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Kalina Silva

EPISTEMOLOGIA DA HISTÓRIA:
O QUE É ISSO?
Kalina Vanderlei Silva
Prof. Ass. UPE

Apresentação
O que é história? Para que serve a história? Como ensinar história? Como aprender história? Como pesquisar história?
Essas são perguntas clássicas que estão na base da formação de todo historiador desde que a disciplina foi formada no século XIX, e mesmo antes, em todos aqueles filósofos e escritores que se esforçavam por entender o mundo a sua volta. Essas perguntas também estão no conteúdo programático de várias disciplinas dos cursos de História no Brasil, porque elas são importantíssimas. O profissional que trabalha com a história deve tê-las em mente, refletir sobre elas e tentar responde-las, apesar das respostas nunca serem fáceis nem simples e do fato de que elas mudam todo o tempo.
E são essas perguntas que moldam o campo chamado Epistemologia da História.

1.1-O que é epistemologia
A palavra epistemologia vem do grego e significa estudo do conhecimento. Ela deu origem a todo um ramo de conhecimento filosófico: um ramo cujo objetivo é estudar as formas de produção de conhecimento cientifico. Assim, toda ciência tem sua epistemologia, e a Filosofia tem a disciplina chamada Epistemologia que está encarregada de fazer uma reflexão geral sobre as formas e métodos de produção de conhecimento.
A Epistemologia enquanto área da Filosofia é uma grande teoria geral do conhecimento e que se preocupa, em primeiro lugar, em estabelecer uma diferença entre ter conhecimento e ter opinião.
Todo mundo tem uma opinião, ou várias, acerca de tudo. Mas essas opiniões são subjetivas, pessoais, sujeitas a preconceitos e sentimentos variados, muitas vezes baseadas em superstições, e mudam todo o tempo. Assim, ter opinião sobre um assunto não é conhecer o assunto. Só o método científico, objetivo, empírico, baseado em fontes, permite o acesso ao conhecimento de fato. E esse é o primeiro objetivo da Epistemologia: estabelecer que o conhecimento científico é diferente do senso comum, e como ele é diferente. E seguindo esse objetivo, vem o segundo objetivo da epistemologia: estabelecer quais as fontes para a produção desse conhecimento?
Nesse sentido, a epistemologia de cada disciplina científica tem como objetivo principal produzir os métodos usados pelos cientistas daquela área de saber para produzirem suas pesquisas e chegarem a seus resultados. E por causa da especificidade de cada disciplina científica, os métodos de produção de conhecimento serão diferentes de uma ciência para a outra: uns trabalham com técnicas de laboratório, outros trabalham com cálculos, outros trabalham com documentos e entrevistas.
Assim, se o objetivo da Ciência como um todo e de todas suas disciplinas é produzir conhecimento, o que só pode ser feito através da pesquisa, o objetivo da Epistemologia é construir as ferramentas para que esse conhecimento possa ser alcançado. De forma simples, o método científico é um conjunto de regras para a produção de uma experiencia que busca conhecer mais sobre um objeto ou um assunto. Claro que ele é muito mais complicado do que isso, e que cada ciência constrói sua própria coleção de métodos, mas a explicação mais simples sobre o que é o método cientifico é que ele é uma coleção de regrasque todo cientista precisa seguir para conduzir sua pesquisa.
Visto a importância atual da Ciência, que está em todas nossas atividades cotidianas, e que se tornou importante a ponto de ter se tornado quase uma religião em si, não é de espantar que a Epistemologia enquanto disciplina filosófica seja uma das áreas mais importantes da Filosofia hoje. Qual a natureza do conhecimento? Qual a origem do conhecimento? Quais seus limites? Essas são questões que se destacam atualmente na Epistemologia. Além, é claro, de que matérias, fontes, experimentos são possíveis, e permitidos, para a Ciência.
E são questões que se multiplicam nas epistemologias de cada disciplina especifica, como veremos com o caso da Epistemologia da História.

