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Helayne Cândido

ENSINAR HISTÓRIA: UM DILEMA ENTRE PENSAR HISTORICAMENTE OU PREOCUPAR-SE COM A CALIGRAFIA?
Helayne Cândido
Prof. Esp. UNESPAR

Em meados da década de 90, fui solicitada por um professor de Geografia a realizar uma tarefa que consista em desenhar mapas. Lembro-me que realizei com o maior capricho, utilizando as ferramentas que eu tinha ao meu alcance: lápis de cor, canetinhas e folhas de carbono. Ao entregar a tarefa, o olhar de desprezo e dúvida do meu professor talvez justifique minha pouca simpatia pela sua disciplina.
Não me lembro exatamente sobre o que se tratava o tal mapa e não entendia o por quê que eu tinha de fazê-lo. Lembro-me do prazer que senti ao realizá-lo com tanto capricho, como uma atividade de desenho entre tantas outras. Ao mesmo tempo em que me perguntava qual a real necessidade daquilo, sendo q havia tantos mapas em livros, apostilas ou aqueles painéis que se coloca na parede da sala para uma boa visualização do grupo.
Com o passar dos anos, pensei que nunca mais sentiria essa dúvida... Ledo engano... 2017 e me pergunto por que eu tenho que fazer meus alunos fazerem mapas.
A intenção desta escrita é uma profunda reflexão sobre o real papel dos professores em sala de aula, principalmente a minha participação na contribuição na formação de um pensamento histórico de meus alunos e minhas alunas.
Sou pedagoga, professora das séries inicias e uma eterna apaixonada pela disciplina de História. Formada também nessa área, muitas são as vezes que me deparo com conflitos de como ensinar história, de que maneira atingir meus estudantes, que ferramentas utilizar para alcançá-los, como despertar o pensamento crítico e de análise, no caso, em crianças do ensino fundamental.
Seria mais fácil entender as crianças como recipientes prontos para terem conteúdos despejados em suas cabeças e não entendê-las como seres historicamente em formação, construídos em seus meios de relação, com opiniões a serem consolidadas e/ou descontruídas. Ou pedir para que desenhem mapas quando posso na verdade interpretar um mapa com meus alunos e alunas.
Interpretar: eis o ponto chave do ensino de História. Ensinar História é o eterno e contínuo exercício de conscientização pelo ser que você é, pelo meio em que você vive, pelo reconhecimento do outro/outra e das relações que permeiam nossas vidas.
A construção e aprendizagem dos conhecimentos históricos devem, então, considerar, nas suas abordagens ao longo do Ensino Fundamental e Médio, distintos graus de complexidade, dialogando com as primeiras formas de expressão e comunicação, em textos de linguagem simples e objetiva, com a produção de textos literários e científicos e com as diversas manifestações artísticas. Destaca-se, nesses termos, a necessidade da sensibilização para a pesquisa. Busca-se a valorização do exercício da crítica documental como princípio da investigação e da construção do conhecimento histórico. Os estudantes, no cotidiano, produzem variados registros e impressões sobre suas vivências e saberes. Tais registros podem e devem ser mobilizados para o exercício da crítica documental e para a elaboração de narrativas históricas, orais, textuais e imagéticas. O conceito de documento histórico torna-se central na articulação das práticas de investigação dos saberes e fazeres dos diversos estudantes, interferindo diretamente na compreensão da relação entre memórias individuais e coletivas, entre indivíduo e sociedade, bem como na questão dos patrimônios culturais. Informa, igualmente, a elaboração de narrativas, das mais impregnadas pelas vivências imediatas, de caráter mais autobiográfico e testemunhal, a outras preocupadas com metodologias de análise e procedimento. (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2014, p.120.)
Quero deixar claro que entendo a importância do ensino de Geografia e reservo aos especialistas desta área, a explicação de seus métodos de ensino. Mas, como professora de História, prefiro debater ideias com meus alunos e alunas, interpretar fatos, ouvi-los, desconstruir e construir saberes.
Isto significa que não posso me ater apenas a desenhos e cópias de mapas, dos mais variados tipos, e não fazer com que meus alunos e alunas vejam, interpretem, compreendam o tempo e os acontecimentos que ocorreram para que esse mapa seja representado de tal forma. Para isso, posso utilizar os mapas dos livros,( desta maneira a visualização é até melhor, pois está em sua mesa) ou mapas em data show ou em cartazes para toda a turma. Fazê-los desenhar milhares de mapas ou copiá-los, é negar-lhes a oportunidade de verem o mundo para além da simples repetição de conceitos.
