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Israel Aquino

O MUSEU EM SALA DE AULA: RELATO DE EXPERIÊNCIA COM MUSEUS VIRTUAIS
Israel Aquino
Mestrando no PPGH UFRGS

Neste trabalho, procuramos colocar a questão de que lugar as instituições ligadas à preservação e exposição do patrimônio histórico devem ocupar em uma sociedade que se volta cada vez mais para o cibernético, em um mundo em que as representações virtuais vêm cada vez mais ganhando espaço no cotidiano das pessoas, bem como o papel que o ensino e os educadores tem a cumprir nesse processo. O trabalho se desenvolveu a partir de uma experiência com alunos de ensino médio de uma escola pública de Porto Alegre, nas aulas da disciplina de História, realizada a partir do acesso compartilhado ao site Google Art Project (http://www.googleartproject.com/pt-br/), que disponibiliza o acervo de diversas instituições museológicas na Internet para acesso livre e gratuito de seus usuários.

Relações entre tecnologia e patrimônio: desafios e potencialidades para o ensino
Aparentemente, o primeiro desafio encontrado pelos profissionais em salas de aula refere-se a pouca familiaridade ou conhecimento das ferramentas e tecnologias disponíveis dentre o aparato tecnológico contemporâneo. Esse tipo de dificuldade em relação ao uso e domínio das novas tecnologias geralmente contrasta com a atitude das gerações mais novas, que aparentam grande facilidade no domínio destas desde cedo, sendo por vezes chamados de “nativos digitais” (BENNETT et. al., 2008).  Esse seria um momento ideal para estabelecer uma dinâmica de troca de conhecimentos, extrapolando a lógica do ensino tradicional, de maneira a possibilitar maior interação entre aluno e professor, mas sabemos que boa parte dos educadores ainda tem grandes dificuldades com este tipo de prática.
Por outro lado, percebemos que a apropriação destas tecnologias, quando ocorre, tem sido realizada de maneira a reforçar uma abordagem tradicional do ensino, em propostas que não diferem das práticas tradicionais, e não colaboram para uma reciclagem destas, contribuindo para reforçar posturas de apropriação acríticas (FISS & AQUINO, 2013, p. 204). Assim, ocorre o alento do “caráter tradicional da educação, baseado na transmissão de conhecimentos para que os alunos os assimilem de forma passiva” (FRANÇA & SIMON, 2008). Entende-se, assim, que a superação desse tipo de abordagem passa por uma mudança nas concepções e práticas pedagógicas que norteiam a educação.
Ulpiano Menezes (2007) aponta como preocupante a multiplicação de dados na chamada Sociedade da Informação, que muitas vezes implica em uma apreensão rasa e superficial, em detrimento da construção de novos conhecimentos. Esse excesso de conteúdo informacional deixa os indivíduos sem foco, redundando em saturação. Segundo o autor, a hiperinformação gera desinformação (MENEZES, 2007). Ao mencionar os museus virtuais, o autor defende que estes precisam ser desnaturalizados e problematizados, para que através do distanciamento necessário possa haver o discernimento e a apreensão do conhecimento. Assim, Menezes não se opõe estritamente a esta tendência: aceita-a, mas também procura problematizá-la, ressaltando que “é preciso fazer do virtual um território de exploração e não de rendição incondicional ou de sedução consentida” (Idem).
Nesse sentido, Dodebei (2011) aponta que a virtualização dessas instituições implica no surgimento de novos processos de subjetivação, apropriação e uso das narrativas, no momento em que o espaço virtual se transforma ele próprio em um lugar de memória, para usar a classificação de Pierre Nora (1984). Por outro lado, Rosali Henriques indica que a Internet possibilita, através das chamadas visitas virtuais, uma maior visibilidade das instituições patrimoniais, podendo atrair um público maior para as exposições presenciais. Ao transformar “átomos em bits”, o mundo virtual permite aproximar a instituição de uma nova geração cada vez mais “virtual”, auxiliado pelo fato de que “o museu na Internet nunca fecha” (Henriques, 2004). Em suma, podemos ver que os autores não negam a potencialidade oferecida pela parceria entre tecnologias e instituições de patrimônio, e as possibilidades que dai surgem para o ensino, porém não as superestimam, buscando sempre chamar a atenção para a necessidade de uma apropriação crítica, que estimule a produção de conhecimento a partir de uma postura analítica e problematizadora.
Entendemos que no plano educacional, a superação desses obstáculos se vincula principalmente, a adoção de uma postura crítica e comprometida por parte de educadores e educadoras.  A implementação de estratégias pedagógicas que envolvam as TICs requer a adoção de posturas que permitam adaptabilidade e a cooperação. Mas não se trata de colocar em questão a presença dessas tecnologias em sala de aula, mas sim a extensão e o sentido de sua presença. A chave não está, em nosso entendimento, em comparar a utilização destas ferramentas com o ensino tradicional, tentando estabelecer as vantagens e inconvenientes de um e outro. Em vez disso, melhor seria pesquisar como podemos utilizar essas tecnologias para promover a aquisição e o desenvolvimento de novas competências.
Portanto, entendemos que no ensino a utilização destes recursos requer a adoção de uma postura crítica e coerente. Acreditamos que as TICs apresentam forte potencial, no sentido de ampliar as possibilidades do ensino e contribuir inclusive para promover transformações nas habituais relações escolares. A mudança de papéis decorrentes das formas de apropriação dessas ferramentas possibilita, também, que educadores e educadoras sejam impelidos à pesquisa e à reflexão, a fim de responder as novas demandas que surgem nos espaços de aprendizado - presenciais ou não.

