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Igor Moreira

ENSINO DE HISTÓRIA & HISTÓRIA PÚBLICA: REFLEXÕES ACERCA DA PRÁTICA DOCENTE
Igor Lemos Moreira
Graduado em História pela UDESC

Esta breve comunicação objetiva apresentar um reflexões sobre o Ensino de História partindo do estágio docente desenvolvido nas disciplinas de Estágio Curricular Supervisionado II e III do curso de História (Licenciatura) da Universidade do Estado de Santa Catarina. Na ocasião em questão, desenvolvi, em parceria com outros dois colegas, o acompanhamento da turma durante três meses (de abril a junho), envolvendo a aplicação de duas oficinas, e no semestre seguinte a regência da turma por oito semanas (dividas entre Agosto, Setembro e Outubro). Neste período de aproximadamente dois meses de aula deveríamos debater com os alunos o tema do Imperialismo e Neocolonialismo no continente africano durante o Século XX.
Partindo do pressuposto de que o docente deve/pode se observar enquanto também um pesquisador (BARCA, 2004), cada integrante do trio, deveria possuir um tema de pesquisa e de trabalho individual a ser desenvolvido durante o período de regência e que reverberaria em nossas maneiras de condução das aulas. Por conta de meus interesses de pesquisa, voltados a História do Tempo Presente, propus guiar minhas reflexões entorno das discussões recentes sobre a História Pública, focalizando especialmente nas possíveis intersecções com o Ensino de História. Com este objetivo, visei nas atividades desenvolvidas e no momento de produção do relatório final exigido pelas disciplinas, relacionar os conceitos de Consciência Histórica, Didática da História e História Pública.
Segundo os estudos de Klaus Bergmann, a “Didática da História” pode ser compreendida enquanto o campo de estudos centrado na pesquisa acerca da “elaboração da história e sua recepção, que é formação de uma consciência histórica” (BERGMANN,1990. p. 30) formada/constituída, a partir de um contexto sócio-histórico. O autor ainda alerta para uma diferenciação dos estudos relativos a este campo anteriores as décadas de 1960 e 1970, pois a partir deste momento, a “Didática da História” passa a não ser mais entendida enquanto os modos e métodos de ensino da disciplina, mas a ser compreendida em relação à necessidade, os objetivos e funções do ensino de história. Essa observação, coloca aos professores/historiadores a necessidade de reflexão dos elementos que existentes cotidianamente em nossa sociedade (FONSECA, 2016), trazendo-os para a sala e aula, estimulando e desenvolvendo o senso critico e o posicionamento dos estudantes, compreendidos conforme Barca (2004), enquanto sujeitos ativos em seu processo formativo.
Durante as oito semanas de estágio foram realizadas atividades voltadas a realizar trais aproximações e estimulando que os alunos não apenas refletissem mas relacionassem o conteúdo do início do século XX com a atualidade, partindo de um interesse tanto dos discentes quanto dos docentes relativos a “um presente que é o seu, em um contexto em que o passado não está acabado, nem encerrado, em que o sujeito de sua narração é um ‘ainda-aí’” (ROUSSO, 2016. p. 18). Alguns dos exercícios desenvolvidos foram: Análise e discussão a acerca da apresentação da cantora Beyoncé no Superbowl de 2016, em função das mensagens de lutas anti-racistas e da expressão de uma serie de estratos de tempos na letra e performance; debate acerca da letra do video clipe da música Work, da cantora Rihanna, relacionando a questão de negritude com a América Latina, em conjunto com a paródia da música feita pela youtuber Kéfera; Projeção e discussão dos filmes Haispray, Invictus e Mandela.
Nestas ocasiões, pautados nos conceitos anteriormente destacados, busquei trabalhar as relações entre historiadores e a dimensão do público. De acordo com Ricardo Santhiago (2016), é preciso observarmos que a emergência das mídias, sua expansão, e o desenvolvimentos dos modos de comunicação, abriram possibilidades sem precedentes para a ampliação do campo de atuação para jornalistas, cineastas, artistas, cantores, biógrafos… e de formação de novos sujeitos ligados a tais meios. De encontro a isso, “a disseminação de recursos tecnológicos e, por fim, a popularização da internet, as formas adquiridas pelo chamado ‘espírito público da história’ se multiplicaram, pouco ou nada dependendo da instituição de um campo formalizado de debates.” (SANTHIAGO, 2016. p. 24).
No decorrer do período de estágio, e das atividades desenvolvidas, observei que os diálogos entre Didática da Histórica, Consciência Histórica e História Pública são profícuos para os historiadores e e representam um espaço de reflexão fundamental para o professor. Ao considerar o aluno enquanto atuante em seu processo formativo e trabalharmos com casos próximos de sua realidade vivida, especialmente através da dimensão da associações com suas consciências acerca do passado, suas memórias, lembranças e visões sobre o passado, o docente poderia relacionar com a proposição de Santhiago (2016) de considerarmos, pelo caminho da História Pública, a atuação dos públicos na formulação de narrativas históricas expressas diretamente ou indiretamente. Em consonância com Albieri (2011), ao refletir e considerar que todos os sujeitos, inseridos ou não nos meios acadêmicos ou escolares, formam e atuam nas “consciências históricas” sobre as temporalidades nas quais vivem, os lugares e os passados vividos, propus naquelas ocasiões trabalhar com materiais não apenas mais próximos das realidades estudantis, como temas e figuras que, acreditei, despertassem mais o interesse deles do que pinturas ou gravuras do período, não que estas não tenham sido utilizadas, de fato foram, mas em outros momentos.

