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Leonildo Figueira

EDUCADORES E EDUCANDOS ENTRE DISCURSOS, POLÍTICAS E PRÁTICAS: REFLEXÕES ACERCA DOS DESAFIOS DO ENSINO DE HISTÓRIA NO SÉCULO XXI
Leonildo José Figueira
Mestre em História UEPG

A educação escolar, além de ensinar o conhecimento científico, assume a tarefa de preparar os indivíduos para o exercício da cidadania; esta que pode ser entendida como a produção e a apropriação de culturas materiais, imateriais e também o exercício pleno dos direitos e deveres previstos pela moralidade. Partiremos de uma reflexão da própria história como ciência humana e o ofício do historiador; em seguida faremos um breve panorama da educação no Brasil no século XXI, bem como seus avanços e desafios.
A autora Circe Fernandes Bittencourt (2011) aponta para a necessidade da discussão sobre o ensino de História, bem como a relevância do tema para os estudos, congressos, encontros, etc.

A história do ensino de História tem sido objeto de pesquisas conforme levantamento das produções sobre o ensino de história a partir da década de1980. Os Anais dos encontros sobre o Ensino de História – Perspectivas do Ensino de História e Encontro Nacional de Pesquisadores do Ensino de História – e dos Simpósios da Associação Nacional de Professores Universitários de História (ANPUH), tanto nacionais como regionais, indicam uma permanência do tema dentre as investigações da área. (BITTENCOURT, 2011)

O professor enfrenta um grande desafio ao ensinar História aos jovens, nas mais diversas salas de aula, seja pelo ritmo acelerado das tecnologias ou pelas contradições apresentadas pela sociedade brasileira. Para Circe Bittencourt (2009) “uma tarefa complexa envolve o cotidiano dos professores de História ao enfrentarem, ainda, as desigualdades de uma sociedade moderna e arcaica, de contradições não dissimuladas”. Esse fator fica ainda mais agravante se considerarmos que, mesmo com veladas contradições sociais o país “possui em comum um público estudantil com dificuldades para estabelecer relações com os tempos históricos” (BITTENCOURT, 2009). A autora ainda acrescenta que trata-se de um presente contraditório, um futuro duvidoso em um passado confuso, muitas vezes aprendido de uma forma e sentido de outra, considerando a realidade socioeconômica e histórica do aluno.
Não pretendemos aqui dar conta de responder a todos os questionamentos caros ao ensino de história, tampouco esgotá-los no que tange os desafios da educação básica no presente século, mas sim fazer apontamentos que possam contribuir para tais discussões, as quais se mostram necessárias. Segundo o professor Marcos Antônio da Silva (2010) as respostas a essas questões não são simples e, certamente elas “dependem de nossas (professores, pesquisadores) posições políticas e escolhas teóricas e metodológicas”. O referido professor e pesquisador da Universidade de São Paulo ainda ressalta que,

No caso específico da área de História, as buscas por respostas a essas perguntas [os desafios da educação e do ensino de história , especificamente] sugerem outras questões: “o que fazem os professores de História quando ensinam História? ”; “quais os temas, as fontes, os materiais, os problemas que escolhemos para fazermos as mediações entre o passado e o presente vivido por nós? ”; “como nos relacionamos com o passado, quando ensinamos, hoje, História às crianças e aos jovens brasileiros? ”. (SILVA, 2010)

Em se tratando da relação entre educadores e educandos, é preciso considerar que o aluno já traz um repertório de conhecimentos que são oferecidos pelo meio em que vive, adquire maneiras próprias de lidar com diferentes situações do dia a dia; e isso deve ser lavado em conta no processo educativo. Sendo assim concordamos com Schmidt (2009) ao enfatizar que a sala de aula não é apenas um espaço no qual se transmite informações, mas sim uma relação em que interlocutores produzem sentidos.