Considerações Finais
A proliferação das TICs trazem para o trabalho com o patrimônio e para a educação patrimonial novas perspectivas, não somente por permitir potencializar o acesso aos museus, mas também por dar oportunidade aos museus de saírem de seus muros, conforme aponta Henriques (2004). Contudo, essas tecnologias não vêm para substituir as instituições existentes, mas para quiçá potencializar uma nova perspectiva de interação com o patrimônio.
A experiência realizada mostrou-se bastante proveitosa. Para além da “novidade” com que se deparavam, sempre destacada pelos alunos, foi possível observar que os conteúdos trabalhados e exemplificados através da realização destas visitas “virtuais” aos acervos destas instituições eram sempre os mais lembrados pelos estudantes na avaliação final da disciplina. A ferramenta virtual, utilizada como auxiliar no trabalho de determinados conteúdos e problematizada em sala de aula junto aos estudantes mostrou-se eficaz como complemento ao trabalho do professor, na medida em que se demonstrou que a experiência produziu maior assimilação e interesse entre a turma.
Isso nos permite apontar pistas dos caminhos a percorrer. Conforme Magaly Cabral (2004), “devemos buscar metodologias que permitam [...] a ressignificação cultural e a reformulação de discursos pelo museu, pelo professor e pelo público visitante, [...] [buscando assim alcançar] a democratização do museu”. Para tanto, é essencial que o educador e o profissional das instituições de patrimônio encarem as novas tecnologias como ferramentas com grande potencial inovador, mas que ao mesmo tempo procurem manter uma postura crítica e problematizadora frente a elas.
Finalmente, entendemos que esse potencial transformador está condicionado pelas apropriações que são feitas e pelas relações conscientes que são estabelecidas nesse processo. Nesse sentido, temos claro que é preciso respeitar o conhecimento alheio, buscar aperfeiçoamento e incentivar a curiosidade. O novo não traz respostas por si: é preciso refletir sobre ele, buscar, pensar, pesquisar. O papel de educadores continua sendo o de construir o conhecimento através de uma postura crítica, coerente e comprometida; o conhecimento continua um produto da ação consciente e da reflexão humana.

