A MULHER NEGRA NA EJA: POSSIBILIDADES DE EMPODERAMENTO NO ENSINO DE HISTÓRIA
Eline de Oliveira Santos
Mestranda PROFHISTÓRIA -UNEB
A busca por inserção social pontuou a trajetória de um grande número de mulheres que buscaram demarcar o seu lugar na sociedade, através de lutas que visavam anunciar que havia vida para além do ambiente doméstico. A identidade que a sociedade lhe impôs era a de mãe, todas as outras estavam sublimadas por séculos de submissão. Por outro lado, é na tomada da consciência que a mulher passa a ter de si e de suas necessidades que emergem outras identidades já existentes. Faz-se necessário compreender este universo simbólico em que a mulher está inserida e a partir de suas vivências, analisar a sua crescente participação nas diversas atividades e esferas da sociedade.
Uma dessas esferas é a educação que, tem atravessado profundas mudanças nas últimas décadas e abarca neste contexto grupos marginalizados socialmente entre eles a mulher se destaca. Para enquadrar a mulher dentro destas perspectivas traçadas havia o reforço ideológico que vinham de todas as direções: a família, a igreja, as autoridades médicas que, ratificavam o papel da mulher como matriz da sociedade e como tal,deveria desempenhar o seu papel da melhor forma possível, aceitando o destino que a natureza lhe deu. Sob a autoridade do pai enquanto criança/adolescente (e na falta deste, o irmão mais velho) e mais tarde, na idade adulta sob o jugo do marido, a mulher via o seu destino passar muitas vezes alheio aos seus anseios e objetivos.
Forçada a pautar sua existência nas relações (desiguais) de gênero, o homem representando o centro de tudo e ela o outro, o ser submisso. Seguir as regras e convenções era mais cômodo que transgredi-las. O ciclo se repetia- namoro, noivado, casamento, filhos, vista grossa para as “indiscrições” do marido, subserviência e cumprimento estrito das regras para preservar a sagrada instituição da família. As relações de parentesco são importantes no processo de construção do gênero mas não únicas pois “o gênero é construído através do parentesco mas não exclusivamente, ele é construído igualmente na economia e na organização política que pelo menos na nossa sociedade operam de maneira amplamente independente do parentesco, (SCOTT,1990 p.37).
No entanto é necessário refletir acerca de algumas questões pertinentes a esta nova realidade: as conquistas obtidas graças ao movimento feminista abarcou a todas as mulheres? Quem é esta mulher que gradativamente foi inserida na sociedade e teve seus direitos assegurados? As mulheres negras também foram abarcadas pelos benefícios provenientes das lutas feministas? É possível identificar a beneficiária de todas estas conquistas - a mulher branca. E as negras, não tinham suas demandas específicas dentro das já citadas? De algum modo foram abarcadas por elas? A resposta é negativa, isto porque as mulheres negras sofriam duplamente com o racismo e sexismo, uma vez que as demandas das mulheres brancas não eram as mesmas que as suas e as questões raciais estavam implícitas no interior do movimento de luta por direitos.
No decorrer do século XX, houve uma progressiva escolarização da mulher . A mulher negra por seu turno, não teve as mesmas condições de acesso à escola pois, para complementar a renda familiar, necessitava ir desde cedo trabalhar e a escolarização ficava em segundo plano. A escolarização para a mulher negra tornava-se portanto uma quimera a qual ela não podia lançar-se sem comprometer sua renda familiar. Se porventura desejava frequentar a escola as condições materiais precárias impediam-na de ingressar no sistema formal de ensino.
Qual a saída para atender a esta demanda por escolarização das mulheres negras de classes desfavorecidas? Como se escolarizar e continuar sendo, em muitos casos, chefe de família? Vale destacar que a alfabetização de jovens e adultos foi defendida e realizada de modo eficaz por intelectuais como Paulo Freire na década de 60 que inclusive, esteve a frente de experiências exitosas com a alfabetização de jovens e adultos, tornando-se uma referência nacional nesta modalidade de educação.
