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Luan dos Santos

APRENDIZES DO CONFLITO: O ENSINO DE HISTÓRIA INDÍGENA EM PALMEIRA DOS ÍNDIOS - AL ENTRE DILEMAS
Luan Moraes dos Santos
Graduado em História - UNEAL


Considerações iniciais
Cidade da região agreste do Estado de Alagoas, Palmeira dos Índios é terra proveniente de missão indígena. Localizada a 135 km de Maceió, foi fundada em 1835, emancipou-se politicamente de Anadia em 1889. Atualmente, com 127 anos, tem economia baseada na agropecuária, com predominância do latifúndio. Ao longo de sua história foi um grande produtor de algodão e um dos mais importantes centros comerciais de Alagoas.
Além disso, em Palmeira dos Índios vive o povo Xukuru-Kariri, que habita a região serrana e entornos da cidade. Eles têm suas origens em dois outros grupos indígenas do Nordeste; os Xukuru da antiga vila de Cimbres, atual município de Pesqueira-PE e os Kariri, povo que habitou a bacia do Rio São Francisco e cuja principal área de fixação foi o território que hoje corresponde a Porto Real do Colégio em Alagoas.
Ambos os povos chegaram ao vale que deu origem a Palmeira dos Índios em meados do século XVII e aqui construíram sua história, permeada por conflitos territoriais e pela ressignificação de sua identidade frente aos diversos processos históricos vivenciados em sua luta pela terra e contra a exclusão social (BEZERRA, 2011). A cidade foi erguida sobre seus antigos aldeamentos, seus mortos foram desenterrados e suas feridas expostas e sua identidade cultural, fora desrespeitada.
Atualmente, os Xukuru-Kariri, resultado da união cultural entre os povos que habitavam a região, são mencionados na história de Palmeira dos Índios como seres edênicos e propagandísticos, pois vários comerciantes usaram os índios como atrativo para seus estabelecimentos se aproveitando da associação do nome do município com os índios, como atrativo, na mesma medida em que os comerciantes negam a existência desses indígenas quando da exigência de demarcação, algo que é explicado por Margateh Rago como “[...] discurso assertivo, repetitivo, é uma fala arrogante, uma linguagem que leva à estabilidade acrítica, é fruto de uma voz segura e autossuficiente que se arroga o direito de dizer o que é o outro em poucas palavras” (RAGO, 1999, p. 20).
Esta discussão está ancorada nos conceitos de “etnogênese”  (BANIWA, 2006) e “mistura”  (OLIVEIRA, 1993; 1998), entendendo que comunidades indígenas vêm reafirmando seus laços culturais e tentando resolver os problemas de sua época. A “ressurgência”  (AMORIM, 2003) desses povos acentua a disputa pela memória (POLLAK, 1989), na medida em que se apropriam do conhecimento gerado nas universidades.  Assim, temos a materialização da relação entre o campo acadêmico e as diversas realidades antes relegadas ao esquecimento que influem no ensino-aprendizado na região.
É importante ainda, embasado por Foucault, compreender que o território não é definido apenas fisicamente, mas em suas capilaridades, uma vez que é uma extensão do poder que se faz presente como redes e complexos de fios emaranhados, por onde fluem conflitos e convergências (FOUCAULT, 1979). Assim, questionar o tecido histórico da disputa territorial evidenciando a construção da memória dos Xukuru-Kariri (PEIXOTO, 2013) é também uma forma de dar sentido ao espaço, tornando-o uma territorialidade palpável, formando com ele um estratagema existencial.
Nesse sentido, podemos argumentar que o sistema educacional do município de Palmeira dos Índios (a exemplo do estado e do país), é um território onde a memória entra em disputa. Um lugar de luta, onde a cultura indígena é oprimida, dando lugar a estereótipos que reforçam o sistema dominante e, consequentemente, desprestigiam os índios por não se encaixarem nos padrões perpetuados.

