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José Augusto Netto

REFLEXÕES A RESPEITO DOS LIMITES E POSSIBILIDADES DO ENSINO DE HISTÓRIA DO PARANÁ NA GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
José Augusto Alves Netto
Prof. Dnt. História-Unespar/Campus de Paranavaí

A disciplina de "História do Paraná" faz parte da grade curricular da licenciatura do curso de graduação em História da Unespar - Campus de Paranavaí desde a criação do curso em 1996, contemplando uma carga horária anual de 136 h/a. Ao assumirmos a docência da disciplina no ano de 2014, deparamo-nos com uma série de desafios, dentre os quais destacamos alguns que entendemos importantes para problematizar os conteúdos e métodos relativos ao trabalho com a disciplina.
Dentre estes desafios podemos citar o desconhecimento dos alunos quando chegam ao ensino superior sobre a história local e regional das comunidades de onde são oriundos; a necessidade de se fragmentar os conteúdos e textos de forma a estabelecer uma articulação entre as análises; e a impossibilidade de se atingir todos os aspectos dos conteúdos trabalhados em sala; por fim como adaptar os conteúdos e discussões abordados para a realidade escolar que os futuros egressos encontrarão ao finalizarem a graduação e partirem para o magistério do ensino fundamental e médio.
Tradicionalmente, na graduação em História, trabalha-se com os conteúdos relativos à História do Brasil de forma tripartite: Colônia, Império e República. Em História da América não é diferente: América pré-colonial, América Colonial e América Republicana. Podendo ocorrer algumas variações quanto à ênfase em conteúdos e/ou temáticas.
Entendemos que a História do Paraná, enquanto saber específico, regional, não está desvinculada do restante da História do Brasil e da América Latina. Desde a sua formação enquanto território, o Paraná guarda uma série de especificidades culturais e sociais, mas também responde a uma série de demandas sejam elas vinculadas a inserção das populações humanas em sua dispersão pelas Américas, ou também vinculadas aos diferentes regimes de governo, tanto os relativos à conquista e manutenção dos territórios do Guairá, sob domínio espanhol, tanto quanto os instaurados no Brasil, como a Colônia, o Império e a República.
Consequentemente as pesquisas e trabalhos sobre História Regional e Local ganharam volume e qualidade teórica, o que permite aos pesquisadores preencherem lacunas interpretativas e desfazerem equívocos históricos anteriormente produzidos. Dessa maneira, existem vários trabalhos interessantes que abordam o processo de desenvolvimento histórico do Paraná, criando a necessidade de se efetuar uma seleção temática para poder abordar com mais profundidade determinado aspecto que se quer debater.
Um dos desafios reside em articular de forma eficiente e consistente estes diferentes componentes. Destacamos que a História do Paraná é por demais rica e complexa e não deve ficar restrita apenas ao aspecto político e/ou ideológico das sociedades que ocuparam este território. Este fator não facilita em nada nosso trabalho, pois exige um conhecimento mais alargado e consistente sobre estas diferentes temáticas e suas possíveis articulações.
Dividimos os conteúdos que entendemos importantes no trabalho com a disciplina de História do Paraná em quatro momentos, que correspondem aos bimestres distribuídos ao longo do ano letivo. Convém destacar que não nos prendemos a uma rigidez temática, apenas para fins de desenvolvimento dos conteúdos é que dividimos o trabalho com os diferentes textos nestes quatro momentos. Igualmente, destacamos que a maioria dos livros didáticos e/ou paradidáticos (STECA, 2002) que abordam a História do Paraná, apresenta um desenvolvimento histórico e sociocultural linear e progressivo.
Pensando em como enfrentar estas dificuldades, em um primeiro momento trabalhamos com textos relativos à inserção das populações humanas no território paranaense. Atualmente existem produções científicas que criticam fortemente a questão do "vazio demográfico" (MOTA, 1994), destacando a importância do estudo das populações indígenas em sua ancestralidade na ocupação do território. Os estudos realizados pelo professor Lúcio Tadeu Motta (MOTA, 2005) abordando a ocupação humana e suas relações interculturais, bem como os conflitos de resistência indígena, em particular os promovidos pelos kaingangs, combatem o equívoco desta concepção de vazio demográfico que durante muito tempo esteve presente nos livros didáticos (WACHOWICZ, 1967) e nos textos acadêmicos que abordavam o processo de formação histórica do Paraná.