Referências
BARCA, Isabel. Aula Oficina: do projecto à avaliação. ___________________ (Org.) Para uma educação histórica de qualidade. Actas das IV Jornadas Internacionais de Educação Histórica. Braga:Universidade do Minho, 2004, p.131-144.
BERGMANN, Klaus. A história na reflexão didática. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 9, n.19, set.89/fev.90, p. 29-42, 1990.
FONCESA, Thais Nívia de Lima e. Ensino de história, mania e história pública.MAUAD, Ana Maria; ALMEIDA, Janiele Rabêlo de; SANTIAGO, Ricado (Org). História Pública no Brasil: Sentidos e Intinerários. São Paulo: Letra e Voz, 2016. p. 185-194.
ROUSSO, Henry, A última catástrofe: a história, o presente e o contemporâneo. Rio de Janeiro: FGV, 2016.
RÜSEN, Jörn. História Viva. Teoria da História III: formas e funções do conhecimento histórico. Brasília: UNB, 2007.

SANTHIAGO, Ricardo. Duas Palavras, Muitos Significados: Alguns comentários sobre a história pública no Brasil. MAUAD, Ana Maria; ALMEIDA, Janiele Rabêlo de; SANTIAGO, Ricado (Org). História Pública no Brasil: Sentidos e Intinerários. São Paulo: Letra e Voz, 2016. p. 23-36.

5 comentários:

  1. Trabalho com cultura histórico num sentido bastante aproximado da História Pública que você apresenta. Vou aprofundar as leituras. Você tem alguma sugestão de algo disponível online sobre esse assunto?

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    1. Olá, Boa Tarde.
      Acredito que os dois principais livros sobre o tema da história pública ainda não se encontram digitalizados em algum algum local online, porém você consegue achar alguns Dossiês já disponíveis em revistas e artigos "soltos" também. Abaixo seguem alguns dossiês ou artigos que podem lhe ajudar:

      Dossiê História Pública da Revista Tempo e Argumento:
      http://revistas.udesc.br/index.php/tempo/issue/view/519/showToc

      DOSSIÊ HISTÓRIA PÚBLICA: ESCRITAS CONTEMPORÂNEAS DE HISTÓRIA da Revista Transversos:
      http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/transversos/issue/view/1384

      Dossiê História Pública da Revista Resgate:
      http://www.cmu.unicamp.br/seer/index.php/resgate/issue/view/31/showToc

      Artigo publicado por mim e a professora Márcia Ramos de Oliveira na revista PerCursos:
      http://revistas.udesc.br/index.php/percursos/article/viewFile/984724617342016052/pdf_55

      Espero ter ajudado.

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  2. Olá, Igor. A abordagem da história Pública é bastante pertinente para a temática do Ensino da História. Como orientadora de trabalhos no mestrado que se encaminham para esta vertente, tenho percebido que os estudos sobre os fenômenos tratados na disciplina enfrentam o senso comum e a publicização do histórico produzindo a sua banalização. Pergunto, como conferir mais autoridade ao que é ensinado pelo professor de história na era da informação que produz muita desinformação?

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    1. Olá Jeannie,
      Tudo Bem?

      Essa é uma pergunta que tenho me feito a muito tempo e que inclusive me inquietou bastante durante o estágio desenvolvido. Desde 2015 venho "enfrentado" questionamentos em eventos ou por colegas e em outras ocasiões, sobre afinal o que seria essa História Pública que vem se desenvolvendo no Brasil e até que ponto isso "atinge" a autoridade do pesquisador, do docente ou interfere nos nossos métodos de pesquisa. A questão é, a proposta que venho desenvolvendo com a história pública é justamente em um caminho inverso a isso, seria justamente de colocar ao historiador um papel público em que o mesmo precisa interagir com esses meios e espaços diretamente e, principalmente, lidar com estes meios e os sujeitos que estão inseridos neles (seja o ambiente virtual ou qualquer outro) enquanto um espaço necessário de intervenção, participação e reflexão. Na era da informação, como você mesmo coloca, não nos cabe dizer o que está errado ou certo propriamente. Primeiro pois não existe uma verdade absoluta, mas sim vontades de verdade (para citar Foucault), segundo que não caberia ao historiador ser o Juiz da verdade se esta existisse. Penso que o melhor modo de conferirmos maior autoridade ao professor é que este provoque seus alunos, reconheça a importância dos meios virtuais e digitais e estimule o senso critico nos discente, fornecendo a eles mecanismos para que duvidem do que leem, que pesquisem, que analisem e se questionem sobre o que estão consumindo diariamente.
      Não sei se lhe respondi, se deixei algo em "aberto" pode ficar à vontade.

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    2. Sinto-me contempladíssima com a resposta. Estou muito curiosa em pesquisar sobre a história pública. Parabenizo você a sua orientadora pelo tratamento acadêmico dado ao assunto e tenho fé que esta seja uma linha de pesquisas muito frutíferas para ampliar as nossas intervenções enquanto historiadores e professores de história neste "país das maravilhas" tecnológicas, sobretudo se nos apropriarmos delas. Muito boa sua argumentação e o seu trabalho. Um abraço

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