Com o pé na sala de aula, trabalho numa cidade do interior do estado do Paraná, e as disciplinas de História, Geografia, Ciências e Ensino Religioso são entendidas como Ciências Humanas, com o intuito de se trabalhar interdisciplinarmente. Porém, a quantidade de conteúdos de cada disciplina a serem ministradas, com o pouco tempo de aula para serem realizadas torna a seguinte proposta, muitas vezes, impossível:
A prática da pesquisa (7) é fundante para a construção e revisão de saberes a serem mobilizados na área de Ciências Humanas, nas experiências curriculares da Educação Básica. A pesquisa, como método de ensino, aproxima os estudantes da atitude investigativa diante da realidade e permite o domínio cognitivo e reflexivo dos saberes sobre os quais se organiza a vida em sociedade (9) (11). Desta forma, possibilita-se ao estudante a apropriação prática dos saberes que, em seus aspectos interpretativos e normativos, revelam a complexidade e diversidade dos elementos simbólicos com os quais a sociedade é representada e significada por seus diversos agentes. (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2014, p.118.)
Ensinar História com o objetivo de desenvolver a criticidade histórica em nossos alunos e nossas alunas significa envolvê-los na aprendizagem, com atividades que envolvam desde a interpretação de textos, cartas, fotos, vídeos, mapas, construírem maquetes, apresentar para outros estudantes, agregar os pais com tarefas de casa, pesquisas... Tudo isto faz com que tenhamos uma postura frente ao ensino de História, diferente do tradicional, que não há muito tempo atrás, tinha como importante a decoreba de datas, nomes e siglas.
O tempo em que estamos vivendo, os conflitos que nos deparamos envolvendo crises econômicas, greves em todas as áreas e a sociedade num todo tomando como verdade o que vê no mundo da internet, informações sem embasamento, nos faz pensar e refletir que tipo de educação eu quero realizar? Qual o meu e/ou o seu objetivo ao entrar em uma sala de aula? Como foi a educação no passado e qual a herança que ela nos deixou?
Visto a quantidade de conteúdos a serem trabalhados e tendo ciência de que o estudo nessa área abrange além dos livros didáticos, de que é preciso aulas práticas, com experiências e vivências, muitas vezes parece uma missão impossível. E aqui aparece o perfil do professor. Este que deve ter consciência de seu papel na sociedade e na formação de seus alunos e de suas alunas. E tendo consciência, assume uma postura. É dele o papel de planejar e verificar a aprendizagem de acordo com os moldes de apreciação de nossos alunos e alunas nos dias de hoje. Adotando uma postura, o professor ou a professora saberão exatamente o que desejam de seus alunos e alunas: se uma letra redondinha ou a riqueza de ideias!
Sim! Parece uma situação ultrapassada... mas aconteceu comigo. Trabalhando o tema “Violência contra as Mulheres”, fiquei eufórica e feliz ao me deparar com a escrita, principalmente das minhas alunas, sobre o tema abordado. Sua clareza no entendimento e determinação de pensamento me mostrando a consciência dessas garotas de 10 ou 11 anos, a respeito de amor-próprio e cuidado com seus corpos, me fez sentir que eu havia atingido meu objetivo. Mas, o que ouvi da equipe pedagógica era de que eu precisava cuidar da caligrafia delas.
Aqui, então, compreendi o quanto “o sistema” quer nos podar. O quanto colocar nossos ideais de uma educação libertadora (aqui honro os ideais de Paulo Freire) precisa lutar com pessoas que ainda vivem numa escola com olhar ditatorial e jesuíta.
Ao contrário das posturas pedagógicas e práticas de avaliação que privilegiam critérios de seleção, hierarquização e exclusão, sob a justificativa da busca da “excelência”, defendo a avaliação do ensino e da aprendizagem em História como um ato de inclusão, uma ação formativa e cidadã. Isto tem várias implicações. Como você bem sabe, nem todos os agentes educativos pensam da mesma maneira. Não é fácil avaliar. Muito menos o ensino e aprendizagem. Há vários preconceitos, medos, sentimentos negativos e positivos, além de aspectos políticos, econômicos, culturais, institucionais, epistemológicos, pedagógicos e técnicos que envolvem a questão. ( FONSECA, 2009, p. 215)
Este texto ocorreu muito mais como um desabafo. Como professora, constantemente refletir sobre minhas ações dentro da educação, de maneira a modificar paradigmas de uma escola que ainda se mantém viva nas paredes e nos discursos de pessoas que ainda não entenderam o real objetivo de uma educação libertadora e democrática. Mas, meu desabafo sempre buscará embasamento científico e reflexivo, porque para além de uma cópia de mapa ou da letra dita perfeita do meu aluno, eu quero vê-lo com entusiasmo por escrever suas ideias de um mundo melhor e possível.  