A lei 11645/08: um estudo de caso
Em 2008, o governo federal aprovou a lei 11645 que regulamenta e torna obrigatório o ensino de história dos povos indígenas nas escolas desde os anos iniciais. O intuito, era de que isso revolucionasse o aprendizado, porém nem todos os rincões do Brasil tiveram resultados realmente significativos. Palmeira dos Índios não difere em nada do contexto nacional.
A maior escola da região é a Escola Estadual Humberto Mendes, conhecida nas imediações por oferecer Ensino Médio e pela sua estrutura de grande porte, contanto com um total de 27 salas de aulas, diversos laboratórios, quadra esportiva, piscina e campo de futebol. Os alunos matriculados na instituição são, em sua maioria, oriundos da zona rural e urbana, com renda per capta de até dois salários mínimos. Entre esses alunos encontramos jovens Xukuru-Kariri que cursam o ensino médio regular na escola.
Surgiram então, os problemas que nos levaram a fomentar essa discussão. Mesmo vivendo e estudando em um município cujo nome carrega sua origem indígena e que conta com a existência de 8 (oito) aldeias, esses jovens não se sentem à vontade para se afirmarem como indígenas, deixando-se passar despercebidos entre os demais alunos, pois a disputa territorial e a eminência de embates permeiam seu cotidiano. O professor Edson Silva enfatiza que:
O pouco conhecimento generalizado sobre os povos indígenas está associado basicamente à imagem do índio que é tradicionalmente veiculada pela mídia: um índio genérico, com um biótipo formado por características correspondentes aos indivíduos de povos habitantes na Região Amazônica e no Xingu, com cabelos lisos, pinturas corporais e abundantes adereços de penas, nus, moradores das florestas, de culturas exóticas, etc. (SILVA, 2012, p. 41)
Destarte, o silêncio dos jovens Xukuru-Kariri é um resultado da imagem errônea difundida pela mídia local e, consequentemente reproduzida pelos educadores; “[...] se vê claramente a impotência da escola para tornar iguais aqueles que a realidade social e econômica tornou distintos.” (NIDELCOFF, 1978, p. 13) Omitem sua identidade, porque a história dos indígenas que é ensinada nas escolas é limitada ao período colonial, fazendo entender que os índios desapareceram com a conquista dos seus territórios por não índios, invasores louvados pela colonização. (MONTEIRO, 2001)

Considerações finais: aprendendo com o conflito batalhando pelo futuro
Vimos até agora, que o município alagoano de Palmeira dos Índios é o palco de um conflito físico, material e ideológico travado há gerações. Nesse campo de guerra, a tomada de controle da memória tem sido uma constante, bem como a sua forma de transmissão mais rápida: a educação. Intuímos que, os conteúdos das aulas de história são estrategicamente direcionados para o ocultamento da presença indígena nos discursos oficiais.
Mesmo com a lei 11645/08, os desafios permanecem grandes e, sem os arranjos necessários, os professores encaram sua aplicação como tarefa exclusiva de um único dia no ano. O professor não pode se sentir obrigado a trabalhar a temática indígena, antes ele precisa entender a importância desses povos no curso da história do Brasil, possibilitando não só a compreensão da realidade de seus alunos, mas das comunidades indígenas existentes no hoje. Um dos caminhos que auxiliam na construção desse currículo multiétnico é a formação dos professores; importa trabalhar a diversidade fazendo um contraponto às vozes da elite local.
Tendo a presença de 8 (oito) aldeias, Palmeira dos Índios é uma cidade privilegiada como campo de pesquisa. Trabalhar história indígena de uma forma eficiente, implica, necessariamente, entrar em contato com os índios dessas aldeias.  Então, aulas de campo podem ser momentos de aprendizado prático. Alunos e professores podem comprovar como vivem os índios atualmente aprendendo que não é inteligente criticar os índios como eles são no hoje, mas entender como chegaram a ser assim. 

