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Jumara Carla



PRÁTICAS INTERDISCIPLINARES EM SALA DE AULA: A MELHORIA NO ENSINO DE HISTÓRIA
Prof. Mnt. Jumara Carla Azezedo Ramos Carvalho
UNIMONTES

O presente trabalho discute o uso de documentos históricos, no caso mais específico as correspondências pessoais, em sala de aula como possibilidade para um trabalho interdisciplinar entre a História e demais disciplinas do currículo escolar pois:
‘Interdisciplinaridade’ refere-se à prática de, no interior de um certo campo de saber – no caso a História – lançar-se mão de metodologias ou aportes teóricos apropriados de outras disciplinas, estabelecer diálogos com outros campos de saber, enriquecer uma disciplina com pontos de vista oriundos de outras, e, o que é particularmente importante para o tipo de Interdisciplinaridade que seria construída pelos Annales, abordar um certo objeto de análise comum a outros campos de saber. (BARROS, 2010, p. 95).
 Esta proposta toma como base a análise das correspondências produzidos nos anos de 1889 – 1930, que compreendem, em linhas gerais, os anos da Primeira República Brasileira. A partir desta reflexão pretende-se analisar as possibilidades do uso de documentos históricos como recurso didático na construção da prática interdisciplinar em sala de aula.
A princípio, vale pontuar que os materiais mais acessíveis aos professores e alunos, em especial os livros didáticos, apresentam uma visão da história brasileira ainda a partir de uma divisão tradicional do que se entende por história. Os conteúdos, sempre muito amplos, seguem uma cronologia linear dos períodos políticos brasileiros, a exemplo da Primeira República, também chamada de República da Espada, República Oligárquica e República Velha.
A respeito desse momento, Lielva Aguiar (2011, p. 22-3) discute o quanto essas denominações ofuscam a real complexidade de períodos históricos que devem ser entendidos não de forma generalizada, mas considerando as peculiaridades de cada região e suas interconexões com outros contextos:
[...] as interpretações construídas pelos intelectuais do pós-trinta, que pretendiam dicotomizar o “velho” e o “novo” período republicano brasileiro, legaram àqueles anos iniciais títulos como “República Velha”, “Oligárquica”, “dos Coronéis”, etc., que ainda são constantemente utilizados sem maiores reflexões. Em virtude deles, tende-se a enxergar os primeiros anos republicanos como uma fotografia: os coronéis no poder, as oligarquias dominando e a grande população à mercê de mandos e desmandos, visões que deságuam na ideia de um período cujas relações eram sem complexidade.
Assim, da forma como os conteúdos chegam à escola por meio das literaturas adotadas, causam a impressão de que a história ainda se resume ao modelo historicista tão criticado pela Escola dos Annales no início do século XX e por outros historiadores que sucederam esse movimento:
Contra o historicismo de cunho mais retrógrado, a História-Problema dos Annales vai se colocar em confronto com um antigo modo de escrever a História [...] Esta narrativa linear – que tem como modelo a biografia unilinear e falsamente coerente, com início e fim – corresponde a um dos principais pontos de ataque dos primeiros annalistas, e de Lucien Febvre em particular. A este tipo de história narrativa, Febvre irá chamar de “história factual”, no sentido de uma história que se compraz em extrair dos documentos os fatos (geralmente políticos) e em ordená-los cronologicamente em uma linha compreensível, frequentemente ancorada em cadeias causais, outras vezes acumulativa de informações nem sempre necessárias. (BARROS, 2010, p. 92)
Dessa forma, uma proposta interdisciplinar que tenha como ponto de partida o uso de documentos históricos não se faz sem antes repensar as concepções históricas construídas e/ou difundidas na escola básica. Como falar das complexidades que envolveram as relações sociais dos sujeitos históricos apenas a partir dos subsídios oferecidos nos livros didáticos, apenas considerando os conteúdos programados na esfera nacional, apenas conhecendo os “grandes homens” da política mineira e/ou paulista?
Há tempos a história vem passando por uma revisão e mudança de perspectiva. São novos objetos, novas fontes e novas abordagens, como discute Le Goff (1900). Sendo assim, é preciso, primeiramente, exercer uma crítica à visão histórica impressa na sala de aula, para então romper com a ideia de que a história é um saber restrito ao passado, sem significado e incapaz de dialogar com outras áreas do conhecimento. Essa crítica deve perpassar, a todo instante, a prática do historiador em sala de aula sendo que:
Ensinar e aprender é uma relação de mão dupla, pois quem aprende não é só o aluno que houve a preleção do professor, mas este também enriquece com a experiência, com a cultura do aluno, em geral, bem diferente da sua. Ensinar é uma forma de comunicação com o outro. E esta relação está permeada pelo imaginário, pela sensibilidade tanto do professor, quanto do aluno. (COSTA, 2013, p.05)
Para além dos impulsos provocados pelas mudanças sociais como um todo, essas novas reflexões sobre a educação também incidem e estimulam a utilização, por parte do educador, de novas abordagens temáticas, de “conteúdos” mais abrangentes, de discussões que não se limitam aos formatos e imposições dos livros-didáticos, mas que são pautados em situações cotidianas, extraídas de suas próprias experiências, do convívio com os alunos. Vale ainda ressaltar, que o livro didático não é o grande e único problema, as aulas não atrativas, a escola desprovida de calor humano também acaba dificultando o interesse dos alunos levando alguns casos a evasão escolar.
No entanto, como apontado anteriormente, é possível afirmar que a adoção dessas práticas ainda contraria o modelo padrão da estrutura curricular adotada pelas escolas. Apesar de tantos debates, ainda se segue um modelo que separa e isola as disciplinas curriculares, o que também reflete na construção de uma rotina fragmentada de organização escolar, dificultando, para o educando, a compreensão do sentido real daquilo que se aprende em sala de aula.
Nessa perspectiva, Érica Garrutti (et. all,2004, p. 5) aponta que:
A escola possui a função de integrar o educando à sociedade, auxiliando-o  na construção da identidade pessoal, em detrimento de ser mecanismo de alienação. O relacionamento flexível com a comunidade favorece a compreensão de fatores sociais e culturais que se expressam na escola.
Nesse sentido, a escola deve abordar, fundamentalmente, questões que interferem na vida dos alunos e com as quais se confrontam cotidianamente. As problemáticas sociais como: ética, saúde, meio ambiente, pluralidade cultural e sexualidade, são conteúdos essenciais nas diversas disciplinas, independentes da área da disciplina.
Um caminho para superar as dificuldades apontadas acima, provenientes de uma compreensão fragmentada do currículo escolar, tem sido a construção de práticas interdisciplinares. Através delas, as escolas vêm buscando romper as barreiras construídas ao redor das disciplinas, no intuído de agregar maior consistência e relevância ao conteúdo mediado pelo docente.
Propor uma abordagem interdisciplinar na escola/sala de aula é uma maneira de ampliar o conhecimento acerca dos conteúdos programados, trabalhando com situações do cotidiano para que os assuntos estudados ganhem novos significados. Na maioria das vezes, utiliza-se dessa proposta para intervenções fora da sala de aula, mas, a educação formal tem buscado o entendimento de que é em todo espaço escolar, e, mais precisamente na sala de aula, que os educadores e educandos devem conceber a ideia de ambiente democrático, participativo, potencializador e politizador.
  A partir desses pressupostos, surgem alguns questionamentos: Como fazer os alunos se interessarem pela história? Como ensinar sobre aquilo que já aconteceu, que parece longe, distante e sem importância? Como falar de história tendo em vista os apelos do presente? Além disso, como dialogar com outras disciplinas? Como pensar a interdisciplinaridade a partir do ensino de história?
Essas questões inquietantes trazem respostas a partir de elementos da história local que aproxima o educando a sua realidade e ao trabalhar as correspondências pessoais que abordam assuntos de caráter social, econômico, político, religioso e cultural é possível realizar a interdisciplinaridade em sala de aula e aproximar os conteúdos da realidade dos alunos, assim eles perceberam que a República marco histórico escolhido também esteve presente em sua cidade e que sua implantação e consolidação não seguiu os mesmos moldes dos grandes centros administrativos do Brasil.
Levar para a sala de aula essas correspondências possibilita um ensino diferenciado da História que aproxima o conteúdo da realidade dos educandos instigando a conhecer mais um pouco do local em que vive e experimentando situações trazidas por outros professores em outras disciplinas com olhares múltiplos.