2-Epistemologia da História: a produção de conhecimento em história
Então o que é a Epistemologia da História?
Considerando que Epistemologia é a disciplina que investiga a produção do conhecimento, então a Epistemologia da História tem como objetivo estudar a produção de conhecimento histórico, e faz isso a partir tanto da reflexão sobre seus materiais e fontes, quanto seus métodos e, por fim, as próprias concepções teóricas que, ao longo de métodos e fontes, embasam os resultados encontrados pelos historiadores.
Em geral, os próprios currículos dos cursos de História no Brasil separam os tópicos que constituem a Epistemologia da História em disciplinas teóricas, disciplinas voltadas para os métodos de pesquisa, e disciplinas voltadas para os métodos de ensino. Mas esses elementos não podem ser pensados de forma separada quando o que se está buscando é produzir conhecimento histórico, pois eles funcionam em conexão.
Para entender isso é preciso entender o que é o conhecimento histórico.
Isso é quase o mesmo que perguntar o que é História, mas enquanto a História é a disciplina geral, o conhecimento histórico é o conjunto dos resultados mais imediatos encontrados pelo historiador. Ou seja, são as repostas para as perguntas que ele se coloca ao se debruçar sobre as fontes históricas, usando os métodos de pesquisa mais apropriados para essas fontes e refletindo sobre as mesmas a partir de determinado conjunto de teorias.
Mas conhecimento histórico é também o que o professor ensino todos os dias em sua sala de aula; é como ele organiza os fatos e dados sobre determinada sociedade no tempo e como ele apresenta esses resultados aos alunos. Como ele encontra significados no material estudado e como ele repassa esses significados para seus estudantes.
De forma nenhuma o conhecimento histórico produzido por historiadores e professores se limita apenas a copiar e decorar fatos e nomes retirados de documentos e livros. Contra essa ideia gerações de historiadores se levantaram ao longo do século XX. O conhecimento histórico, seja em sua faceta de pesquisa ou na de ensino, tem uma função muito clara: ele é uma ferramenta para a formação de um pensamento independente e crítico. Quem estuda história, ou seja, quem tenta desvendar as diversas formas como a humanidade se organizou ao longo do tempo e do espaço, e os porquês dessas sociedades e culturas, aprende a ver a humanidade em sua complexidade, aprende a entender as razões que levam às ações cotidianas dos diferentes atores sociais. Assim sendo, a afirmação de Heródoto sobre a História ser o estudo do passado para entender o presente ainda é válida hoje.
O primeiro passo para a produção do conhecimento histórico é a pesquisa.
A pesquisa histórica é a área mais ‘mão na massa’ da disciplina. É nela que o historiador se depara com os materiais mais básicos para a produção do conhecimento: as fontes históricas.
O objeto da história, o passado, é algo muito intangível. Não é possível medir, pesar, calcular, atomizar, o passado (ou o presente), visto que ‘passado’ é uma abstração, uma construção conceitual da mente humana para explicar seu entendimento do tempo. Nesse sentido, com um objeto de trabalho tão subjetivo, e tão inalcançável, como o historiador pode trabalhar? Através dos vestígios deixados pelas pessoas que viveram nesse passado: objetivos, textos, arte, ideias, cidades, plantações. Todas as ‘sobras’ do passado humano são fontes para a história, são documentos históricos, sejam elas textos, imagens ou objetos.
Como tais fontes são os únicos vestígios do passado, a pesquisa histórica se baseia totalmente sobre elas. O historiador deve identificar, selecionar e estudar tais fontes para acessar o período no qual as mesmas foram produzidas. Obviamente ele não pode simplesmente pegar um desses vestígios e tirar suas conclusões, sem estudar o período antes, sem preparar um projeto com questões, hipóteses, métodos selecionados; sem se apropriar de teorias específicas. Tudo isso constitui o exercício da produção de conhecimento histórico.
A fonte histórica, por si só, não carrega o conhecimento histórico pronto.




Essa é a cidade de Machu Picchu, nos Andes peruanos, atualmente Patrimônio Histórico da Humanidade remanescente do Império Inca. A cidade hoje é um parque nacional aberto à visitação turística, o que significa que qualquer pessoa pode apreciar os muitos vestígios históricos deixados na cidade, majoritariamente vestígios materiais de natureza arqueológica. Ou seja, qualquer visitante pode ter acesso as fontes históricas deixadas na cidade. Então, isso significa que qualquer visitante pode fazer uma análise histórica da sociedade inca que a construiu? Não.
Na verdade, muitos são aqueles que visitam a cidade e acreditam que a mesma foi construída com a ajuda de ... alienígenas! Isso apesar dos inumeráveis estudos históricos e arqueológicos produzidos ao longo do século XX e início do XXI que procuram identificar as várias construções na cidade, que na verdade foi construída por pessoas muito reais, para ser um palácio para o imperador inca. Não há nada de misterioso em Machu Picchu, mas a falta de informação sobre a sociedade inca, e muitas vezes o preconceito, faz com que muitos leigos ainda acreditem em explicações fantasiosas para a construção da cidade.



