo de violência sofrida e resistência praticada pelos indígenas nos primeiros contatos culturais proporcionados pelas primeiras viagens do explorador europeu Cristóvão Colombo ao novo continente. A dimensão do sofrimento humano narrada nesta história em quadrinhos pode permitir aos jovens estudantes a expansão da intersubjetividade que é o principal parâmetro para a aprendizagem histórica significativa. Ela diz respeito à ampliação da capacidade de comunicar e articular memórias históricas por meio da formação da identidade dos sujeitos.


 
VERSÃO B


ALTAN, Francesco Tulio. Colombo.Porto Alegre/São Paulo: LP&M Editores, 1989, p. 84.

Seguindo os critérios de Peter Lee (LEE; ASHBY, 2000; LEE, 2006), essas histórias em quadrinhos procuram controlar anacronismos em relação aos sujeitos e às situações do passado representadas.
A partir disso, apresento duas perguntas voltadas para respostas diretas e abertas. A primeira é uma questão argumentativa referente as possíveis diferenças entre as versões A e B. Esta questão foi inspirada na teoria de Robert Martin (1993) e nas investigações de Peter Lee (LEE & ASHBY, 2000; LEE, 2006) e de Isabel Barca (2000) e buscava detectar as diferenças nas concepções de verdade que os jovens observaram nas duas histórias em quadrinhos confrontadas. A questão a ser abordada é: “Você percebe alguma diferença entre as versões A e B? Qual (is)?”.  
A questão referente a se os jovens percebem alguma diferença entre as versões foi respondida positivamente por todos sujeitos investigados. Assim, no quadro 1, os jovens mobilizaram categorias quando justificaram suas respostas a partir das três operações da consciência histórica (RÜSEN, 2001):
QUADRO 1 – DIFERENÇA ENTRE AS VERSÕES
Operações mentais
Categorias mobilizadoras


Experiência histórica
Fatos sobre diversos territórios
Grandes figuras (heróis)
Situações cotidianas
Relações
Encontros
Etnocentrismo
Diferenças culturais

Interpretação histórica
Comparação estética realista sobre o passado
Comparação estética sobre o passado

