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Maikel Schneider

HISTÓRIA REGIONAL: ESTUDO DE MÚLTIPLAS DEFINIÇÕES
Maikel Gustavo Schneider
Mestrando em História UPF

Desde a obra de Braudel, em 1949, intitulada “El Mediterráneo y el mundo del Mediterráneo en la época de Felipe II”, que se transformou como parâmetro para os estudos regionais da segunda geração da Escola de Annalles, inúmeros pesquisadores apresentaram-se trazendo características acerca dos estudos que carregam cunho regional.
Diante do texto de Van Young (1987), onde o autor afirma que geralmente aqueles que trabalham com história regional não especificam o que entendem por região, buscaremos tecer alguns breves comentários acerca dessa temática, apresentando conceitos de autores que foram aleatoriamente escolhidos. Nosso objetivo na presente escrita não é impor uma concepção em detrimento de outras. Mas, sim, demonstrarmos sucintamente aspectos relevantes da história regional e a importância do seu ensino, estudo e pesquisa.
Em prelúdio, a propagação da história regional coincidiu com o advento da Escola de Annales, uma vez ela estabeleceu fronteiras interdisciplinares com a Demografia e Geografia. No que concerne ao Brasil, após 1970, as abordagens e enfoques na pesquisa regional ampliaram-se e foram conquistando novos adeptos aos estudos que estabelecem um recorte espacial como objeto.
Para os pesquisadores que optavam pela abordagem da história regional, ela “[...] oferecia a possibilidade de comparação entre diferentes situações históricas, contribuindo para a produção de uma síntese, a nível macro-espacial, uma vez que cada região não poderia ser vista deslocada do todo em que se encontrava inserida” (VISCARDI, 1997, p. 85).
A sua origem encontra-se na oposição dos modelos que buscavam mostrar a homogeneidade de estruturas locais a partir de estudos gerais. Os estudos históricos no âmbito regional são “manifestações de um tempo que recusa as ditas concepções hegemônicas, tentando resguardar particularidades e especificidades locais como maneira de confirmar ou refutar as grandes sínteses até agora impostas como válidas para todas as realidades históricas” (RECKZIEGEL, 1999, p. 21).
Entretanto, a maior dificuldade dos estudiosos que encaravam esse novo modelo de pesquisa era a definição de região, uma vez que “[...] no existe una región verdadera, sino tantas regiones como objetivos de estudio se tengan” (CHIARAMONTE, 2008, p. 07).
Com o decorrer dos anos, vários pesquisadores debruçaram-se em oferecer uma definição segura sobre região. Nesse sentido, encontramos o trabalho de Maria Rosa Carbonari onde a autora assevera que:
cada región será entendida en su totalidad a través de los procesos de base material que resultan de la interaccíon entre el hombre y el medio que transforma lo natural construyendo uma “segunda naturaleza”. El estudio de la región será, entonces, el de las relaciones constituidas históriacamente entre ese sub-espacio y el contexto mayor que lo posibilita y da sentido. El espacio regional, no es, por tanto, un espacio fijo, sino un espacio social con conjuntos heterogéneos en continua interacción. Es testimonio del passado que actúa sobre el presente y condiciona el futuro. (CARBORNARI, 2009, p. 28)
Nesse sentido, explica a autora que a região é concebida como resultado de múltiplas determinações, caracterizando-se através de uma natureza transformada por meio de diversas heranças culturais e materiais, além de uma estrutura social ali inserida. Ademais, a região pode ser vista como a realização de um processo histórico generalizado em um quadro territorial menor, onde o geral e o particular se combinam (CARBORNARI, 2009, p. 28).
Na mesma linha, Santos também observa essa influência entre o geral e o particular quando argumenta que “estudiar una región significa penetrar en un mar de relaciones, formas, funciones, organizaciones y estructuras, con sus más diversos niveles de interacción y contradicción” (SANTOS, 1996, p. 46).
Além disso, no entendimento de Amado (1990), podemos afirmar que a história regional proporciona novos olhares sobre os estudos de cunho nacional, apresentando questões fundamentais a partir de um ângulo que evidencia o particular e o específico.
Já na concepção de Alfredo Bolsi,
[...] ningún sistema es correcto, ninguno es errado. La región es uma generalización geográfica y esa generalizacíon se realiza em términos de criterios que se seleccionan y tales criterios están en función de un problema estabelecido y objetivo. Existen entonces tantos sistemas regionales como problemas dignos de ser estudiados. (BOLSI, 1992, p. 08 apud CHIARAMONTE, 2008, p. 08).
Assim, a cada novo problema desvendado pelos historiadores, podemos nos deparar com um novo recorte espacial, ou seja, com uma nova região delimitada a fim de facilitar a pesquisa e melhor entender aquela área, seus habitantes e os processos sociais, culturais e históricos da nova região. Outrossim, os estudos regionais guardam sua importância ao analisarem espaços do território nacional que foram pouco pesquisados e estudados.
Por oportuno, imperioso analisarmos ainda o conceito de região nas palavras de Luigi Sturzo:
El concepto de Región puede ser definido, en consecuencia, como un área homogénea que posee características físicas y culturales distintas de las áreas que la rodean. La Región forma parte del dominio nacional, pero mantiene un grado de conciencia que define a sus miembros como un grupo humano unitario, com un distintivo sentimento de identidade cultural. (STURZO, 1947, p. 16 apud CHIARAMONTE, 2008, p. 10)
Essa definição deixa claro que a região possui uma personalidade própria, em que pese esteja ela inserida dentro de uma soberania nacional. Nessa toada, seus membros estão introduzidos em um grupo unitário que carrega um sentimento de identidade cultural, além de diferenciar-se das áreas vizinhas.
Diante de todo o exposto, percebe-se que a definição de região não envolve um termo imóvel, existindo sobre ela múltiplas definições. Outrossim, a história regional não deve atuar como uma comprovação do geral, tampouco ser uma hipótese para explicar o funcionamento global da sociedade. Contudo, “no podemos proponermos un estudio regional sin que se nos imponga al mismo tempo la interrogación sobre la naturaleza del conjunto en el que se integra (CHIARAMONTE, 2008, p. 20), ou seja, a região não pode ser analisada sem o conjunto onde ela encontra-se inserida.
Por tais razões, a história regional pode construir, portanto, uma alternativa válida para superar as visões fortemente centralizadas das historiografias nacionais, derrubando, desta forma, as ditas concepções impostas pela história geral. Além disso, ela pode ser vista como uma forma alternativa de estudo ante o possível esgotamento dos grandes temas, devendo seu método e forma de pesquisa estarem presentes no ensino da história. 