Fonte;

Essa é a carta escrita em 1500 pelo escrivão da armada de Pedro Alvares Cabral, Pero Vaz de Caminha, ao rei de Portugal então D Manuel I, informando sobre a tomada de posse do território que mais tarde seria o Brasil. Um documento considerado por muitos como a certidão de nascimento do Brasil, e amplamente acessível a todos em sua versão original, como exposta acima, ou em uma versão transcrita, como aquela disponibilizada pela Fundação Biblioteca Nacional: http://objdigital.bn.br/Acervo_Digital/livros_eletronicos/carta.pdf
Ou seja, mesmo que o indivíduo não saiba utilizar as técnicas da paleografia para transcrever o documento original, uma metodologia muito especializada, ele pode encontrar a versão atualizada do documento com facilidade. Então, isso significa que qualquer pessoa pode ler a carta de Caminha? Sim, claro. E isso significa que qualquer pessoa poderá analisar tal carta, compreendendo os significados contidos nela e o que ela significa para a sociedade que a produziu? Definitivamente não.
As 27 folhas da carta descrevem o que o escrivão viu da terra, e sua impressão, que ficou famosa, de terra fértil. No entanto, o que a carta não mostra, mas que o estudo da política portuguesa do período deixa claro, é que o escrivão se sentia na obrigação de encontrar alguma coisa na terra que valesse a pena o investimento português na colonização. Como ele não teve notícia de ouro, prata ou pedras preciosas, ele fez questão de frisar para o rei a fertilidade da mesma.
O que esses dois exemplos nos mostram é que mesmo as fontes históricas mais acessíveis e famosas podem ser de difícil análise, e de mais difícil compreensão. E analisá-las e entender seus significados dentro do contexto histórico que as produziu esse é o objetivo do trabalho de pesquisa do historiador. E isso só é possível quando o historiador utiliza as ferramentas certas, sejam técnicas como a arqueologia e a paleografia, sejam as teorias históricas que facilitam a construção das perguntas que devem ser feitas às fontes.
E a produção do conhecimento histórico não pode ser feita sem o recurso às teorias da História que ajudam o historiador a entender e explicar os dados coletados nas fontes, e integrá-los com significados mais amplos, relativos não apenas à sociedade que produziu tais fontes, mas à Humanidade em geral. E diversas são as correntes teóricas que se propõe a explicar a história, correntes que quando vistas em conjunto compõem toda uma área especifica de conhecimento histórico chamada de Teoria da História. Uma área intensamente integrada à Filosofia.
Mas antes de mais nada, existe uma pergunta teórica básica, a pergunta mais básica da Epistemologia da História, na verdade, sobre a qual precisamos refletir: a História é ou não é uma ciência?
Essa pergunta não tem uma resposta simples, de fato o que ela gera é uma discussão infindável, que começou com a própria História como disciplina, no século XIX, quando os primeiros historiadores tentaram estabelecer a história como uma ciência social, ao lado da nascente sociologia. E apesar de diversas críticas aos procedimentos dos cientificistas do XIX, os historiadores europeus da primeira metade do século XX continuaram a tentar estabelecer a história como ciência, apesar de sobre diferentes parâmetros científicos. Foi apenas no final do século XX, com a queda da própria modernidade e a crítica geral à Ciência, que muitos historiadores começaram a defender o status não-cientifico da História. Esses pesquisadores criticavam o status da História como ciência principalmente porque os resultados da pesquisa história não podem ser reproduzidos, como nas ciências naturais, e não obedecem a leis, como a Física. Além disso, o conhecimento histórico é muito subjetivo, suscetível à influência das questões pessoais de cada historiador, e do próprio momento no qual a pesquisa está sendo produzida.
Mas se a História não é uma ciência, então o que ela é? Alguns diriam que é uma forma de arte, visto a subjetividade envolvida na sua produção. E os pôs-modernistas do final do século XX tentaram transformar a História em uma outra forma de literatura. Mas também essa perspectiva encontra, hoje, seus críticos, pois, se a História não pode reproduzir seus resultados como as ciências naturais, e se ela definitivamente não obedece a ‘leis’ da Física, por outro lado, ela certamente obedece a uma rigidez formal que é certamente derivada do método cientifico. Além disso, se os historiadores são influenciados por questões subjetivas, também os físicos, os matemáticos, os químicos o são. Nenhuma ciência é totalmente objetiva, como Einstein ensinou. Isso não transforma a História em ficção, pois o historiador, diferente do escritor ficcionista, não pode simplesmente inventar dados, fatos e personagens. Ele precisa seguir as fontes históricas. O que não significa, por outro lado, que a História não seja parente da Literatura, pois ela certamente é. Os historiadores são, afinal de contas, escritores. O que eles não são é ficcionistas.