Orientação histórica

Relação com a interculturalidade

1.      A experiência histórica
A operação mental da experiência histórica foi explicitada por todons os jovens investigados nesta questão. Podemos citar dentre as experiências do passado citadas por esses sujeitos os fatos relativos aos diversos territórios narrados na versão A, a desconstrução dos heróis e a dimensão do cotidiano promovidas pela versão B. Tambem relataram a importância das relações, dos encontros entre indígenas e europeus, e que essas experiências passadas se apresentavam nas diferentes versões em quadrinhos seja de uma forma eurocêntrica, seja a partir das diferençãs culturais. É importante notar que essas experiências históricas foram claramente mobilizadas pelas operações mentais da interpretação histórica, predominantementwe pela dimenção estética da cultura histórica (RÜSEN, 2009) e da orientação história a partir do princípio da interculturalidade (RÜSEN, 2014).
2.      A interpretação histórica
A forma de gerar significação histórica por meio da operação mental da interpretação histórica foi explicitamente abordada por três jovens a partir das seguintes categorias:
2.1.Comparação estética realista sobre o passado
Uma estudante mobilizou essa categoria articulando elementos estéticos e realistas da interpretação histórica.
“Sim. Tendo a versão A uma abordagem mais expositiva referente a fatos sobre diversos territórios e, na versão B, um olhar mais voltado para o humor, não se apegando a nomes de grandes figuras, mas procurando mostrar fatos ‘realistas’ do cotidiano.” (Marjane – 21 anos – Cuiabá).
Marjane, ao compreender que a versão A se propõem a abordar de modo mais expositivo as experiências do passado relativas aos diversos territórios compreendeu bem a estética realista tradicional proposta peo capítulo A conquista e colonização da América escrita por Julierme de Abreu e Castro e desenhada por Rodolfo Zalla. A forma como essa narrativa didática expõe as experiências se dá pela apresentação dos diversos tipos de conquista e colonização que os europeus realizaram na América no forma de uma conhecimento objetivo tradicional (BARCA, 2000).
Contudo, Marjane também entendeu que a versão B, a partir dimensão estética do humor, deslegitima as histórias dos grandes heróis da conquista América (“não se apegando a nomes de grandes figuras”) em prol da siginificação histórica de experiências do passado mais realistas pautadas no cotidiano dos sujeitos comuns. Ela compreende que a história em quadrinhos Colombo, de Altan é uma contra-narrativa pautada numa consciência histórica crítica em relação às interpretações históricas tradicionais sobre o período.
2.2.Comparação estética sobre o passado
Essa categoria foi mobilizada por dois estudantes quando perguntados sobre as diferenças entre as duas histórias em quadrinhos.
“Sim. Há diferença no estilo literário, no estilo do desenho e na forma como são apresentadas as relações.” (Manolo – 30 anos – Cuiabá).
“Sim. Uma é mais séria e a outra é uma caricatura do encontro” (Miguel – 25 anos – Cuiabá).
A resposta de Manolo se refere a como as relaçoes humanas ocorridas durante a conquista da América apresentam três níves de interpretação estética. A primeira está no estilo literário de ambas as histórias em quadrinhos; a segunda no estilo do desenho; e a terceira na forma de interpretação das experiências do passado. Esse estudante  percebe  o estilo didático da versão A de Julierme e o estilo contranarrativo iconoclástico da versão criada por Altan.  
Já Miguel também nota que a dimensão estética influencia a forma de interpretação do passado, pois considera a versão A como séria e a versão B como uma caricatura da história do encontro entre europeus e indígenas. Esses estudantes compreendem que a dimensão estética da cultura histórica mobiliza formas diferenciasdas de interpretação da relidade passada. Os jovens perceber que é possivel interpretar no histórico, o estético das formas de apresentação (RÜSEN, 1994).
3.      A orientação histórica
A forma que os jovens orientam o sentido temporal foi revelada em uma das respostas dos estudantes a partir da seguinte categoria:
3.1 Relação com a interculturalidade
A categoria relativa à interculturalidade foi a que mobilizou a forma de orientação temporal percebida por um jovem.
“Sim. [Na versão] A, a insistência no eurocentrismo, e a outra [a versão B] aborda mais as diferenças culturais.” (Jacob – 22 anos – Cuiabá).
Para Jacob a interculturalidade se expressa nas diferentes forma de orientação temporal expressas pelas histórias em quadrinhos. Na versão A, o capítulo didático de Julierme, esse estudante percebe o predomínio de relações etnocêntricas da narrativa gráfica. O que é interressante, é que no confronto com a versão B, de Altan, ele compreende as diferenças culturais são as chaves de leitura para se compreender o encontro entre indígenas e europeus na América e, portamto, reconhece como válidas as perspectivas históricas dos outros reconstruindo uma multiperspectividade humanista (RÜSEN, 2012).
A segunda questão argumentativa busca comprender as ideias históricas que esses joves estudantes operam quando quando confrontam o princípio da interculturalidade. A questão foi fundamentada na teoria do novo humanismo vinculada aos conceitos de intersubjetividade e interculturalidade (RÜSEN, 2014, 2015). Com ela busco compreender se os jovens graduandos de Cuiabá entendem ou não se os conflitos são chances de comunicação intercultural que se fazem valer. Portanto a questão é: “Considerando as narrativas das versões A e B, como você compreende que devem ser as relações com os indígenas do Brasil e da América? Por quê?”.
A questão a como os jovens commpreendem que devam ser  com os indígenas no Brasil e na América, a partir das narrativas de Julierme Castro (versão A) e Altan (versão B) levou à redução de dados a partir do no quadro 3, que expressa como esses sujeios mobilizaram categorias quando justificaram suas respostas a partir das dois princípios relativos ao novo humanismo de Rüsen (RÜSEN, 2012, 2014):
QUADRO 3NOSSA RELAÇAO COM OS INDÍGENAS NO BRASIL E NA AMÉRICA
Operações mentais
Categorias mobilizadoras

