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Ernesto Padovani

ENSINO DE HISTÓRIA, ORALIDADE, ALTERIDADE E SURDEZ
Ernesto Padovani Netto
Mnt. ProfHist –UFPA

No campo do ensino, uma discussão sempre presente é, como deixar as aulas mais interessantes para os alunos? Como despertar o interesse dos alunos pelo conteúdo ensinado? Elza Nadai inicia seu artigo: “O ensino de história no Brasil: trajetória e perspectiva”, com uma epígrafe valiosa para nossa análise, vejamos:
Nossos adolescentes também detestam a História. Votam-lhe ódio entranhado e dela se vingam sempre que podem, ou decorando o mínimo de conhecimentos que o ‘ponto’ exige ou se valendo lestamente da ‘cola’ para passar nos exames. Demos ampla absolvição à juventude. A História como lhes é ensinada é, realmente, odiosa... (MURILO MENDES Apud NADAI, 92/93, p. 143)
A citação a cima traz um texto de Murilo Mendes publicado em 1935 e nos instiga a pensar se ainda hoje persiste essa ideia sobre o ensino de história e quais práticas os professores da disciplina tem buscado para a superação desse quadro.
Pela tradição sabemos que as aulas de história convencionalmente se consolidaram em torno da oralidade, dentro da metodologia da chamada aula expositiva, onde o professor promove a leitura de textos didáticos e em seguida explica os conteúdos lidos. Circe Bittencourt aponta para essas características das aulas de história no Brasil, desde fins do século XIX, afirmando ainda que os alunos deveriam ler o texto, dominar as palavras escritas e repeti-las para o professor diante dos colegas. Desta forma a autora conclui que a “lição” do livro se caracterizava por ser uma exposição oral da palavra escrita (BITTENCOURT, 1996). Atualmente, em que pese todo um leque de novas possibilidades de recursos e métodos para o ensino, tais como: cinema, televisão, internet, games, etc. as formas mais tradicionais parecem ainda persistir, como aponta Ana Maria Monteiro, a partir de pesquisas bem mais recentes sobre Ensino de História, a autora afirma o seguinte:
Neste contexto, foi possível verificar que a aula ‘magistral’, a ‘exposição oral’, tem sido a forma predominante, e mais comum, utilizada por professores de História, que dificilmente dela conseguem escapar. Pode-se perguntar, até, se faz parte do ‘habitus’ dos professores de História, de sua cultura profissional. Por que isso ocorre?
Com raízes no método socrático e na tradição eclesiástica, através dos
sermões e preleções dos padres católicos e pastores protestantes, esse tipo de aula tem sido alvo de intensas e variadas críticas que denunciam seu caráter reprodutivista, opressivo e indutor da submissão, forma exemplar da "educação bancária", do ensino tradicional, tão questionado pelas pedagogias emancipatórias pautadas no construtivismo. Mesmo assim, percebemos uma grande dificuldade por parte dos professores de História em abandonar essa prática, apesar de toda a ênfase posta na necessidade de se ensinar História ‘para desenvolver nos alunos uma cidadania crítica e transformadora do mundo’.
 (MONTEIRO. 2007, p. 15)
 A manutenção desse modelo de aula, seguramente coloca o ensino de história em uma crise reflexiva de seus referenciais teórico-metodológicos em relação a formação dos alunos, os quais, ainda são pensados em sua maioria, nos seus grupos majoritários, ou seja, alunos ouvintes. Se estes têm dificuldades em se interessar por história dentro da forma pela qual a disciplina tem sido ensinada, os alunos surdos, por sua própria condição, tem sido alijados do direito à essas aulas, uma vez que a oralidade não os contempla, a Língua Portuguesa na modalidade escrita ainda é um grande desafio para os surdos, pois há grandes defasagens na alfabetização de surdos em relação ao português, haja vista que ao não ouvir, as palavras tornam-se um emaranhados de símbolos, aos quais o sujeito surdo tenta atribuir significado e ainda, esses estudantes raramente vivenciam um ambiente escolar que reconheça e utilize sua língua natural: a Língua de Sinais, no caso do Brasil, a LSB (Língua de Sinais Brasileira).
Desta forma, grupos da sociedade passam a não se reconhecer na escola e não se sentem pertencentes à comunidade escolar. Nadai, partindo do ensino de história, mas ampliando para a escola como um todo, chega a afirmar que o ensino de história vive uma conjuntura de crise, uma “crise da história historicista”, que resulta do descompasso existente entre as múltiplas e diferenciadas demandas sociais e a incapacidade da instituição escolar em atendê-las ou responder afirmativamente, de maneira coerente a elas (NADAI, 92/93. p. 144).  
Entendemos que as aulas devem ser carregadas de significação que orientem a vida prática dos alunos, para isso é necessário que os conteúdos e a forma de abordá-los estejam conectados com as vivências dos estudantes, é o que defende Rocha, quando declara que na leitura, o que está escrito interage com o que é vivido (ROCHA, 2012, p. 285), ou seja, não é a visão nem a audição que fazem o aluno compreender o que está escrito, mas as relações que se estabelecem entre sua vivencia pessoal e o que ele lê, vê e escuta. Dessa forma, a autora defende que o conhecimento não se realiza apenas pela ação dos órgãos do sentido, mas das conexões que eles são capazes de fazer entre o que é estudado e o que é vivido.
A mesma autora demarca a importância de aproximar os estudantes do conhecimento ensinado, observemos suas ponderações:
Na dinâmica ensino-aprendizagem, o professor enfrenta dificuldades muitas vezes traduzidas como dificuldade de compreensão, desinteresse e indisciplina. Talvez a principal delas seja a percepção da distância dos alunos com relação ao conhecimento especifico que ele deve ensinar e o esforço necessário para propiciar tal aproximação.  (ROCHA, 2012, p. 296)
Esse desafio de tornar a escola um ambiente em que o aluno se reconheça, e dentro da disciplina história, ele possa se enxergar e relacionar o mundo em que vive com os conteúdos estudados, só é possível a partir da construção de um saber histórico escolar que proponha um exercício de acolhimento das diversidades por meio da prática da alteridade, pois o modo como o tema é ensinado leva os alunos a se confrontarem alteritariamente com eles mesmos e também com outros colegas, à medida que suas histórias sejam reveladas. Essa situação pedagógica pode contribuir para o fortalecimento dos alunos como membros de uma turma, de um grupo, considerando suas aproximações, pelas semelhanças das histórias, e seus afastamentos, pelas diferenças. (GOULART, 2012, p. 274).
O universo da surdez, por ser característico de uma minoria, gera desconhecimento pelos grupos majoritários da sociedade, os quais historicamente o enquadrou em uma perspectiva terapêutica, que visa a superação da surdez e a consequente “normalização” da pessoa surda. Esse modelo embasou por muito tempo não apenas a educação dos surdos, mas também vários outros aspectos da vida dessas pessoas, porém o que temos visto atualmente é a troca desse patrão antigo por um encaminhamento que leve em conta aspectos culturais, sociais e políticos. O pouco conhecimento que ainda temos dos surdos, enquanto personagens constitutivos de vários grupos sociais minoritários, pertencentes, pois, a comunidades tão legitimas quanto tantas outras, tem colaborado, e em muito, para a exclusão de gerações e gerações de surdos pela assimilação da diferença, pelo assujeitamento das alteridades à lógica da igualdade descabida de uns poucos (SOUZA Apud SÁ 2010, p. 14 e 15).   