Onde isso nos deixa? Afinal, a História é Ciência ou Arte? Ou nenhuma das duas coisas? Não vamos encontrar uma resposta que seja consenso para essas perguntas, pois diferentes correntes teóricas explicam a natureza da Historia a partir de diferentes filosofias. Umas tendem mais para a ciência, como os materialistas históricos, outras tendem mais para a arte, como os pós-modernistas. Mas o que podemos, sim, afirmar, é que independente dessas discussões, a História é uma disciplina com regras específicas, mas que segue o método cientifico na organização de sua pesquisa, na busca e exposição de seus resultados.
A verdade é que cada historiador tem sua própria filosofia acerca da natureza da história, defendendo que está é mais ou menos científica, ou mais ou menos artística. E a percepção teórica que cada pesquisador possui influencia muito os resultados que ele obtém, pois influencia que perguntas ele faz a suas fontes, e como ele explica os dados obtidos.
Como as teorias da Historia influenciam a produção do conhecimento histórico?
Talvez a principal função das teorias quando aplicadas à pesquisa histórica seja fornecer uma base racional ao conhecimento produzido. É a teoria que permite que o resultado da pesquisa seja um texto explicativo, baseado em considerações críticas e produzido dentro de um arcabouço de conhecimento compartilhado por muitos outros profissionais, e que não seja simplesmente o resultado da opiniãodo indivíduo que o está escrevendo. É a teoria que permite o acesso aos significados dos dados, da sociedade estudada, da experiencia humana no tempo, e que faz com que o verdadeiro conhecimento histórico não seja apenas um amontoado de datas e nomes.
Mas a produção do conhecimento histórico também é feita através do ensino, o que torna este uma parte essencial da epistemologia da história. E no caso do ensino de História muitas vezes nos deparamos com um dilema. Esse ensino não é majoritariamente teórico? No que consiste a prática da história? Se essa prática é a pesquisa histórica, ou o próprio ato de ensinar, como envolver alunos do ensino fundamental e médio na prática da história?
Essas questões têm levado muitos professores a procurarem inovações tecnológicas, a produzirem dinâmicas que envolvam os alunos no ensino, entre outras coisas. Ou seja, os professores de História estão constantemente preocupados em encontrar maneiras de transformar o ensino de história em algo no qual os estudantes também podem participar. E em geral os resultados encontrados giram em torno de novas tecnologias de ensino.
A dificuldade em separar teoria e prática em História reside no fato de que a história é vivência, é uma produção constante que envolve pensamento e reflexão. Aqueles que procuram uma prática de história ‘fácil’ e ‘rápida’ acabam se decepcionando. Isso não quer dizer que a prática da história não pode ser engajante, muito pelo contrário. Quando o aprendiz percebe o quanto a história é inclusiva e como ela pode ser acessível a todos, ele dificilmente esquece essa lição. A prática em história não é apenas a pesquisa histórica, mas o trabalho dos alunos com fontes históricas certamente permitirá uma aproximação maior entre esses e os meandros do conhecimento histórico.
Muitos são aqueles que acreditam que uma aula de História para ser ‘prática’ precisa usar os mais modernos suportes tecnológicos: tablets estão na moda agora, mas eles são apenas uma atualização de uma onda que começou com o uso de filmes nas aulas de história, depois passou para o retroprojetor, depois para os slides.
No entanto, como bem lembra o historiador Leandro Karnal:
“uma aula pode ser extremamente conservadora e ultrapassada contando com todos os mais modernos meios audiovisuais. Uma aula pode ser muito dinâmica e inovadora utilizando giz, professor e aluno. Em outras palavras, podemos utilizar meios novos, mas e a própria concepção de História que deve ser repensada.” (KARNAL, 2003, p 9)
Nesse sentido, podemos empregar todos os instrumentos da moda para o ensino, mas sem a nossa compreensão de que o conhecimento histórico é composto não por fatos e datas, mas pela consciência das vidas das pessoas em diferentes períodos e sociedades, não estaremos ensinando uma história de qualidade.
E como a história é composta pelas vivências humanas, talvez a melhor maneira de ensiná-la seja fazer os alunos entenderem que eles também são parte desse conjunto. Ou seja, a melhor maneira de ensinar história é envolver o aluno.