Referências
AQUINO, Israel. Experiências compartilhadas entre a História, o Ensino e as Novas Tecnologias Digitais. Revista Vernáculo, n. 38, p. 106-126, 2016. Disponível em: <https://goo.gl/A22vWs>. Acesso em 03/02/2017.
CABRAL, Magaly. Museus e o patrimônio intangível: o patrimônio intangível como o veículo para a ação educacional e cultural. MUSAS - Revista Brasileira de Museus e Museologia do IPHAN, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 49-59, 2004. Disponível em: <https://goo.gl/JXUZXR>. Acesso em 25/11/2016.
DELEUZE, Gilles. O atual e o virtual. Em: __________. Filosofia Virtual. São Paulo: Editora 34, 1996. pp. 49-56.
DODEBEI, Vera. Memória e patrimônio: perspectivas de acumulação/dissolução no ciberespaço. Aurora - Revista de Arte, Mídia e Política, São Paulo, n. 10, p. 36-50, 2011. Disponível em: <https://goo.gl/9qoNXT>. Acesso em 25/11/2016.
DODEBEI, Vera; GOUVEIA, Inês. Memórias de pessoas, de coisas e e computadores: museus e seus acervos no ciberespaço. MUSAS - Revista Brasileira de Museus e Museologia do IPHAN, Rio de Janeiro, n. 3, p. 93-100, 2007. Disponível em: <https://goo.gl/mJPsfK>. Acesso em 25/11/2016.
FRANÇA, C. & SIMON, C. Como conciliar ensino de história e novas tecnologias?. Anais do VII Seminários de Pesquisa em Ciências Humanas. Londrina: Eduel, 2008. Disponível em: <https://goo.gl/PCsNqf>. Acesso em 25/11/2016.
FISS, Doris; AQUINO, Israel. Tecnologias de informação e comunicação (TIC), autoria colaborativa e produção de conhecimento no ensino superior. Reflexão e Ação, v. 21, n. 2, p. 199-226, 2013. Disponível em: <https://goo.gl/LW84qF>.Acesso em 27/01/2017.
HENRIQUES, Rosali. Museus Virtuais e cibermuseus: a Internet e os museus. Disponível em: <https://goo.gl/S0bYOx>. Acesso em 25/11/2016.
__________. Os museus na era virtual. XVI Seminário Internacional Museus, Ciência e Tecnologia, Rio de Janeiro: MNH, 2007.

NORA, Pierre. Les Lieux de memoire. Paris, Gallimard, 1984.

19 comentários:

  1. Boa tarde, Israel. Parabéns pelo trabalho. Achei bastante interessante, o uso dessa ferramenta virtual que é a visitação de museus através da internet. Tenho certeza que o contato dos alunos com essas imagens pode abrir um mundo de possibilidades futuras; além de fortalecer a noção de patrimônio entre os mais jovens. A minha pergunta é de que forma foi aplicada essa visitação em sala de aula? Dentro de algum contexto específico e fazendo relação com as obras de uma determinada época? Gostaria de saber mais detalhes sobre a metodologia aplicada em sala de aula. Obrigada! Ana Marcela França.

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    1. (A mesma pergunta foi publicada duas vezes)

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    2. Olá, muito obrigado!
      Na verdade, o impacto em sala de aula foi muito positivo, digo, entre os alunos. A maioria não conhecia a ferramenta, e alguns relataram que voltaram a acessá-la depois, em seu tempo livre, o que achei muito bacana. Na época, estávamos trabalhando em aula o período das Guerras Napoleônicas, por isso a coleção selecionada para a visita guiada foi a do Imperial War Museum, de Londres, além de dar um tempinho para eles visitarem outras coleções também.
      Abraço!

      Israel Aquino

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    3. Muito legal! Boa essa informação que eles voltaram a acessar o site no tempo livre deles. Já foi semeada a transformação! Abraços.

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  2. Olá Israel, boa noite!
    Estou tentando planejar uma aula utilizando o museu virtual como ferramenta metodológica, mas uma dificuldade que estou encontrando é a falta de acesso a internet (além do material necessário) no ambiente escolar, você conhece algum site que disponibiliza essas visitas virtuais para download? E também quero saber um pouco mais sobre a metodológica que você utilizou para a aplicação desse trabalho.
    Obrigada pela atençāo,
    Rebeca Manaia de Santana.

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    1. Oi Rebeca,
      De fato, esse déficit estrutural é uma das principais dificuldades pra levar adiante esse tipo de atividade, o que é uma lástima. Mas acho que existem algumas alternativas. Vamos lá:
      Primeiro, precisas pensar o que pretendes abordar com essa aula. É algum conteúdo específico? Por que isso, claro, vai delimitar os museus com que podes trabalhar. Nem todos os museus que têm conteúdo disponível na internet trabalham da mesma forma. Os mais legais (minha opinião) possuem aquele recurso de realidade aumentada que te permite 'andar' pelos corredores do Museu, entrar nas salas, um mecanismo semelhante ao Google Street View. Outros apenas dispõe de imagens de algumas obras para visualização, como se fossem slides.
      Seja como for, no primeiro caso, não conheço sites que disponibilizem essas visitas pra 'download', que imagino seja a tua dúvida. O que achei na internet foram vídeos (no Youtube) que mostram visitas a esses sites. Uma alternativa seria baixar os vídeos. Outra forma de trabalhar seria através de aplicativos para celular, hoje em dia já existem alguns gratuitos. Se houver alguns aparelhos disponíveis para aula, pode ser uma alternativa.
      Abraço!