O grande diferencial na proposta de Paulo Freire está no fato de que parte do princípio que a educação pode e deve ultrapassar a mera aquisição de conhecimentos para servir como instrumento de libertação, assumindo um papel crítico, reflexivo e libertador no processo da luta por direitos,na sua ótica não é possível lutar pelos direitos sem que sejam garantidos o direito à voz, à participação, à reinvenção do mundo, num regime que negue a liberdade de comer, de falar, de criticar, de ler, de discordar, de ir e vir, a liberdade de ser. (FREIRE, 1996, p.193)
Nesta perspectiva a educação de fato permite o empoderamento do educando de modo global estando aí incluída a mulher de diversas etnias e também a mulher negra. À medida que possibilita que ela transforme sua realidade e assuma as rédeas da sua vida, não deixando que os determinismos sociais que historicamente a segregaram determinem o seu fazer e o seu pensar.
Protagonizar mudanças e assegurar um lugar para si na sociedade não é tarefa das mais simples, e se o sujeito pertencer ao gênero feminino as coisas tendem a ser mais complexas. Para a mulher, romper com estereótipos cristalizados a seu respeito que perpassaram gerações se constitui em tarefa que exige esforço tenaz mas cujos efeitos só podem ser sentidos de forma gradativa.
A educação, nesta perspectiva, permite transcender as limitações socialmente consolidadas que buscam reduzir o universo feminino à esfera doméstica e a mulher negra a condição de subalternidade e ignorância. Graças ao conhecimento gerado pela educação, mulheres negras que ocupavam historicamente lugares marginalizados da sociedade já podem vislumbrar um futuro mais promissor e requerer para si um melhor papel na sociedade.
A EJA neste aspecto, tem sido um importante veículo condutor dessas mudanças a partir do momento em que abarcam estas mulheres e lhes dá a possibilidade de transformar sua realidade através da educação. Este empoderamento tem crescido e produzido frutos que são as mulheres negras ocupando os mais distintos espaços de poder e demarcando o seu lugar nos diversos níveis sociais.
O conhecimento produz efeitos libertadores pois, permite que o sujeito adquira consciência de sua realidade e o impele a ir em busca de suas possibilidades. As estudantes da EJA subvertem a ordem a partir do momento em que vislumbram outras alternativas de vida e saem da condição de sujeito passivo e ampliam seus horizontes e suas perspectivas de vida.
Referências
CALIXTO,Thayanne Guilherme Calixto, FRANÇA,Marlene Helena de Oliveira Mulheres negras na Eja: Reflexões sobre gênero e empoderamento. In: XII CONAGE Colóquio Nacional: Representações de gênero e sexualidades. 2016, Paraíba. Anais Eletrônicos. Paraíba, UFPB. Disponível em http://www.editorarealize.com.br/revistas/conages/trabalhos/TRABALHO_EV053_MD4_SA4_ID686_02052016225946.pdf. Acesso em Dezembro 2016.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e terra, 1996
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005, 42.ªed.
FREIRE, Ana Maria Araújo. A voz da esposa: A trajetória de Paulo Freire. In: GADOTTI, Moacir. Paulo Freire: uma biobibliografia. São Paulo. Cortez: instituto Paulo Freire 1996, p.69-115.
HALL, Stuart. A identidade na pós-modernidade. Trad. Tomaz Tadeu da Silva; Guacira Lopes Louro. 9ª ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2004
HOOKS, Bell, Não sou eu uma mulher? Plataforma Gueto, 2014
NIECONTHER, Rosane. A Eja em minha vida: Trajetórias de sociais de egressos/as da educação de jovens e adultos no município de Palhoça (SC).2012,90 f. Dissertação (Mestrado em Educação), Centro de Ciências Humanas e da Educação. Universidade do Estado de Santa Catarina. Santa Catarina.
PRIORE,Mary Del. Histórias e conversas de mulher. São Paulo: Planeta do Brasil, 2013.
SCOTT, Joan.Wallach, “Gênero: uma categoria útil de análise histórica”. Educação & Realidade. Porto Alegre, vol. 20, nº 2,jul./dez. 1990, pp. 71-99. Trad. Guacira Lopes Louro.