Fonte: Calvin & Haroldo. Bill Watterson. © Universal Press Syndicate

Se a produção do conhecimento histórico é feita também em sala de aula, em parceira com os alunos, e se cabe ao professor facilitar o acesso ao conteúdo da disciplina, então com que ferramentas ele pode contar? Como já disse Lenadro Karnal, um professor pode ser excelente com apenas giz e quadro negro. Isso é o mais importante e não podemos esquecer. No entanto, na sociedade da era digital a atenção de estudantes e, por que não dizer, de professores está viciada no mundo digital. Isso aumenta os desafios dos educadores que precisam competir por atenção com a Internet. Por isso muitos são aqueles que devotam tempo à construção de metodologias didáticas que utilizem, por exemplo, recursos digitais.
Por outro lado, o uso de ferramentas digitais pouco vai adiantar se tudo que você está ensinando é uma lista de fatos sem conexão com o mundo atual e a vida dos estudantes. E percebendo isso é que muitos professores se dedicam ao desafio maior ainda de criar novas abordagens temáticas, que transformem o próprio conteúdo em algo dinâmico e interessante.
Assim, em termos de ferramentas para o ensino de História temos as obvias opções tecnológicas, que incluem a utilização de DVDs, Projetores, Tablets, e temos as ferramentas imateriais, que consistem em escolhas metodológicas e temáticas feitas pelo professor. No caso das ferramentas físicas, muito já foi dito e escrito. E entre elas, a mais clássica para ensino de história para adolescente são os filmes. Uma ferramenta, no entanto, que requer mais cuidado do que muitos professores empregam. Os filmes, mesmo os documentários, são obras de arte que devem ser analisadas como tal. Apesar disso, por serem obras em um formato facilmente reconhecível pelos estudantes, eles podem ser uma excelente porta de acesso para diversos conteúdos programáticos, desde que fique bem entendido que o filme somente nãoensina história.
Atualmente alguns professores estão apostando também no uso de jogos e músicas para tentarem relacionar os conteúdos exigidos pelos programas brasileiros à realidade dos alunos. Além, é claro, do uso de ambientes virtuais, blogs, mídias sociais: ou seja, da internet. Mas, como podemos usar os ambientes virtuais, os programas de busca, os blogs e as redes sociais para ensinar história? Afinal, se fosse simplesmente o caso de procurar um tema no Google ou na Wikipédia, para que escolas e professores?
Vejamos o blog e página de Facebook História nas Redes Sociais.






O blog, assim como sua página de Facebook, foram criados pelo então estudante de ensino médio Guilherme Corona, que em 2016 se preparava para começar a cursar a graduação em História. Seu trabalho é excelente por duas razões principais: traduzir o conteúdo das aulas de História no ensino médio para a linguagem dos adolescentes nas mídias sociais; e engajar centenas de adolescentes em discussões acerca de conteúdos históricos.
O material, no entanto, não é sem problemas: o mais notável sendo a reprodução de concepções bastante conservadoras da História. Exemplo:






Ou seja, uma hilária interpretação de Cabral no Twitter. Excelente, não? Então, qual o problema? O próprio conceitode descobrimento do Brasil, que é no mínimo controverso.
Então aqui voltamos para a citação de Leandro Karnal: não adianta usar os recursos mais modernos se nossa concepção da História não é atual.
Mas isso é uma crítica ao estudante criador do blog História nas redes Sociais. Não! É uma crítica à História que foi ensinada para ele no ensino médio. Lembremos que ele criou o site a partir do conteúdo que aprendeu na escola. Ou seja, quaisquer problemas que o site apresente são reflexos das aulas e dos livros didáticos disponibilizados aos adolescentes.
No geral, entretanto, a iniciativa do blog está entre os melhores exemplos de como as mídias sociais e ambientes virtuais podem ajudar a engajar jovens e adolescentes com a produção do conhecimento histórico.
Em tudo isso vemos que, apesar do uso de diferentes ferramentas, o que faz a diferença é o engajamento do educador, e as opções temáticas que o mesmo faz e como ele aborda tais temas. A criatividade é, sem sombra de dúvida, importantíssima, mas não menos importante é a compreensão dos significados por trás de cada fato e personagem. Sem esses significados, ou seja, sem a compreensão de como as atitudes de cada pessoa moldaram os acontecimentos, não há produção de conhecimento histórico.


Referências


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CANABARRO, Ivo dos Santos. Teoria e métodos da história I. Ijuí : Ed. Unijuí, 2008.
CERRI, Luis Fernando. Ensino de histórica e consciência histórica: implicações didáticas de uma discussão contemporânea. Rio de Janeiro: FGV, 2011.
FERREIRA, M. M. ; FRANCO, R. . Aprendendo História: Reflexão e Ensino. 2. ed. Editora FGV, 2013

FONSECA, Thais Nivia de Lima e . História & Ensino de História. Belo Horizonte, Autentica. 2006

GIANNATTASIO, Gabriel e IVANO, Rogério. (orgs.). Epistemologias da história: verdade, linguagem, realidade, interpretação e sentido na pós-modernidade. Londrina, PR: Eduel, 2011.
KARNAL, Jaime (Org.). História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2004

MELLO, Ricardo Marques de. O que é teoria da história? Três significados possíveis. Revista História & Perspectivas. V 25, n 46, 2012.
PINSKY, Carla (org). Fontes Históricas. São Paulo, Contexto. 2005.
PINSKY, Carla Bassanezi (org.). Novos temas nas aulas de história. São Paulo, SP: Contexto, 2009
PINSKY; DE LUCA; KARNAL (org). O Historiador e Suas Fontes. São Paulo, Contexto. 2009.
PROST, Antoine. Doze Lições sobre História. Belo Horizonte, Autentica. 2008.
SANT’ANNA, Ilza; MENEGOLLA, Maximiliano. Didática – aprender a Ensinar. São Paulo, Loyola. 2002.
SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de conceitos históricos. São Paulo: Contexto, edição n. 2, 2006.
SILVA, Marcos A.; FONSECA, Selva G. Ensinar História no século XXI: em busca do tempo entendido. Campinas (SP): Papirus, 2007

TESSER, Gelson. Principais linhas epistemológicas contemporâneas.Educ. rev.  no.10 Curitiba Jan./Dec. 1994
VIEIRA, Maria do Pilar; PEIXOTO, Maria do Rosário; KHOURY, Yara Aun. A Pesquisa em História. São Paulo, Ática, 1989

WATERSON, BILL. BOX CALVIN E HAROLDO - 7 VOLUMES. São Paulo, Conrad do Brasil. 2011.

14 comentários:

  1. Excelente reflexão! O uso de ferramentas digitais pelos professores de História me parece um caminho a ser seguido, buscando aliar tecnologia e bons conteúdos para atrair o interesse dos jovens. Porém, atualmente temos o espaço da História Pública, onde os alunos e pessoas em geral tem acessado principalmente em canais do YouTube conteúdos sobre História, as vezes produzidos por especialistas e muitas vezes por Yurtubes a procura de liks. Como a Sra. avalia este cenário, onde o professor nem sempre é a maior referência no ensino da disciplina para os alunos?
    Ernesto Padovani Netto

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  2. Acredito que o acesso a sites de pouca credibilidade não é um problema só da História, mas da Internet em geral. E isso é inevitável, pois não podemos (e nem devemos) querer controlar tudo que é dito acerca da história por pessoas com pouco entendimento da mesma. E mesmo em alguns blogs dirigidos por profissionais as informações se mostram duvidosas: por exemplos, a reprodução dos discursos tradicionais acerca do 'descobrimento' do Brasil estão em uma infinidade de sites organizados por professores de História. Ou seja, o problema maior não são os 'amadores', mas os profissionais com concepções ultrapassadas. O que podemos fazer é tentar fazer melhor do que isso, e divulgar melhores concepções e informações, e tentar alcançar aqueles interessados, realmente, no assunto.