Experiência histórica

Relações do passado com o presente

Interculturalidade
Relações de exploração
Relações de reconhecimento

7.      A experiência histórica
A forma como a contingência do passado se expressa pela experiência histórica foi expressa a aprtir de uma categoria.
7.1.  Relações do passado com o presente
Um jovem expressõou o princípio da experiência histórica quando perguntado sobre como deveria ser as relações com os indígenas no Brasil e na América.
“Devem ser analisadas e compreendidas a partir de uma visão do período e contrapor essas relações com o presente” (Jacob – 22 anos – Cuiabá).
A experiência histórica é o um princípio humanista que permite compreender as diferença entre o antes e o depois a partir da contingência histórica. Para Jacob as relações com os indígenas devem ser vistas em sua perspectiva experiencial, pois devem ser compreendidas por meio das perspectivas do período, e destacada essa diferença temporal, confrontar com as contextualizações históricas do presente. A contingência histórica exprime uma compreensão sobre a dimensão do sofrimento humano, que será abordada na categoria seguinte (RÜSEN, 2012).
8.      A interculturalidade
O princípio da interculturalidade enquanto compreensão empática em relação ao outro se revelou presente em duas categorias;
8.1.  Relações de exploração
Dois jovens expressaram se por meio da categoria ligada ás relações de exploração nas relações com os índígenas no Brasil e na América.
“Uma relação de exploração. Porque os indígenas foram explorados e exterminados” (Miguel – 25 anos – Cuiabá).
“A relação apresentada na versão A se coloca por confrontos diretos, dominação e a escravidão imediata, tendo pressão da parte dos colonizadores. Na versão B, uma abordagem mais ‘relaxada’  tanto da parte dos nativos quanto pelos próprios portugueses.” (Marjane – 21 anos – Cuiabá).
Para Miguel o que marcou as relações entre os europeus e brasileiros com os indígenas foram as relações de exploração por meio da dominação e do extermínio desses sujeitos. Também Marjane comnpreende que as histórias em quadrinhos permitem entrever os conflitos e as disposições humanas. A dimensão do sobremento humano fé o elemento que marca as relações entre indígenas e europeus. Para ela, em A conquista e colonização da América, de julierme de Castro e Rodolfo Zalla, os confrontos diretos, a dominação e a escravidão são formas etnocêntricas de dominação dos indígenas. Na verssão de Altan, Colombo, ela aponta para uma visão mais “relaxada” dos povos indígenas e dos portugueses nas suas relações. Para ela, as lutas pelo reconhecimento sustentam conflitos culturais contemporâneos (RÜSEN, 2014).
8.2.  Relações de reconhecimento
Um jovem expressou-se por meio desta categoria ao entender o reconhecimento entre os sujeitos como a base das relações com os indígenas.
“As relações com os indígenas devem ser as mais comuns possíveis, pois são pessoas como nós, os não indíos, respeitando a diversidade cultural de cada um.” (Manolo – 30 anos – Cuiabá).
Para Manolo, as relações com os povos indígenas devem ser comuns, pois o que rege a compreensão deste jovem é o princípio da humanidade e da reciprocidade entre os sujeitos. Isto porque, para ele, os indígenas “são pessoas como nós”, o qeu levam ao reconhecimento das diversas perspectivas tem uma em relação à outra. Nesse sentido, Manolo compreende que intersubjetividade internaliza, nos estudantes, o princípio da humanidade em suas próprias biografias em relação com as dos outros no tempo e no espaço (RÜSEN, 2012). Entende como possíveis as chances de comunicação intercultural, pois as culturas aprendem umas das outras e se modificam no relacionamento mútuo, se interpenetram, delimitam-se umas em relação às outras, combatem-se (RÜSEN, 2014, p. 296).

Considerações finais
Como conclusão, é possível verificar se estes jovens estudantes entendem, a partir do contronto narrativos dessas interpretações históricas quadrinizadas, que alguns dos elementos fundamentais desses artefatos da cultura histórica, como o humor e sua estrutura narrativa, por exemplo, facilitam muito a apreensão do conhecimento histórico elaborado de um modo intersubjetivo e humanista.
Considerando que as experiências investigativas explicitadas buscam seguir como critério os princípios de uma cognição histórica situada na epistemologia da História e na teoria da consciência histórica que demarcam parâmetros para a construção da interculturalidade nos processos de formação docente em História, aponto a título de conclusão algumas breves reflexões sobre esse tema.
Ainda não é possível apresentar algum resultado sólido sobre investigações realizadas pelos estudantes de História no Mato Grosso. Mas uma constatação já é possível: os estudantes em formação na universidade percebem que a multiplicidade das experiências do passado pode ser internalizada por meio dos testemunhos fornecidos pelas evidências construídas a partir de fontes como histórias em quadrinhos, seriados, filmes, músicas que dizem respeito aos sujeitos envolvidos. Portanto, perceberam que a operação da experiência histórica mobiliza o autoconhecimento que constitui a identidade histórica dos jovens.
Verificou-se que as operações mentias da consciência histórica expressam sim as diferentes formas de abordagem em relação à multiperspectividade das experiências históricas, à controvérsia das interpretações e à pluralidade de formas de orientação de sentido no tempo que constituem as relações intersubjetivas e interculturais no processo de formação histórica da humanidade na qual a iniciação docente está intimamente ligada. E isso vale para o processo de formação docente. Essa consciência possibilita, sim, a construção de critérios humanistas e intersubjetivos que forneçam princípios para a formação de uma identidade histórica baseada na interculturalidade, ou seja, no reconhecimento mútuo das diferenças regidas por uma alteridade igualitária.