Referências Bibliográficas
AMORIM, Siloé Soares de. Índios Ressurgidos: a construção da auto-imagem. Os Tumbalalá, os Kalankó,os Karuazu, os Catokinn e os Koiupanká.. Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Multimeios do Instituto de Artes da UNICAMP Campinas-SP, 2003.
BANIWA, Gersem dos Santos Luciano. O Índio Brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos indígenas no Brasil de hoje. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade; LACED/Museu Nacional, 2006.
BEZERRA, Antonio Alves. O jornal dos trabalhadores rurais sem terra e seus temas 1981-2001.Tese de Doutorado em História.  Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC/SP: 2011.
FOUCAULT, Michel. Sobre a Geografia. In: Microfísica do poder. Organização e Tradução de Roberto Machado. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979.
MONTEIRO, John. Tupis, Tapuas e Historiadores: estudos de história indígena e do indigenismo. Campinas: Tese apresentada para o concurso de Livre Docência Área de Etnologia, subárea História indígena e do Indigenismo. Antropologia. UNICAMP, 2001.
NIDELCOFF, María Teresa. Uma Escola Para o Povo. 1ª edição, 17ª edição. São Paulo: Editora Brasiliense, 1978.
OLIVEIRA, João Pacheco de. “A viagem da Volta”: reelaboração cultural e horizonte político dos povos indígenas no nordeste In: Atlas das Terras Indígenas do Nordeste:projeto de estudo sobre terras indígenas no Brasil. Rio de Janeiro: PETI/Museu Nacional, 1993.
______ Uma etnologia dos "índios misturados"? Situação colonial, territorialização e fluxos culturais. In: Mana, Abr 1998, vol.4, no. 1, p.47-77.
PEIXOTO, José Adelson Lopes. Memórias e imagens em confronto: os Xucuru-Kariri nos acervos de Luiz Torres e Lenoir Tibiriçá. Dissertação de mestrado em Antropologia Social. João Pessoa: UFPB, 2013.
POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio. In: Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 2, n. 3, 1989, p. 3-15.
RAGO, Margareth. Prefácio. In: ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção do Nordeste e outras artes. Prefácio de Margareth Rago. Recife: FJN, Ed Massangana; São Paulo, Cortez, 1999.

Um comentário:

  1. Boa noite.
    Parabéns pela forma como construiu seu texto, sua preocupação, clareza e objetividade em discutir estas questões que são de suma importância para refletir o papel docente ou o constrangimento do alunado em se auto identificar enquanto indígena, pois são elementos que, infelizmente, estão mais presentes na sociedades, em suas diferentes regiões, do que imaginamos. Neste sentido, gostaria de dizer que passei por uma situação semelhante, a grande diferença é que aqui não se toca no tema indígenas, ou muito pouco se discute. E olha que há graduação em história... Mas, o ponto que quero chegar é: quando questiono sobre o que discentes sabem ou ouviram falar sobre indígenas, parece um assunto de outro mundo!!! E, na minha opinião, a melhor maneira de conhecer, discutir e problematizar esta temática é trazer discursos, vídeos ou instrumentos didáticos que possibilitem pensar o indígena a partir dele mesmo. Por exemplo, esta semana, por ser o mês da resistência indígena, eu levei para a aula falas e vídeos do Ailton Krenak, em um deles, ele discute sobre o que se fala sobre os indígenas e que as pessoas precisam entendem e respeitar que a forma destes povos se veem e pensarem sobre o mundo é de uma forma indígena, e não ocidental, tal como querem impor ou enquadrá-los. Para tanto, levando em consideração a presença indígena local, já pensou em traze-los para proferir uma palestra, contar suas histórias de vida e os preconceitos que sofrem? Ou, de que forma esta possibilidade (presença indígena local) pode contribuir para desmistificar estereótipos ou elementos discriminatórios à eles associados? Na sua opinião, qual o público que cria maior dificuldade em estabelecer um diálogo: discentes ou docentes?

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