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  3. Olá professora Kalina, excelente texto. Falando em epistemologia dentro de uma tradição do pensamento notadamente ocidental, que nas diversas áreas em seu desenvolvimento, no processo de uma história da filosofia e de uma filosofia da história até o estabelecimento da história como ciência no século XIX. Entendendo a história em sua tradição, relacionando-a com as inúmeras mudanças teóricas e metodológicas que progrediram até o paradigma pós-modernista ou “giro linguístico”, com ênfase na história cultural, mais aberta a diferentes fontes e temáticas, dando vozes a sujeitos em paradigmas anteriores, silenciados e excluídos da própria história enquanto episteme, a exemplo dos povos originários, tradicionais, os indígenas uma vez já definidos por essa mesma tradição como “sem história, somente etnografia”. Como na história e sua epistemologia em processo de constantes mudanças e permanências? Considerando estarmos na altura do século XXI como horizonte do século XIX, lidar entre a tradição e a (pós) modernidade, quando se levantam no campo dos conhecimentos humanos e sociais, com intensa interdisciplinaridade (ou trans, multi...), entre história e outras áreas como a antropologia e os estudos culturais, a proposta de “epistemologias do Sul” como levanta autores como Boaventura de Sousa Santos. Considerando um certo equilíbrio e uma crítica construtiva para própria história, sobre um certo imperialismo cientifico ocidental.

    Dhiogo Rezende Gomes.

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    1. Essa perspectiva de que trabalhar com as vivências humanas no ensino da História transforma esta em etnografias é, certamente, uma perspectiva das mais limitadas, visto que o objetivo da história em si são as vivências humanas no tempo. Agora, também é certo que o foco na microhistória pode ser extremamente superficial, desconectado das estruturas maiores e dos contextos históricos complexo. Mas esse é um risco que se corre com qualquer abordagem, da mais positivista à mais pós-moderna. Volto a enfatizar que a compreensão os contextos históricos é a suma do trabalho histórico, independente das abordagens trabalhadas.

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  4. Olá Professora Kalina!
    Agradeço por compartilhar destas excelentes reflexões.
    De fato, pensar um ensino de história qualificado e efetivo deve estar precedido de uma profunda reflexão por parte do professor acerca de teoria e método da disciplina (algo raramente feito, inclusive por acadêmicos). Tal reflexão, portanto, é que deveria pautar as estratégias e técnicas a serem utilizadas pelo professor. O desafio, contudo, estaria em aliar tais estratégias com as dificuldades materiais e logísticas do cotidiano escolar. Portanto, eis minha questão: como encarar o desafio de trabalhar a partir de métodos de ensino focados na produção do conhecimento histórico (indo às fontes, apropriando-se criticamente das informações obtidas, produzindo interpretações) dentro de uma estrutura disciplinar norteada por uma concepção conteudísta e linear da História (no mais das vezes voltadas para a formação de mão-de-obra para o mercado de trabalho ou de alunos preparados para prestar vestibulares)?

    Muito cordialmente,
    Josiel dos Santos

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  5. Pois é, os conteúdos programáticos de história dos ensinos médio e fundamental são muito restritivos. Muitas vezes não abrindo espaço nem para conteúdos obrigatórios, como História da África. Mas é possível usar mesmo os conteúdos obrigatórios. Por exemplo, o programa exige que se trabalhe com a Idade Média europeia? A própria arquitetura da Igreja pode ser uma fonte interessante, e disponível on-line, mas mais do que isso, é possível tentar trabalhar com os camponeses medievais, suas condições de vida e morte procurando criar paralelos com as condições dos estudantes. A linearidade do livro didático pode ser quebrada usando-se seus próprios dados, pois a experiência humana permite analogias em diferentes lugares e contextos. Agora, e o vestibular? É, a falta de relação do vestibular (agora Enem) com as realidades tanto dentro quanto fora das escolas e universidades é um tema a parte e, esse sim, creio, mais difícil de contornar. Mas mesmo mantendo-se as lições conteudísticas, os próprios discurso e posturas do professor em sala podem incentivar o pensamento critico, caso assim professor creia.