Referências:
FONSECA, Selva Guimarães. Fazer e Ensinar História. Belo Horizonte: Dimensão, 2009.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Por uma política curricular para a educação básica: contribuição ao debate da base nacional comum a partir do direito à aprendizagem e ao desenvolvimento. 2014.

In: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/documentos/biblioteca/GT_Direitos%20a%20Aprendizagem_03jul2014.pdf

10 comentários:

  1. Com o passar do tempo as noções do saber vem se modificando, transformando-se em algo que está sempre em movimento e proferido por vários espaços. Essa modificação levou os métodos de avaliação a também se transformarem, passou-se agora a haver uma maior preocupação dos conteúdos aplicados em sala e aplicação dos mesmos na vida prática. Ensinar história é um grande desafio em meu modo de pensar. Professora Helayne Cândido gostei de suas colocações.

    Como se dá a construção e aprendizagem dos conhecimentos históricos ao longo do processo ensino aprendizagem, mesmo que a história apresente distintos graus de complexidade?

    Andreline Cardoso Paiva

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    1. Boa noite, Andreline...

      Penso q esse é nosso constante questionamento, para o ensino de História, principalmente nos anos inciais. Se antes bastava meu aluno ou aluna, decorarem datas e nomes, hoje eu preciso mostrar-lhes a complexidade de tais fatos que envolvem nossa História. Não gosto do discurso de que "criança não entende". Criança entende sim... na linguagem dela. Então, precisamos pensar maneiras de atingi-la. Uma delas é a experiência prática, aulas de campo e principalmente, outra bandeira que levanto, que é o de se desenvolver a empatia. Não consigo ensinar História sem ter agregada a empatia. Então, eu preciso analisar o nível de compreensão das minhas crianças e buscar maneiras com que elas realmente aprendam História.

      Espero ter respondido sua pergunta.

      Muito grata!

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  2. Corrigir a caligrafia não é um preconcieto linguistico? texto revolucionario!
    Carlos Eduardo

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    1. Boa noite, Carlos!

      Penso que a escola é o ambiente onde encontramos vários tipos de preconceitos. E nós, professores e professoras, temos que desconstruir tais paradigmas. Isto, muitas vezes, não é tarefa fácil. Mas, não podemos fechar os olhos e apenas "vencer o conteúdo".

      Muito obrigada pelo "revolucionário"! =D
      Espero ter respondido sua pergunta.
      Muito grata!

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  3. Parabéns pelo texto. Também sou pedagoga e Historiadora e vivencio tais dilemas. No primeiro ciclo dos anos iniciais o foco é a aprendizagem da leitura, escrita e matemática. A história, como toda gama de gêneros textuais que a narram, é pouco ou raramente aproveitada. No 4º e 5º ano, quando o aluno já tem melhores condições de se colocar historicamente, vem o sistema e nos poda. Querem as datas, os heróis, as provas de decoreba. Tá cada vez mais difícil a liberdade de ensinar e aprender. Esse também um desabafo!!! Na sua escola os alunos utilizam livro didático?

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    1. Olá...