Referências bibliográficas
ALTAN, Francesco Tulio. Colombo. Porto Alegre/São Paulo: LP&M Editores, 1989.
BARCA, Isabel. O pensamento histórico dos jovens: idéias dos adolescentes acerca da provisoriedade da explicação histórica. Braga: Universidade do Minho, 2000.
CASTRO, Julierme de Abreu; ZALLA, Rodolfo. História Geral – História para a Escola Moderna. São Paulo: IBEP, 1971.
LEE, Peter; ASHBY, Rosalyn. “Progression in historical understanding among students ages 7-14”. In: STEARNS, Perter N.; SEIXAS, Peter; WINEBURG, Sam (eds.). Knowing, teaching and learning History: national and international perspectives. New York: New York University Press, 2000, p. 199-222.
LEE, Peter. “Understanding History”. In: SEIXAS, Peter (ed.). Theorizing historical consciousness. Toronto/Buffalo/London: University of Toronto Press, 2006, p. 129-164.
LESSARD-HÉBERT, Michelle; GOYETTE, Gabriel; BOUTIN, Gérald. Investigação qualitativa: fundamentos e práticas. Lisboa: Instituto Piaget, 2005.
RÜSEN, Jörn. A razão histórica: Teoria da história: os fundamentos da ciência histórica. Brasília: UnB, 2001.
______. História viva: Teoria da História III: formas e funções do conhecimento histórico. Brasília: UnB, 2007.
______. “¿Qué es la cultura histórica?: Reflexiones sobre una nueva manera de abordar la historia.” Cultura histórica, 1994. [Versión castellana inédita del texto original alemán en K. Füssmann, H.T. Grütter y J. Rüsen, eds.. Historische Faszination. Geschichtskultur heute. Keulen, Weimar y Wenen: Böhlau, pp. 3-26]. Disponível em: http://www.culturahistorica.es/ruesen/cultura_historica.pdf, 2009. Acesso em: 01 nov. 2010.
______. Aprendizagem histórica:Fundamentos e paradigmas. Curitiba: W. A. Editores, 2012.
______. Cultura faz sentido:orientações entre o ontem e o amanhã. Petrópolis: Vozes, 2014.

______. “Formando a consciência histórica – para uma didática humanista da história.” In.: SCHMIDT, Maria Auxiliadora; BARCA, Isabel; FRONZA, Marcelo; NECHI, Lucas Pydd (orgs.). Humanismo e didática da história (Jörn Rüsen). Curitiba: W. A. Editores, 2015, p. 19-42.
SCHMIDT, Maria Auxiliadora. “Cognição histórica situada: que aprendizagem é esta?” In: SCHMIDT, Maria Auxiliadora; BARCA, Isabel. Aprender História: perspectivas da Educação Histórica. Ijuí: Unijuí,  2009, p. 21-50.

Notas:
* Doutor em Educação pela Universidade Federal do Paraná
Professor Doutor da Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT
Coordenador do Grupo Pesquisador Educação Histórica: Didática da História, consciência histórica e narrativas visuais (GPEDUH-UFMT)
Investigador do Laboratório de Pesquisa em Educação História (LAPEDUH-UFPR)


8 comentários:

  1. Professor analisando seu texto e pensando na formação dos educadores, acredita que a preparação dos professores atualmente, é capaz de habilitar para essa estrutura de ensino? Ou essa formação tem que partir de desejos individuais de transformação e aprimoramento da aprendizagem de nossos alunos?
    Sandra Márcia Giaretta

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  2. Bom dia, professora Sandra...