Referências Bibliográficas
GOULART, Cecilia. Alteridade e ensino de história: valores, espaços-tempos e discursos. In: Qual o valor da história hoje? Rio de Janeiro: FGV, 2012.
MONTEIRO, Ana Maria. Professores de História: entre saberes e práticas. Rio de Janeiro, Mauad, 2007.
NADAI, Elza. O ensino de História no Brasil: Trajetória e perspectivas. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 13, nº 25/26, p. 163-174, set. 92/ago 93.
ROCHA, Helenice. A leitura na aula de história como experiência de alteridade. In: Qual o valor da história hoje? Rio de Janeiro: FGV, 2012.
SÁ, Nídia Regina Limeira de. Cultura, poder e educação de surdos. 2º ed. São Paulo: Paulinas, 2010.
Sites consultados
BITTENCOURT, Circe. Práticas de leitura em livros didáticos. Revista da Faculdade de Educação da USP, São Paulo, v. 22 nº 01, 1996.  Disponível em http://www.revistas.usp.br/rfe/article/view/33598/36336. Acesso em: 08 Fev. 2017. Não há numeração das páginas no artigo disponibilizado no referido site.

7 comentários:

  1. Olá Sr. Netto
    Trabalho excelente! Seu texto nos ajuda a repensar nossa prática docente que apesar das mudanças ainda é calcada em uma formação monolítica, baseada na homogeneização dos sujeitos. O exercício da alteridade e da empatia é um desafio para todos, é um dos principais do século XXI. Ao longo da minha experiência docente tive alguns alunos surdos, e confesso que tive muita dificuldade de ensinar história para eles, pois, não tive uma formação necessária para este desafio, hoje costumo dizer que eu fui deficiente ao não buscar outras alternativas que fosse possível estabelecer uma negociação intersubjetiva mediado pelo conhecimento histórico. Como pensar a formação do professor de história para esta questão?
    William Fonseca Freire
    PROFhistória - UFPA

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    1. Meu querido amigo de mestrado William Freire, satisfação em ler seu comentário! Penso que o desafio para nós professores seja "conhecer". Não há como construir uma relação de alteridade no processo educativo sem conhecer o outro, então penso que cabe as instituições que nos formam, assim como o interesse pessoal de cada profissional, a busca pela apropriação das diferentes linguagens, metodologias, universos culturais, etc. que contemplem a diversidade de sujeitos presentes no espaço escolar. No caso dos alunos surdos, torna-se essencial o trabalho com imagens. Ainda que haja muitas dificuldades, minha experiencia me revela que a sensibilidade do professor, sua preocupação em tentar contemplar as minorias, já representa um passo fundamental na construção de uma educação mais democrática e garantidora do direito de acesso à História.
      Ernesto Padovani Netto

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    2. Neste novo ano letivo terei um aluno surdo espero acompanhar de perto o teu trabalho para trocarmos experiências, acredito que você tem muito a contribuir para esse processo de inclusão... Um caminho que escolhi foi usar mais imagens e menos o método tradicional da exposição oral

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  2. Qual o melhor método para utilizar na escola regular de forma que o surdo não se sinta incluído na sala de aula porém excluído do aprendizado?

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  3. Obrigado pela pergunta Gilvoneide. O idea é que o professor possa se apropriar da Língua de Sinais, mesmo que ele se empenhe apenas em aprender o sinal de seus alunos, dar bom dia, sinais mais do uso cotidiano. Isso trará um grande interesse do surdo pela aula. Penso ser fundamental o uso de imagens e vídeos, de preferência vídeos alto explicativos, que não necessitem de narração, há vários vídeos assim no YouTube, as cenas ou imagens vão passando e criando uma narrativa sem o usoda ooralidade. Por fim, é muito importante o diálogo com os professores da educação especial, para adaptar atividades, orientar seminários e ir trocando ideias sobre a melhor forma de ensinar os surdos.
    Ernesto Padovani Netto

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