(...) o aluno já tem um vocabulário histórico de uso cotidiano, adequado para descrever situações da realidade em que ele vive. Isto significa que os alunos trazem, ao cotidiano da sala de aula, ideais próprias sobre o mundo social, por exemplo, sobre economia, poder, família. No entanto, muitas vezes, estas ideias são insuficientes para apreender a essência dos fenômenos sociais. (SCHMIDT, 1999)

Se a escola tende a uniformizá-los, ou homogeneizá-los com regras, padrões de conduta, modos de vestir, de sentar, de falar, de agir, etc., a pedagogia de Vygotsky, por exemplo, nos permite pensar a aquisição de conhecimentos pela interação do sujeito com o meio. Pois para esse teórico, o sujeito é interativo, pois adquire conhecimentos a partir de relações interpessoais em constante troca com o meio, a partir de um processo que ele chama de “mediação”. Sua abordagem, dita sócio interacionista, busca caracterizar os aspectos do comportamento humano e elaborar hipóteses de como tais características (do comportamento) se formam ao longo da vida do indivíduo. (VYGOTSKY, 1996).
Segundo as autoras Maria Auxiliadora Moreira dos Santos Schmidt e Tânia Maria F. Braga Garcia “as discussões sobre o ensino desenvolvidas nas últimas décadas, apoiadas em conceitos como cultura escolar e cultura da escola (Forquim, 1993), transposição didática (Chevallard, 1991) e mediação didática (Lopes, 1999) ” parecem ter recolocado em questão os próprios conceitos de aula e de ensino.
As teorias do alemão Jörn Rüsen têm contribuído muito para o ensino de História, propriamente dito. O professor Luís Fernando Cerri, ao propor um estudo da ampliação do campo de pesquisa a partir da didática de Rüsen, aponta que

(...) o escopo da Didática da História, portanto, passa a incluir o estudo do papel da História na opinião pública, as possibilidades e limites das apresentações históricas visuais e museus e outros campos que possam ser trabalhados por historiadores e educadores de visão não - restrita. Assim, parte-se desde o campo da História na sala de aula, dentro da concepção e referenciais metodológicos expandidos, passando pela análise da função do conhecimento e explanação históricos na vida pública, o estudo das metas da educação histórica e a avaliação da sua consecução, chegando até a abordagem mais ampla da análise da consciência histórica em sua constituição, funcionamento e consequências.  (CERRI, 2005)

As discussões e os apontamentos do teórico alemão Jörn Rüsen sobre a historiografia e sobre o ensino da história são de notável contribuição para o campo de pesquisa que, no Brasil, segundo Cerri (2005) “situa-se na intersecção entre a História e a Educação, materializando-se mais especificamente nos espaços institucionais e entre as pessoas relacionadas à Licenciatura em História, seus profissionais e atividades de ensino e pesquisa”.
Para Schmidt (1999), quando o professor tem como objetivo um ensino de História renovado, procurando utilizar documentos e diferentes linguagens, ele deve fazer uso de conceitos históricos, fazendo com que este sejam utilizados pelos alunos, compreendidos e, que façam sentido à sua realidade. Dessa maneira “uma das preocupações daqueles que lidam com o ensino de História, hoje em dia, é fazer com que os alunos construam um vocabulário histórico, que seja facilmente assimilável, mas que, principalmente, ele possa utilizar em diferentes situações de sua vida”. (SCHMIDT, 1999)
A crescente revolução tecnológica observada no mundo atual possibilita quando não estabelece novas formas de socialização e também “novos processos de produção e até mesmo novas definições de identidade individual e coletiva”. (CIAMPI, 2000) O importante é que os alunos se apropriem de competências básicas a partir das quais seja possível desenvolver a “capacidade de aprender”. Para Ciampi (2000) “a escola, por si mesma, não muda a sociedade, mas pode constituir-se num espaço de reflexão e discussão empenhada na formação de cidadãos críticos”.
Contudo, concluímos que são inúmeros os apontamentos que surgem vindos de diversos contextos, sejam a partir dos teóricos que discutem os métodos e os currículos escolares, ou dos próprios docentes que vivenciam os desafios da educação nas escolas cotidianamente. Faz-se necessário considerar que os professores não são os únicos atores no cenário educacional e, considerar que ele está inserido dentro de um sistema complexo que envolve uma comunidade e suas particularidades, a realidade dos alunos, bem como seus interesses, as tendências que o cercam, o próprio sistema de ensino, as teorias educacionais vigentes, a valorização ou não do próprio profissional da educação, entre múltiplos fatores.

Referências Bibliográficas
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2 comentários:

  1. Boa tarde Leonildo,

    Como você encara esta mudança da prática educacional dos professores de História? Você enquanto pesquisador e professor consegue perceber uma mudança real na prática docente apesar dos desafios?

    Atensiosamente,

    Lorena Marques Dagostin Buchtik

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  2. Muito bom texto Leonildo! Gostaria de saber de você como pesquisador, que desafios se fazem mais presentes em sua prática e como ela influencia na construção de sua práxis.
    Simone Aparecida Dupla

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