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A PRODUÇÃO COMUNITÁRIA COMO INTERMEDIADORA DE CONHECIMENTO E PRODUÇÃO DE SABERES EM DIÁLOGOS COM A ESCOLA
José Humberto Rodrigues

A proposta dessa comunicação é o estudo dos saberes das comunidades que ficam em torno da Escola ao qual leciono a disciplina História na cidade de Belo Horizonte. Trata-se de um projeto piloto que visa refletir e levantar as produções culturais da comunidade com uma proposta que objetiva conhecer a identidades culturais das comunidades que estão no entorno da escola envolvida, por meio de estudos teóricos e pesquisas de campo baseadas na aplicação de métodos e técnicas da Antropologia Cultural e da Etnografia Escolar.
Este projeto surgiu da extensão de um projeto de oficina em que debatíamos o Grafite e as Pichações como possíveis leituras de cultura de rua, isto é, as possibilidades das artes urbanas como patrimônio cultural.
Através dos primeiros contatos com artesãos da cultura de rua, observamos o papel das comunidades e seus agentes nessa jornada de se apresentar dentro e fora das comunidades seus desenhos, figuras e traços que impõe um novo olhar e novos paradigmas de ser e estar na conjuntura das grandes metrópoles.
A pesquisa será feita em comunidades que estão no entorno e tendo como parâmetro a Escola que abrigarão todos aportes para a realização do Projeto. Todo o material bibliográfico e suportes técnicos serão repassados pela instituição de ensino.
Esse olhar nos levou a refletir e repensar os conceitos de cultura, patrimônio, arte, saberes, fazeres e conhecimento, numa fusão perceptiva de ampliação do pensar a educação no campo forma e não formal.
Para tal entendimento da proposta, dialogamos com a cultura hip-hop e seus cinco elementos constitutivos; Break, MC, Rap, Grafite e o Conhecimento; aporte hoje incorporado e salientado como pressuposto de bandeira de resistência e luta por igualdades sociais.
Nesse aspecto o movimento hip-hop nos aproximou com uma das culturas de rua, os jovens estudantes, suas histórias, vivências e experiências, a escola e seus aparatos de conhecimento e regimentos e as comunidades onde moram. Assim, começamos a refletir as possibilidades de extensão das oficinas para a produção de saberes dos próprios moradores das comunidades, em diálogo direto com os alunos, interlocutores e moradores.
Ao adentrarmos nos âmbitos dos saberes das comunidades mediamos com as abrangências e ampliação do conceito de educação, pois a partir dessa perspectiva sociocultural que cada comunidade vive em sua realidade, entendemos que os bens culturais produzidos dialogam com o conhecimento formal e não-formal, com bens culturais de bases materiais e imateriais.
Assim sendo, as novas concepções de perceber e construir identidades culturais passa pelo aval dos bens culturais de cada comunidade, isto é, o patrimônio cultural de cada indivíduo e grupo dão-lhes um escopo de lembranças, bens culturais, identidades, sociabilidades e integração numa relação direta com suas vivências.
Uma das principais dificuldades para a realização deste trabalho é a pouca disponibilidade de fontes documentais oficiais, porém temos a consciência que a produção oral e as memórias sociais não são obsoletas frente ao repertório de cada lembrança, de cada objeto guardado pelo seu dono, cada item que tem uma história e uma trajetória na vida de cada morador. Assim, falar da história que ainda está se fazendo requer alguns cuidados. Por outro lado, tem-se a vantagem de um olhar único, da percepção do tempo em que os fatos ocorrem e ocorreram.
Educação, conhecimento e saberes estão nas narrativas dos indivíduos e nos vários discursos na modernidade, sendo assim é necessário balizarmos nosso debate na historiografia em que discute aspectos da construção da memória e dos relatos históricos que são aporte dos saberes instituídos e instituintes.
A partir dos pressupostos que se deve conhecer o presente para poder compreender melhor o passado, inferimos que as comunidades estão distantes dos espaços de poder, mas configuram hoje limites que detém grupos sociais que articulam em volta de seus direitos, suas conquistas e algumas decepções. Assim, é com o olhar de hoje que vamos analisar esse espaço, sem perder de vista essas relações passado/presente, e as intrínsecas relações que se desenrola no cotidiano dos indivíduos.
Assim, "a história não é somente o estudo do passado, ela também pode ser, com um menor recuo e métodos particulares, o estudo do presente" (CHAUVEAU, TÉTARD, p. 15). Evidentemente, não é um processo fácil, pois "no que concerne diretamente à história do imediato, só nos resta contemplar o deserto que a nós se oferece. Não há instrumento de referencia, tudo está por fazer" (idem, p. 19). Em suma, tateamos no escuro quando optamos por escrever sobre o presente, ou mais especificamente ainda, sobre o imediato e as construções humanas que estão no embate de suas experiências.