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  6. Até o século XIX, a história ainda era vista como um gênero literário – predomínio da elegância da escrita sobre a objetividade do conhecimento.
    No século XIX, a história torna-se uma disciplina acadêmica (ciência) ensinada nas escolase universidades.
    Na sua opinião qual foi o papel fundamental dessas instituições?

    Ass.

    ANTONIO AUGUSTO DA SILVA AZAMBUJA

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    1. A historiografia como nós a entendemos é fruto das universidades e do processo de cientifização do conhecimento no final século XIX. Para bem ou mal, todas as correntes historiográficas hoje, mesmo as mais pós-modernas, foram criadas, e funcionam, dentro dos parâmetros das universidades e instituições afiliadas.

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  7. A articulação entre investigação e produção científica na área da História e os programas escolares ocupa os debates internacionais. A importância concedida pelos decisores educativos às ciências da educação reforçaram a transversalidade dos saberes em
    A articulação entre investigação e produção científica na área da História e os programas escolares ocupa os debates internacionais. A importância concedida pelos decisores educativos às ciências da educação reforçaram a transversalidade dos saberes em detrimento das esRICHA pecificidades epistemológicas.

    Na sua opinião a divisão tradicional entre saber e saber-fazer sai fragilizada?

    Ass.

    HELOISA HELENA CAMPELO RODRIGUES DA ROCHA

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    1. História é uma disciplina que sai ganhando na transversalidade, pois todas as outras disciplinas podem virar história! O problema dessa divisão entre saber e saber-fazer é que em História não há divisão, tudo é teoria e tudo é prática. E isso é difícil de entender, para muitos.

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  8. Prezada Prof.ª Kalina Silva. Primeiramente, parabens pelo texto, que apresenta de forma objetiva e didática um tema tão complexo quanto a epistemologia da história. A minha questão é a seguinte: você avalia que os currículos dos nossos cursos de graduação em história tem inserido a contento discussões com ênfase específica na epistemologia? Tais cursos lidam com a formação de profissionais, em destaque professores, que irão se deparar a todo o momento com a relação entre a história e outros campos do conhecimento: literatura, filosofia, saberes de povos e comunidades tradicionais, relação entre as formas de construção do conhecimento na academia e nos espaços escolares... Evidentemente que tais aproximações são abordadas muitas vezes no âmbito das disciplinas de teoria e metodologia da história, historiografia ou mesmo nas voltadas para a "prática de ensino". No entanto, penso que reflexões como as que você apresenta podem também nos levar a problematizar sobre como lidamos com as questões epistemológicas e como o saber histórico vem se modificando nas últimas décadas através da interação com outras epistemes (lembremos, por exemplo, as modificações que vem ocorrendo no campo com a abertura possibilitada pelo uso das fontes orais). Será que de fato dedicamos um tempo nos cursos de graduação para refletir sobre os caminhos que o nosso saber não só vem trilhando, mas pode passar a trilhar frente as questões e condições de possibilidade que se apresentam no nosso tempo? Obrigado!

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    1. Respondendo a sua pergunta: não! Não acho que a epistemologia é suficientemente pensada nos cursos de História. Talvez principalmente porque nossos currículos tendem a criar mais divisões do que unificações: estamos acostumados a separar a história do Brasil da história da América; a teoria da história, da prática de pesquisa. Coisas que na verdade não funcionam separadas. O que ocorre então é que a epistemologia é esmigalhada: um professor leciona teoria da história, outro leciona prática de pesquisa, outro leciona prática de ensino. E assim o todo da epistemologia é diluído.

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  9. Professora Kalina Vanderlei. Primeiro quero lhe dar os parabéns pelo excelente texto e sinto que vou aprender muito com ele durante minha graduação.

    Minha pergunta é como o professor pode lecionar história nos dias de hoje aonde os alunos muitas vezes procuram outras fontes como vídeos no YouTube ou podcasts e acabam com mais ideias exageradas do que aprenderiam com professores com concepções ultrapassadas.

    Ass. Rodrigo Almeida Carvalho - Manaus/AM

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