Referências
AMADO, Janaína. História e região: reconhecendo e construindo espaços. In: SILVA, Marcos A. (coord.). República em migalhas: história regional e local. São Paulo: Marco Zero, 1990.
BOLSI, Alfredo S. C. Geografia e historia regional. 1992. In: CHIARAMONTE, José Carlos. Sobre el uso historiografico del concepto de región. Estudios Sociales, ano XVIII, n. 35. Santa Fé, Universidad Nacional del Litoral, segundo semestre de 2008, p. 7−21
CARBONARI, Maria Rosa. Como explicar la región sin perderse en el intento. Repasando y repensando la História Regional. História Unisinos. São Leopoldo, v. 13, nº 1, jan./abr. 2009, p. 19-34.
CHIARAMONTE, José Carlos. Sobre el uso historiografico del concepto de región. Estudios Sociales, ano XVIII, n. 35. Santa Fé, Universidad Nacional del Litoral, segundo semestre de 2008, p. 7−21.
RECKZIEGEL, Ana Luiza Setti. História regional: dimensões teórico-conceituais. In: História:debates e tendências. Passo Fundo: Ediupf, v. 1, 1999, p. 15-23.
SANTOS, MILTON. Metamorfosis del espacio habitado. Barcelona: Oikos, 1996.
STURZO, L. La regione nella nazione. Roma. 1947. In: CHIARAMONTE, José Carlos. Sobre el uso historiografico del concepto de región. Estudios Sociales, ano XVIII, n. 35. Santa Fé, Universidad Nacional del Litoral, segundo semestre de 2008, p. 7−21.
VAN YOUNG, E. Haciendo historia regional: consideraciones metodológicas y teóricas. Anuarios IEHS, 1987, p. 255-300.
VISCARDI, Claudia. História, região e poder: a busca de interfaces metodológicas. Locus: revista de História. Juiz de Fora, v. 3, nº 1, 1997, p. 84-97.



3 comentários:

  1. Prezado Autor,
    Desde já, parabéns pelo texto e pela temática acerca da história regional!
    Minha participação em vossa comunicação é muito mais para colaborar com a discussão proposta.
    Segundo Bourdieu ( O Poder Simbólico), a região é resultado de um processo de di-visão, derivando um movimento de descontinuidade na continuidade natural, traçando fronteiras, um tipo de ato régio, ou seja, ato de circunscrever a região impondo certa definição. Nestes termos, em certos casos, esta divisão ocorre em função da constituição de um Estado centralizado e centralizador que provoca descontentamentos e divisões. Estes apontamento são muito mais para colaborar na discussão sobre as diversas interpretações sobre região.
    Mas, em se tratando da história regional, como foi citado no texto, capaz de ser "uma alternativa válida para superar as visões fortemente centralizadas das historiografias nacionais" e a relação com concepções "impostas pela história geral", gostaria que comentasse um pouco mais sobre a questão.
    Muito obrigado.
    Roberg Januário

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. POR ULYSSES DE PAIVA FALEIROS NETO
    Olá parabéns pelo texto. Trabalho com história regional, além da aplicação em pesquisa, também trabalho com educação regional em minhas aulas. Faço aqui dois apontamentos. O primeiro se refere ao comentário do Roberg Januário. Acredito que a discussão proposta aqui se refere muito mais a uma relação entre a história e geografia e como delimitarmos o que é uma região. Vivenciamos este dilema cotidianamente ao tentarmos delimitar um espaço.
    Agora em relação ao trabalho, senti falta de uma leitura mais profunda do República em Migalhas, lá são oferecidas muitas reflexões que exprimem nossa realidade em vez de realidades distintas de outros países.

    Parabéns mais uma vez.

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