      Sim! Eles possuem livro didático. Até o ano passado, tinham também uma apostila que abordava pontos históricos de nosso município. Agora, não mais... =/
      O que acaba me preocupando, pois nem todos ou todas tem a formação histórica e nem todos ou todas entendem a importância de um ensino de História que desenvolva a capacidade crítica de nossas crianças. Ainda ouço, que tal assunto ou outro, não precisa ser trabalhado, ou é trabalhado de qualquer forma, passando textos e mais textos na lousa, com crianças em idades cheias de energia. Isso torna o ensino de História massante! E não é a toa, que depois quando as crianças crescem um pouquinho, elas acham a disciplina chata.
      Penso que o livro didático deve ser analisado pelo professor ou professora, mas também há tantas coisas para se fazer fora deles nessa disciplina.

      Espero ter respondido sua pergunta.
      Muito grata!

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  4. Querida Helayne,

    Primeiro, quero te parabenizar pelo texto e dizer que me sinto contemplada no seu desabafo, pois também vivi dessas situações de constrangimento em relação à caligrafia.
    Mas como é bonito observar, pela sua narrativa, que você tem sabido priorizar o que é necessário a um ato educativo verdadeiramente libertador, para citar nosso amado Paulo Freire. Mais que isso, como é bonito te ver ainda empreendendo um exercício de reflexão sobre sua prática e sobre os sentidos que te movem.
    Minha pergunta para você é como foi conduzido o tema da violência contra as mulheres com as crianças? Fico curiosa porque se trata de um tema delicado que pode servir de gatilho para que situações de violência doméstica apareçam, né?!
    E outra questão que me despertou curiosidade foi em relação às narrativas das meninas. Que elementos elas trouxeram, em seus textos, que mais te chamaram atenção?

    Um abraço,

    Caroline Trapp de Queiroz.

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    1. Boa noite, Caroline!

      Fiquei muito feliz com seu comentário!
      Tudo começou com aquela área da disciplina de "Ciências Humanas", em que se estuda os órgãos sexuais. A aula estava indo muito bem... até que comento sobre a questão de respeito ao corpo d@ outr@. Então, tanto meninos, como meninas, começaram a contar casos de violência em suas casas.
      Eu poderia simplesmente, encerrar a aula e fechar o livro e partir para outro conteúdo. Mas, eu não consegui fazer isso. Convidei uma Professora que pesquisa e trabalha questões de Gênero e Violência contra as Mulheres, para que realizasse uma fala para meus alunos e minhas alunas.
      E foi maravilhoso! Ela explicou para as crianças, na linguagem delas, que somos tod@s pessoas, com suas particularidades e que as mesmas devem ser respeitadas. O velho ditado de que não se faz ao outr@ o que não queremos que façam para gente.
      Em seguida, pedi para que as crianças realizassem um escrita sobre o que compreenderam e foi gratificante! Principalmente, o que as meninas escreveram, demonstrando uma visão de mundo de empoderamento, longe dos padrões que eu tinha na idade delas, por exemplo. Com sonhos de serem protagonistas de suas vidas e não admitir nenhum tipo de violência.

      Espero ter respondido sua pergunta!
      Muito grata!

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  5. Interessante seu posicionamento.
    Leciono historia para turmas de 6 anos e encontro o mesmo dilema: alfabetizar, melhorar a escrita ou ensinar a disciplina?

    Att.
    Carla Surcin

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    1. Boa noite, Carla!

      Sim... muitas são as vezes em que encontramos crianças com um nível inadequado a série em que estão. E somos cobradas para ajudar as crianças a superar tais dificuldades. Vejo isso sempre como um desafio. Eu preciso tentar atingir essa criança de alguma maneira.Para isso, eu também preciso do apoio da equipe pedagógica (uma que não queira tapar o sol com a peneira), dos outros professores que trabalham na turma, e isso envolve comprometimento de todos (o que nem sempre acontece), e a família presente na vida dessa criança também.
      Penso que ela não pode sofrer nenhuma negligência. É preciso procurar saber e entender as dificuldades que ela ou elas apresentam.
      É uma tarefa difícil? É!Mas, penso que não dá pra perder a esperança! Difícil te dar uma resposta específica... mas este dilema é uma constante em nossa vida. Pensamos e repensamos isso cotidianamente.

      Espero ter respondido sua pergunta.
      Muito grata!

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