Dando continuidade aos debates e análises a respeito da História do Paraná, neste segundo momento apresentamos a constituição do Paraná Colonial, destacando a inserção dos portugueses através do litoral e primeiro planalto, inseridos que estavam na lógica da exploração da colônia de acordo com as determinações metropolitanas. Um destaque é o da abordagem do curto período minerador (PICANÇO e MESQUITA, 2012), que ocasionou um sopro de desenvolvimento no território litorâneo, vindo a perecer quando da descoberta de lavras de ouro mais consistentes em outras localidades, como por exemplo, Minas Gerais. Outro destaque é o do confronto entre portugueses e espanhóis nas terras compreendidas pelo terceiro planalto paranaense, tendo também como protagonistas os índios e os jesuítas (BOGONI, 2008). Estes conflitos étnicos, bélicos e culturais também serviram como elemento definidor dos limites territoriais do estado. Também fazem parte das nossas aulas a discussão e apresentação de alguns dos textos produzidos por viajantes (AVÉ-LALLEMANT, 1995)ou cronistas que percorreram (SAINT-HILAIRE, 1995) o Paraná entre os séculos XVI ao XIX. Nosso intuito é o de apresentar a visão das pessoas que se preocuparam em registrar o que estavam vivenciando quando de sua passagem pelo Paraná.
No terceiro momento, abordamos outro aspecto da ocupação do território paranaense que tem a ver diretamente com o processo de escravidão ocorrido no Brasil durante os séculos XVI a XIX. Apesar da historiografia clássica paranaense não abordar diretamente a questão da escravidão, pesquisas mais recentes trazem uma série de estudos, baseados em farta e consistente documentação (HARTUNG, 2005), apresentando como se deu este processo em terras paranaenses, desmistificando a ideia pré-concebida de que não houve, ou se houve, ocorreu em muito menor incidência a escravidão no Paraná, do que no restante do país. Buscamos apresentar como estas visões resultam num entrecruzamento de diferentes questões em conjunto com diferentes atores sociais em um contexto mais amplo, regional e nacional.
A seguir tratamos das questões do processo de emancipação do estado do Paraná, ocorrido em 1853, questões que tiveram como pano de fundo a consolidação das elites madeireiras e latifundiárias estabelecidas no estado, e os desdobramentos na materialização das "dinastias" políticas (OLIVEIRA, 2000)que dominaram o aparato burocrático do estado. Em relação ao quarto momento, tratamos de apresentar o Paraná também como protagonista de alguns dos diversos conflitos internos ocorridos na consolidação da República brasileira. Um dos destaques é o da Guerra do Contestado (TONON, 2008), ocorrida no primeiro quartel do século XX (1912-1916), e que contempla muitos dos problemas que a nascente república enfrentou ao longo do século XX. Por fim, apresentamos os conflitos políticos que antecederam o regime militar (PRIORI e POMARI, 2012), e o cenário político que se desenrolou em terras paranaenses, novamente nos valendo de recente historiografia que aborda aspectos que a historiografia tradicional ou omitiu, ou não abordou de maneira consistente. A história do processo de ocupação da região noroeste do Paraná também é abordada (TOMAZ, 2009). Como muitos dos nossos alunos são oriundos das cidades no entorno da cidade de Paranavaí, onde se localiza o curso de graduação em História, muitos têm uma curiosidade natural sobre como se deu o processo de ocupação e a criação das diferentes cidades ao longo do tempo.
Um outro dificultador para as análises das questões apresentadas tem a ver diretamente com a situação da disciplina de História do Paraná no Ensino Fundamental e Médio. Segundo as Diretrizes Curriculares da Educação Básica (HISTÓRIA, 2008), os conteúdos a serem trabalhados devem priorizar as histórias locais e do Brasil, comparando-as com a história mundial. Para o Ensino Médio, a proposta abrange os temas de cunho histórico. Ou seja, o desafio de se ensinar História do Paraná para os alunos do fundamental e médio está em articular o saber histórico debatido nas aulas da graduação para além do que propõe os livros didáticos e apostilas que dão subsídios para o entendimento do processo histórico de formação do estado do Paraná.
Considerações finais
Ao longo de nosso trabalho com a disciplina de História do Paraná enfrentamos diferentes questões, quais sejam: a problemática da formação do professor de História e seu preparo para a docência nas escolas; a necessidade de se adaptar os conteúdos teóricos para uma realidade menos conceitual e mais prática do cotidiano escolar; o constante processo de seleção temática e textual inerente ao fazer pedagógico. Com esta explanação, quisemos deixar claro que a História do Paraná não se desvincula da História do Brasil. Entendemos que as mesmas dialogam a todo o momento. Para nós é muito claro que não podemos "esgotar" os conteúdos abordados, apenas apontar caminhos que podem ser trilhados por nossos alunos de graduação.

