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Eduardo Gomes; Lucas Montalvão

O USO DE FILMES EM SALA DE AULA: O EXEMPLO DE “1492 – A CONQUISTA DO PARAÍSO” E AS VÁRIAS NUANCES DA TERRA NO RENASCIMENTO
Eduardo Gomes da Silva Filho
Mestre em História Social - UFAM
Lucas Montalvão Rabelo
Doutorando em História Social - USP

Atualmente, os professores que trabalham com o ensino de História no Brasil enfrentam dificuldades relacionadas à mediação do conhecimento histórico para os estudantes do sistema de ensino. Para facilitar esse processo, muitos docentes utilizam recursos de mídia, como filmes, músicas, documentários, jogos entre outros. Segundo José Manuel Moran:
O vídeo parte do concreto, do visível, do imediato, próximo, que toca todos os sentidos. Mexe com o corpo, com a pele - nos toca - e "tocamos" os outros, estão ao nosso alcance através dos recortes visuais, do close, do som estéreo envolvente. Pelo vídeo sentimos, experienciamos sensorialmente o outro, o mundo, nós mesmos. (MORAN, 1995, p. 01).
Entretanto, deve-se ter em conta um cuidado para que estes recursos não criem uma compreensão errônea dos processos históricos. Nossa proposta, com este texto é trazer um questionamento do filme “1492 – A Conquista do Paraíso” (“1492 – Conquest of Paradise” no original) que é muito divulgado em sala de aula, no Ensino Médio, ao ser estudada a Expansão Marítima Europeia.
O primeiro passo, ao trabalhar com qualquer filme, é tratá-lo também como uma fonte histórica datada. “1492”, como qualquer outra produção cinematográfica, não pode ser compreendido enquanto uma janela de acesso ao século XV, mas sim, uma interpretação visual daqueles acontecimentos por parte dos produtores do filme feito no século XX. Lançado em 9 de Outubro de 1992 nos EUA e três dias depois na França, nos âmbitos de comemoração dos 500 anos de descoberta da América, a produção franco-estadunidense foi escrita pela francesa Roselyne Bosch; produzida pelo francês Alain Goldman juntamente com o famoso produtor inglês Ridley Scott, que também participou como diretor. Conta ainda com o ator francês Gérard Depardieu no papel de Cristóvão Colombo. Este conhecimento sobre aqueles que participaram da criação do filme é importantíssimo para revelar detalhes da forma como os acontecimentos são trabalhados na película. A exposição destes dados deve ser realizada aos alunos antes que assistam ao filme, pois, é importante que o compreendam enquanto uma leitura acerca daquilo que os homens realizaram em um tempo passado.
Aliada com esta primeira etapa, faz-se necessário um domínio do enredo do filme por parte do professor (a), para uma compreenção de seu sentido total , mesmo que não seja exposto na íntegra aos estudantes. “1492” retrata vinte anos da vida de Cristóvão Colombo, período em que teria “descoberto” a esfericidade da Terra e teve embates com intelectuais da Universidade de Salamanca que o contestavam; buscou financiamento espanhol para a expedição rumo ao Grande Cã, localizado do outro lado do mundo; chegou às Antilhas e iniciou sua colonização, além de contar com o embate dos nativos com os europeus; e no final da vida, sua condição de líder da colonização foi contestada e enfrentou questionamentos.
Optamos, neste texto, por desconstruir a crença demonstrada de que Colombo seria um homem revolucionário que descobriu a forma redonda da Terra. O texto inicial, presente na introdução filme, apresenta o caráter revolucionário do navegador genovês em contraposição ao atraso da Espanha:
Há 500 anos, a Espanha era uma nação dominada pelo medo e pela superstição, governada pela Coroa e por uma feroz Inquisição que perseguia os homens que se atrevessem a sonhar. Um homem desafiou este poder. Guiado pela sua percepção do destino, ele atravessou o Mar das Trevas em busca de honra, ouro e da grande gloria divina. (1492..., 1992, introdução).
Ao apresentar Colombo, existe uma crítica forte ao império espanhol taxado como “nação dominada pelo medo e superstição” além de ser governado por uma “feroz Inquisição”. Logo na introdução, é vinculada uma desqualificação clara da religião católica provavelmente elaborada para agradar ao público inglês e estadunidense, em sua maioria de religião protestante. Assim, a imagem do navegador genovês é construída, no filme, como sendo oposta ao misticismo católico. Entretanto, o final do texto traz uma contradição inerente com esta condenação ao dizer que Colombo buscava a “glória divina”. Algo que não deixa de ser místico. Além disso, ao conhecer a história deste personagem, sabe-se que afirmou ter encontrado na costa da Venezuela o Paraíso Divino. Isso demonstra “(...) a presença do vínculo entre o pensamento medieval e o pensamento renascentista” (SILVA, 1990/1991, p.30). Uma forte relação deste personagem renascentista com as crenças medievais de uma realidade geográfica dos escritos presentes na Bíblia Sagrada.
Acrescenta-se, ainda, que existiam outros navegadores provindos da região itálica como o genovês naturalizado veneziano John Caboto (esteve na Espanha no mesmo período que Colombo e frustrou-se pela escolha do financiamento deste e partiu para a Inglaterra e viajou ao Novo Mundo em 1497), o florentino Américo Vespúcio (viajava com os portugueses, a partir de 1497, e posteriormente tornar-se-ia o primeiro piloto-mor de Espanha) e outros.