Referência bibliografia:
AGUIAR, Lielva Azevedo. “Agora um pouco da política sertaneja”: a trajetória da família Teixeira no alto sertão da Bahia (Caetité, 1885 – 1924). 2011. 163 f. Dissertação (Mestrado em História Regional e Local) – Universidade do Estado da Bahia. Santo Antônio de Jesus, 2011
BARROS, José D’Assunção. A escola dos Annales e a crítica ao positivismo e ao historicismo. In: Revista Territórios e Fronteiras V.3 N.1 – Jan/Jun 2010.
BASTOS, Maria Helena Camara (et all). Destinos das letras: história, educação e escrita epistolar. Passo Fundo: UPF, 2002.
COSTA, Cléria Botêlho. O ensino da História e as Sensibilidades. Módulo 3- Atualização em Práticas Pedagógicas. 2013.
LE GOFF, Jacques (org). La Nouvelle Histoire. Paris: Retz, 1978 (segunda edição, com Prefácio atualizado: Bruxelas: Complexe, 1988) [A Nova História. São Paulo: Martins Fontes, 1990].


9 comentários:

  1. Olá Jumara, parabéns pela iniciativa. Me chamo Talita e também trabalhos com cartas na minha pesquisa de doutorado e acho uma fonte excelente de estudos, pesquisa e diálogos com tantas outras fontes. Fiquei muito interessada e gostaria de saber mais sobre essa sua iniciativa: como foi essa experiência de trabalhar com fontes em sala de aula? quais os enfoques que você ou a turma privilegio com mais constância?como foi para conseguir essas cartas? En fim gostaria de uma maior explanação dessa sua pesquisa que muito me interessou.
    Obrigada!

    Talita Gonçalves Medeiros

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    1. Bom dia! Essas cartas trabalhadas em sala foi a porta aberta para entrar no mestrado. As cartas utilizadas traziam elementos da participação política de mulheres durante a primeira fase da República em Caetité-BA, foi um trabalho voltado para a história local. Com essas cartas trabalhei a República e o isolamento que os livros didáticos colocam como se esse acontecimento ocorresse somente nos grandes centros, alargando mais o trabalho trouxe a interdisciplinaridade apoiando na Língua Portuguesa, a Geografia, Sociologia e a História. Por fim levei os alunos numa visita de campo ao Arquivo Público Municipal de Caetité onde estão arquivadas e preservadas essa documentação.
      Jumara Carla Azevedo Ramos Carvalho

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  2. Boa tarde, Jumara,
    Gostaria de parabenizá-la pelo texto. Concordo com tudo que dissertou. Eu, particularmente, como professora de história, utilizo muitas imagens e sei o quanto a interdisciplinaridade é importante para desenvolver diferentes fontes e conteúdos em sala de aula. Você poderia falar um pouco sobre a formação do professor? Pois, considero que este é um dos maiores problemas para que se tenha uma aula mais dinâmica e rica, e para valorizar o ensino da História através de diferentes fontes. Observo, ao menos no RS, que os currículos das graduações não contemplam a utilização de diferentes metodologias de ensino, ficando a cargo apenas do professor buscar soluções para complementar sua formação. Parabéns novamente e um abraço. Cyanna Fochesatto

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    1. Bom dia Cyanna, infelizmente a graduação não nos oferece uma formação completa, como professora há mais de 20 anos busquei várias pós-graduações ao longo do percurso, agora já no mestrado e com outras discussões consigo adequar a teoria e a prática, vale ressaltar ainda que os anos de vivência são fundamentais para uma boa prática.
      Jumara Carla Azevedo Ramos Carvalho

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  3. Olá Jumara,

    A interdisciplinaridade é um caminho muito fértil para ampliar os horizontes das discussões, a qual muitas vezes praticamos no nosso cotidiano profissional, sem nos darmos conta. Ela não são amplia os conhecimentos, como também desconstrói estereótipos há muito tempo enraizados nos conteúdos das diversas disciplinas envolvidas.

    Como você percebe a contribuição de outras linguagens (filmes, vídeos, músicas, etc) no desenvolvimento de projetos interdisciplinares?

    Maicon Roberto Poli de Aguiar.

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    1. Todas essas linguagens é de suma importância na realização de qualquer projeto interdisciplinar, pois elas permitem explorar o conteúdo englobando viés interdisciplinar, um bom planejamento articulado com as outras áreas é a chave do sucesso para o trabalho interdisciplinar.
      Jumara Carla Azevedo Ramos Carvalho

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  4. Olá Jumara,
    A interdisciplinaridade realmente é um campo extremamente rico e cheio de possibilidades para se trabalhar o Ensino de História, parabéns pelo texto!
    Como seria possível que os alunos percebessem esta ligação existente entre os saberes, sem que houvesse a intervenção direta do professor?
    Já tentei fazer esse trabalho porém nunca alcancei o objetivo desejado. Obrigada!

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  5. Bom dia, karoline. Realmente não é fácil para os alunos perceberam essa interdisciplinaridade principalmente quando temos um eixo curricular fechado em gavetas de disciplina. Ao desenvolver a aula o professor tem que está dando as pistas para que o aluno de fato perceba como essa interdisciplinaridade acontece. Fazendo esse link com as outras disciplinas
    Jumara Carla Azevedo Ramos Carvalho

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  6. Maria Josilda Ferreira da Silva

    Boa noite professora, gostei muito do seu texto. Muito rico para o desenvolvimento do saber educacional.

    Maria Josilda Ferreira da Silva

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