Referências bibliográficas
AVÉ-LALLEMANT, R. 1858, Viagem pelo Paraná. Curitiba: FCC, 1995.
BOGONI, S. O discurso de resistência e revide em Conquista Espiritual (1639), de Antonio Ruiz de Montoya: Ação e reação jesuítica e indígena na colonização ibérica da região do Guairá. Maringá: Dissertação, 2008.
HARTUNG, M. Muito além do céu: esravidão e estratégias de liberdade no Paraná do século XIX. Topoi, Rio de Janeiro, v. 6, n. 10, p. 143-191, jan. - jun. 2005. ISSN 2237-101X.
HISTÓRIA. DIRETRIZES CURRICULARES DA EDUCAÇÃO BÁSICA. Curitiba: SEED, 2008.
MOTA, L. T. A construção do "vazio demográfico" e a retirada da presença indígena da história social do Paraná. PÓS-HISTÓRIA: Revista de Pós-Graduação em História, Assis - SP, p. 123-137, 1994. ISSN 0104-1452.
MOTA, L. T. História do Paraná: ocupação humana e relações interculturais. Maringá: Eduem, 2005.
OLIVEIRA, R. C. O silêncio das genealogias: classe dominante e estado no Paraná (1853-1930). Campinas: Tese, 2000.
PICANÇO, J.; MESQUITA, M. J. A mineração aurífera na ocupação do planalto curitibano e litoral paranaense (séculos XVI-XVIII). Geosul, Florianópolis, v. 27, n. 54, p. 117-137, jul./dez. 2012. ISSN 2177-5230.
PRIORI, A.; POMARI, L. R. O DOPS e a repressão política contra militantes comunistas no Estado do Paraná (décadas de 1940 e 1950). Antíteses, Londrina, v. 5, n. 10, p. 783-805, jul./dez. 2012. ISSN 1984-3356.
SAINT-HILAIRE, A. D. Viagem pela comarca de Curitiba. Curitiba: FCC, 1995.
STECA, L. C. História do Paraná: do século XVI à década de 1950. Londrina: Eduel, 2002.
TOMAZ, P. C. A Região Norte do Paraná e a formação da cidade de Maringá. Semina, Passo Fundo - RS, 2º sem. 2009.
TONON, E. Os monges do Contestado: permanências históricas de longa duração das predições e rituais no imaginário coletivo. Niterói: Tese, 2008.
WACHOWICZ, R. C. História do Paraná. Curitiba: Gráfica Vicentina, 1967.


2 comentários:

  1. Olá José,
    A História do Paraná, não raro, é apresentada no ensino Fundamental e Médio de maneira engessada ou fragmentada. Todavia, esse fato, não seria uma consequência ou mesmo reflexo da forma como ela vem sendo trabalhada em muitas Universidades?
    Parabéns pelo seu texto, e por ministrar a disciplina de História do Paraná com esse diálogo importantíssimo com a História do Brasil e da América.

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  2. Oi, José. Gostaria de saber se há e qual é a relação dos licenciandos, futuros professores, com a disciplina que fala da história do próprio estado, especialmente em termos identitários. Também, se tiveres informações: como e em que série/condição é tratado esse "conteúdo" na educação básica? Importantíssima a exposição dessas problemática como fizeste.
    Letícia Mistura

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