Poderia haver maior elogio para o historiador que ser chamado de testemunha da história de seu tempo? De ser ele mesmo, com suas ideias e questionamentos, o historiador que se coloca no texto porque então, o faz como sujeito da história que relata, em suma, são suas percepções, suas vivências, aquilo que apreendeu do momento que se tornaram referências para seu trabalho? 
É nesse campo de atuação e perspectiva que pensamos nas intermediações entre as comunidades e a Escola. Através dos seus alunos, professores, funcionários e a direção escolar que estão imbricados dentro de um escopo de relações afetivas, culturais, sociais, econômicas, políticas e de ensino e aprendizagem onde todos se articulam em prol do conhecimento.
Ao caminharmos pela cidade que acolhe essas comunidades e sua população começamos a refletir sobre os bens culturais produzidos através dos tempos, memórias e lembranças que são preservadas ou massacradas, bens que são restaurados e glorificados pela chancela de seu valor político cultural e bens que foram destruídos e apagados pela trajetória de lutas e conflitos urbanos.
Assim o que é patrimônio histórico, cultural, arquitetônico, etc.? Que critérios os definem? O conceito patrimônio é amplo, e assume variados significados no tempo, nas instituições e na escrita da história.  Para Castriota, "originalmente herança do pai no direito romano antigo, entendia-se como patrimônio de um particular o complexo de bens que tinham algum valor econômico, que podiam ser objeto de apropriação privada" (CASTRIOTA, 2009, p. 83). Com o passar do tempo, o termo ganhou outros significados, que ampliaram em muito a abrangência do conceito.
A partir desse aporte de pensar as construções de memórias sociais, levantamos as seguintes questões que buscaram responder. Como se construiu os saberes dos indivíduos moradores das comunidades? Quais são suas memórias e lembranças? Quais os interlocutores que eles demandam em suas produções culturais e sociais dentro das comunidades e em diálogo direto com o poder instituído? Qual é o papel da Escola nessa interlocução? Como os alunos vêem suas comunidades e as relações com a preservação dos bens culturais, as memórias e as produções de saberes. Como se situa a disciplina História nessa construção e apropriação de saberes, memórias e fazeres?
Dessa forma percebemos que a relevância de conhecer e analisar os saberes das comunidades e sua interlocução com a Escola é um passo para uma melhor aproximação entre os vários campos do conhecimento e saberes.
Sendo assim, devemos refletir que esse projeto surgiu dos debates entre pensar a cultura de rua e o papel da Escola enquanto mediador de conhecimento e saberes.
Ao entendermos que esse tema constituiu dentro da sociedade moderna, voltamos nosso “olhar” para as produções artísticas e as memórias que são preservadas e construídas dentro das comunidades, uma vez que para além das violências existe um arcabouço de negociações de saberes e cultura que retratam e refazem o cotidiano de cada morador em sua jornada.
Percebemos que a Escola tem o aporte teórico para demandar e refletir sobre esses campos de saberes e que os alunos são produtores de conhecimento formal e não formal e que as apresentações de suas histórias deveriam corroborar novos “olhares” e reflexões sobre as produções de saberes das comunidades.
Assim a relevância dessa pesquisa é mostrar como todos fazem parte da história, estando inseridos nela, atuando como protagonistas de nossa própria história.
Na nova historiografia, a história que havia sido contada pode ser questionada e, podendo ter alterações de acordo com o aprofundamento do pesquisador e alterações de sua visão perante seu objeto de pesquisa.
A história já não é mais uma ciência do passado e sim, assimila passado e presente. O ser humano faz parte da história, devido a isso ela estará sempre em construção.  O homem no tempo é o principal objeto da história, suas atitudes fabricam os fenômenos quais marcam o ser humano na ciência.
Dessa forma a preservação da memória e a construção de saberes das comunidades são espaços e grânulos de lembranças depositadas em cada morador, em cada objeto guardado, edificado e preservado.
Pesquisar a história dos saberes culturais locais é importante na medida em que podemos localizar no tempo a historicidade dos bens culturais e sua correlação com a história da comunidade

Referências
CASTRIOTRA, Leonardo Barci. Patrimônio cultural: conceitos, políticas, instrumentos. São Paulo: Anablume, 2009
CHAUVEAU, Agnès, TÉTART, Philippe. Questões para a História do presente. Bauru, SP: EDUSC, 1999.