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  3. Olá Israel. Quais conteúdos foram trabalhados com estas coleções virtuais? Você conhece esta página do Facebook: https://www.facebook.com/leitorado.antiguo/

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    1. Oi José,
      Eu não conhecia a página, parece bem bacana. Na época, estávamos trabalhando em aula o período das Guerras Napoleônicas, por isso a coleção selecionada para a visita guiada foi a do Imperial War Museum, de Londres, além de dar um tempinho para eles visitarem outras coleções também.
      Abraço!

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  4. Boa tarde, Israel. Parabéns pelo trabalho. Achei bastante interessante, o uso dessa ferramenta virtual que é a visitação de museus através da internet. Tenho certeza que o contato dos alunos com essas imagens pode abrir um mundo de possibilidades futuras; além de fortalecer a noção de patrimônio entre os mais jovens. A minha pergunta é de que forma foi aplicada essa visitação em sala de aula? Dentro de algum contexto específico e fazendo relação com as obras de uma determinada época? Gostaria de saber mais detalhes sobre a metodologia aplicada em sala de aula. Obrigada! Ana Marcela França.

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  5. Bacana seu trabalho! Parabéns! É um belo projeto cultural.

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  6. Olá Israel, parabéns pelo seu trabalho, achei interessantíssimo. A visita a um museu virtual muda a cara da aula e abre possibilidades a alunos que no dia a dia não têm condições de conhecer um museu real, seja por qual motivo for. Temos que realmente aproveitar a tecnologia no que ela pode facilitar e melhorar as nossas vidas e esse é um exemplo maravilhoso. Ana Maria da Costa

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    1. Obrigado Ana, também foi uma experiência muito rica pra mim.

      Israel

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  7. Olá Israel, fiquei encantada com seu trabalho, como escritora virtual eu torço muito para que logo estejamos atrelados aos recursos tecnológicos para enriquecer nossas aulas. Você acredita que, num futuro a longo prazo, os museus virtuais serão capazes de substituir os tradicionais, assim como já se fala sobre os e-books ocupando o lugar dos livros impressos?

    Janaina da Silva

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    1. Olá Janaína, muito obrigado.
      Sinceramente, eu espero que não. Também sou um leitor "digital", mas acredito que sejam experiências distintas. A preservação das instituições de patrimônio é um fator importante na sociedade, acredito (ou espero) que no futuro instituições físicas e virtuais devem existir paralelamente, cada uma cumprindo seu papel.

      Israel Aquino

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  8. Oi Israel, boa tarde

    Achei muito interessante o uso da ferramenta disponibilizada pelo google pois é algo que pode abrir uma imensa gama de possibilidades para os professores atuantes em sala de aula despertarem o interesse dos alunos para determinadas temáticas. Durante meu estágio na graduação em História utilizamos em sala um site que possibilitava um tour virtual pela caverna de Lascaux e foi uma ótima experiência. Como você acha que os professores podem lidar com as adversidades de infra estrutura das escolas, já que o sistema de imagens fica disponível online?

    Att,
    Nathália Hermann

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    1. Esse é o maior desafio, Natália, e infelizmente parece ser o mais distante de ser superado, já que não existe investimento adequado. Acredito que professores podem usar de criatividade e de novas tecnologias, como celulares e aplicativos gratuitos, mas claro que o ideal seria investimento e qualificação das escolas.

      Israel Aquino

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    2. Bom dia Israel! Parabéns pelo seu trabalho, achei inovadora a sua prática de ensino a partir do uso da tecnologia. Gostaria de saber se os alunos também trouxeram contribuições para a aula, pois muitas vezes esse público detém mais conhecimento que os professores?
      Jumara Carla Azevedo Ramos Carvalho

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    3. Olá Jumara,
      Como eu disse, os alunos não conheciam o projeto, então pra eles foi uma novidade. Eles ficaram empolgados com a novidade, como eu comentei alguns voltaram a acessar em casa, então foi uma experiência proveitosa. Mas concordo contigo, os alunos sempre tem contribuições a fazer, principalmente quando falamos dessas novas tecnologias.
      Israel Aquino

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