    Infelizmente atualmente temos poucas políticas públicas voltadas para a formação dos professores. No entanto, não somente os desejos individuais de transformação da aprendizagem dos alunos estão a disposição dos professores. Existes eventos, projetos de extensão, projetos de pesquisas que desenvolvem a relação que desenvolvem a possibilidade de que o professor historiador da educação básica investigue sua prática e melhore a aprendizagem histórica dos alunos. Investigações que se baseiam em narrativas visuais como as histórias em quadrinhos, games, sites de internet, redes sociais estão propondo esse diálogo entre a cultura escolar, a cultura histórica e a cultura juvenil dos estudantes da escola pública brasileira.

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  3. Boa Noite Dr Marcelo, é o Prof Sergio de Curitiba
    Dr. Fronza , dentro de sua analise de dados qual foi o modelo pictórico que mais apresentou impacto positivo em sua junto a jovens estudantes dentro da proposta de seu trabalho, a versão ”A“ onde éram apresentados um conjunto de desenhos com figuras clássicas tanto de paisagem como dos seres humanos contra a versão “B” que apresenta características de caricaturas tento dos indivíduos quanto das paisagens.

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    1. Boa noite, professor Sérgio

      Segundo os dados empíricos da investigação verifiquei que a versão B Colombo, de Altan, é a que mobilizou mais os jovens em relação a uma consciência histórica crítico-ontogenética, pois ela abordou os conflitos entre indígenas e europeus na perspectiva nos primeiros. Além disso é uma história em quadrinhos underground que aposta na ousadia estética pautada no humor para provocar o leitor. Já a história em quadrinhos de Julierme, a versão A é um capítulo de um livro didático que incorpora a interpretação eurocêntrica e pautada numa consciência histórica tradicional desse conflito cultural.Portanto creio que a versão B mobilizou nos jovens estudantes a expressão de concepções mais humanistas e interculturais da relação com os indígenas a parir da ideia de reconhecimento mútuo.

      Um abraço enorme sérgio....

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  4. Aline Ferreira Antunes7 de abril de 2017 às 07:28

    Olá professor Marcelo,
    Obrigada pelo texto.
    Gostaria de saber se o senhor teria contribuições teórico metodológicas para sugerir a respeito de questões raciais, teorias raciais a partir das HQ’s. Eu pesquiso o personagem de fumetti Tex Willer e no mestrado abordo os tipos raciais presentes nestas revistas.

    Agradeço.
    Aline Ferreira Antunes

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    1. Bom dia, professora Aline,

      Seu eu quem agradeço pela sua leitura.

      Adorei a temática de sua pesquisa. Tem muito a ver com as problemáticas que estou perseguindo por meio da análise de como as histórias em quadrinhos mobilizam a orientação e motivação histórica de jovens estudantes. existem algumas excelentes obras sobre essa temática do racismo. Infelizmente duas delas estão em inglês. Felizmente a outra está em português. São elas: MILLER, Ann. Reading Bande Dessinée: Critical aproaches to French-language Comic strip. Chicago: University of Chicago Press, 2008;
      McKINNEY, Mark (ed.). History and políticsin French-Language Comics and Graphic Novels.Jackson: University Press of Mississipi.

      Vale a pena gastar seu rico dinheirinho na AMAZON com esses livros, pois eles podem te ajudar muito.

      Existe um excelente artigo sobre a dimensão racial dos X-Men que se situa muito bem com seu tema de investigação:

      SANTIAGO JÚNIOR, Francisco das Chagas F.IMAGENS DE RAÇA E TERROR RACIAL NOS COMICS: X-MEN, ESPAÇOS DA DIFERENÇA E IMAGINÁRIO NORTE-AMERICANO. Fênix – Revista de História e Estudos Culturais
      Janeiro - Junho de 2013 Vol. 10 Ano X nº 1.

      link: www.revistafenix.pro.br

      Espero que essas obras te ajudem. Elas sugerem possibilidades teóricas e metodológicas para a investigação das temáticas relativas ao racismo em relação às histórias em quadrinhos a parir de perspectivas historiográficas de qualidade.

      Beijos e divirta-se Aline

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  5. Olá Dr. Marcelo

    Como estabelecer estratégias específicas para uso de História em Quadrinhos para adolescentes dos anos finais do Ensino Fundamental, na disciplina de História?

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  6. Julio Junior Moresco7 de abril de 2017 às 19:09

    Olá Dr. Marcelo

    Como estabelecer estratégias específicas para uso de História em Quadrinhos para adolescentes dos anos finais do Ensino Fundamental, na disciplina de História?

    Julio Junior Moresco

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