7 comentários:

  1. Carla Danielle da Silva3 de abril de 2017 às 19:01

    Caro Humberto, simplesmente me identifiquei com seu projeto.Muitas das discussões citadas eu vivencio dia a dia na escola que trabalho.Em seu ponto de vista, através do olhar em torno das artes dos espaços não convencionais , juntamente com a música que estar jovens escutem, poderia de alguma maneira fazer com que estes alunos de sintam sujeitos da história? Dessa forma seria possível a disciplina de aproximar mais desses alunos?

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  2. Caro Humberto, simplesmente me identifiquei com seu projeto.Muitas das discussões citadas eu vivencio dia a dia na escola que trabalho.Em seu ponto de vista, através do olhar em torno das artes dos espaços não convencionais , juntamente com a música que estar jovens escutem, poderia de alguma maneira fazer com que estes alunos de sintam sujeitos da história? Dessa forma seria possível a disciplina de aproximar mais desses alunos?

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  3. Carla Danielle da Silva3 de abril de 2017 às 22:26

    Qual é a relação entre o Hip Hop e o Grafite, na sua visão?
    Carla Danielle da Silva

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  4. Olá Carla Danielle,

    É necessário hoje buscarmos em nossa prática docente novas abordagens na relação ensino e aprendizagem. Nossos alunos estão conectados diariamente com as novas formas de comunicação, as mudanças culturais e sociais, e penso que uma forma de interagir conhecimento histórico e as vivências dos alunos é através de culturas juvenis que estão incorporadas em seus cotidianos. Assim, o Hip-Hop, o Grafitte e outras tendências culturais são hoje integradas as vivências e experiências dos nossos alunos.
    A relação entre Hip-Hop e Grafitte é que esse último é um dos elementos constitutivos do movimento Hip-Hop, que tem como parâmetro inserir e estipular a construção e criação de produções culturais dos jovens dentro da cidade.

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  5. Carla Danielle da Silva4 de abril de 2017 às 19:04

    Prezado José Humberto,
    Primeiramente peço gentilmente desculpas pelos erros de digitação acima, estava pelo aparelho celular, quando fiz as perguntas. Claro que não é motivo de erros, mas fica aqui minhas desculpas pelas falhas.
    Boa noite!
    Seu texto é um ótimo exemplo, para a conscientização da sociedade em geral a respeito do cidadão enquanto individuo inserido em um meio no qual é tão preconceituoso as questões do grafite e dos estilos musicais citados no seu texto.
    Entrando, pelo o que entendi, me corrija caso esteja errada ,que segundo a sua visão o professor que quer trabalhar construtivamente com seus alunos avalia suas características e suas necessidades concretas, seu cotidiano. O professor tende-se a preocupar em escutar o que os alunos oferecem: Seu modo de enxergar a sociedade na qual fazem parte ,os seus pensamentos, suas ideias prévias e suas hipóteses. É nessa perspectiva que o Grafite, o Rap, e o Hip-Hop tão idolatrado pelos jovens, se tornaram fortes ferramentas no cotidiano dos alunos e de seus entornos.
    Estes fatores tornaram históricos e socialmente associados a uma cultura, que os definem como uma proposta conscientizada em relação principalmente a população excluída proveniente das periferias e das escolas públicas. Ou seja, o ideal de auto realização e contestação presente nesses movimentos nos possibilitam percebermos um procedimento que busca afirmar uma potência criativa e altamente relevante na construção cultural desses jovens. Seria isto?
    Att.
    Carla Danielle da Silva

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  6. Olá Carla Danielle,

    Grato pelos comentários sobre o texto e suas indagações. Penso que sempre será um desafio a nós professores mediar conhecimento, saberes dentro e fora das sala de aula.

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