SILVA, Tomás Tadeu da. Alienígenas na sala de aula.Petrópolis:Vozes,1995.
Parabéns pelo trabalho! Achei a discussão riquissima e extremamente importante. Sou mãe solo, negra, universitária e moro com meu filho em um estado diferente do de minha família para estudar. Luís (meu filho) me acompanha as aulas, não indo à creche. E eu sem ter que trabalhar fora pois sou bolsista, já sei o quão ardua é a luta de ser mãe e estudante. No EJA, como você nota essa experiências das mulheres negras e mães? Conseguem conciliar? Há aquelas que levam seus filhos e filhas para a aula? Como as instituições escolares as recebem?
ResponderExcluirLuana de Paula Santos (graduanda de História pela UFMT/CUR)
Belíssimo texto, resgatando a luta das estudantes mulheres, principalmente de nossas alunas negras. Trabalho no CIEJA Vila Maria/Vila Guilherme em São Paulo, e o texto fez-me refletir na luta de nossas alunas no empoderamento que a educação via EJA lhes trás, rompendo muitas vezes esse papel social que lhes impuseram, durante anos em suas vidas.
ResponderExcluirAtenciosamente.
Prof. Luís Carlos Fernandes
Excelente texto.Esse tema é de grande relevância, para sabermos a luta das estudantes mulheres negras no EJA, e visualizarmos como elas arquitetaram mecanismos de ruptura sobre uma sociedade que por muito tempo lhes negarão espaço e decidir questões sobre a sua própria vida. Minha dúvida é sobre a sua fonte de estudo. Qual escola você utilizou para realizar essa pesquisa? Houve alguma especifica ou você aborda a educação do EJA em geral?
ResponderExcluirAline dos Santos Oliveira (Graduanda de História pela UNEB/Campus VI).
Olá, boa tarde. Queria lhe dar os parabéns pelo trabalho, me sinto feliz em ver pesquisas nesse âmbito.
ResponderExcluirA minha pergunta é se você trabalha no EJA, se não, ou qual sua relação com esse programa?
Att. Aline Cândida.
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ResponderExcluirOlá boa tarde. Gostaria de lhe parabenizar pelo seu trabalho. Vejo que pesquisas como essas são importantes no processo de construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
ResponderExcluirGostaria de lhe perguntar como foi trabalhar com o EJA e suas principais dificuldades em se trabalhar com a categoria de identidade?
Att: Juliana Barbosa Sindeaux (UNIFESSPA- Ciencias sociais)
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ResponderExcluirParabéns, pelo texto, do seu ponto de vista, porque as mulheres principalmente as mulheres negras estão voltando aos estudos, e o que tem as motivo?
ResponderExcluire gostaria de saber porque a senhora escolheu este tema?
de: Jéssica Ewelyn Silva de Oliveira.
Ótimo texto ! Gostaria de saber se a Eja disponibiliza todo amparo para essa mulher negra ser inserida no âmbito escolar respeitando sua especificidade, (relatando seu valor )? Se na grade curricular há possíveis matérias que falem sobre essa história da mulher negra na sociedade ou isso só vem ser abordado quando acontece alguma situação?
ResponderExcluirGeise Batista Damasceno
Bom dia, parabéns pelo trabalho. A independência da mulher cresce a cada dia, e é comum muitas mulheres serem chefes de família. Pela sua experiência de que forma a questão do racismo e machismo pode ser trabalhado em sala de aula?
ResponderExcluirIsmael Paiva da Silva
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ResponderExcluirPrezada Eline, Lindo trabalho, parabéns!
ResponderExcluirTambém trabalhei com a EJA porém primeiro seguimento, e realmente pude perceber como é um campo muito fértil. Minha pergunta "não é nada demais",mas, só queria saber qual era a idade da mais velha ou mais velhas, e se você teria dimensão de como foi pra ela experienciar esses conhecimentos?
Att,
Luciana das Neves
Eliane, parabéns. Trabalho muito legal e encorajador.
ResponderExcluirNa sala ao discutir esse tema, como os homens têm se portado?
Raquel de Souza Martins Lima