Na sequência da introdução do filme, Colombo, ao explicar ao seu filho Fernando sobre a esfericidade da Terra, mostra um navio desaparecendo no horizonte e explica a sua ocorrência ser devido a Terra possuir uma forma semelhante à laranja. A construção realizada neste momento e em outros induz ao espectador a ideia de que, através de seu raciocínio, Colombo seria o responsável por este pensamento. Entretanto, a esfericidade terrestre não era uma novidade.
De acordo com o autor W. G. L. Randles (1990), as justificativas para a forma universal da Terra, vigentes entre os séculos XII ao XV, resumiam-se basicamente em duas sínteses: “[...] o mito bíblico da Terra plana com a ideia grega de uma Terra redonda: plana ao nível da ecúmena habitável, esfericamente e unicamente ao nível da astronomia” (p.11). A partir da ideia de Crates de Malo (c. 160 a. C.), autores como Marciano Capela (século V) e Macróbio (século V) e, posteriormente, Guilherme de Conches, mencionavam uma esfera preenchida na sua maior parte por água onde haveria quatro ilhas separadas por corredores de água. Uma delas estaria povoada pelos cristãos e as outras não seriam habitadas devido à incomunicabilidade de ambas. Assim, o único habitat dos humanos era plano se considerada a imensidão esférica do globo.
Por outro lado, o modelo aristotélico, que não se liga diretamente ao Aristóteles clássico, foi defendido por João de Sacrobosco em sua obra Tratado da Esfera (princípios do século XIII). O mundo estaria dividido em duas partes: do éter e dos elementos. Esta última estaria composta por quatro partes: no centro a terra; na sequência a água; depois o ar; e por fim o fogo puro. Cada um desses elementos estaria em uma proporção de 1 para 10. Para garantir a sobrevivência da espécie humana, com base no Gênesis ou no Salmo 103, Deus teria feito no terceiro dia a concentração das águas. Assim, uma pequena parte de terra ficou submersa diante da grande imensidão das águas. Com isso, a Terra habitável estaria plana na pequena parte descoberta, e, esférica se considerada seu todo, com a maior parte coberta de água. (RANDLES, 1990, p.14). Era, portanto, a junção de dois modelos explicativos: o aristotélico e o bíblico (Bíblico-aristotélico).
Além deste pensamento, no século XV ocorreu uma maior influência de Ptolomeu, um sábio astrônomo, matemático e geógrafo que nasceu em Ptolemaida Herminou entre os anos de 85 a 100 d.C e viveu em Alexandria durante o governo de Marco Aurélio (161-180). Ele compôs a Geographia, uma compilação do conhecimento da Antiguidade sobre o orbe terrestre apresentando o conjunto de cidades e vilas conhecidas e sua localização no espaço através do cruzamento de retas abstratas (paralelos e meridianos). Assim, “Ptolomeu fue el primero en emplear los términos de latitud y longitud para situar los lugares en un mapa. Formó un sistema reticular de paralelos y meridianos distribuidos a intervalos regulares y calibrados em grados y estos divididos en minutos” (PORTO, 1990, p.27).
Um sistema de grande influência tanto na localização espacial ao longo do globo, quanto a sua representação em uma superfície plana. Ptolomeu também influenciou os homens da época das Grandes Navegações com seus cálculos da circunferência da Terra, pois, esta seria menor do que realmente devido à medida que Ptolomeu considerou extraindo de Posidonio, 180.000 estádios (33.723 km), no lugar de uma medida mais correta, como de Eratóstenes (250.000 estádios). Esse equívoco influenciou decisivamente o pensamento de Cristóvão Colombo (CONTA, 2004, p.37). Ao tomar por base o sábio alexandrino, treze séculos depois, o navegador genovês organizou sua empreitada saindo da Espanha e rumando através do Mar Oceano para atingir as Índias acreditando atingi-las navegando menos do que o necessário. Assim, ao atingir as Antilhas em 12 de Outubro de 1492, Colombo acreditou ter percorrido o caminho ao continente asiático o que provocou o seu clássico engano.
Buscou-se exemplificar neste texto, através de algumas concepções equivocadas do entendimento da Terra no século XV e de uma crítica exagerada ao catolicismo espanhol, que ao se trabalhar em sala de aula com o filme “1492” deve-se sempre transparecer aos alunos a existência e influência da mediação do conhecimento histórico realizada pelas mídias. Assim, ao invés de não aproveitar estes recursos, deve-se sempre realizar uma desconstrução deles compreendendo-os como interpretações realizadas em uma determinada época sobre outra e não como a verdade das ações humanas no passado. Um exercício interessante para realizar isso é mostrar outra mídia que trabalhou com o mesmo tema, mas de forma completamente diferente. Sugerimos aqui o episódio “1992 Ligou”, em que graças a um equívoco vão até 1492, do desenho animado estadunidense “Titio Avô” (Uncle Grandpa). Desta forma, com a exibição de trechos das duas produções, podem ser questionados os objetivos de cada uma delas e as formas de representação utilizadas para mostrar aquele passado histórico. 

Referências
1492 – A Conquista do Paraíso. Direção: Ridley Scott. 148 minutos. Título original: 1492 – Conquest of Paradise. Gaumont Film Company et alli, 1992. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=fUIm3z1lcL0  > Acesso em: 02 março de 2017.
1992 Ligou - Desenho animado estadunidense “Titio Avô”. Título original: (Uncle Grandpa). Episódio 5, 2016. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=CSkpHR-HHHk. Acesso em: 02 de março de 2017, às 22:00h.
A Bíblia Sagrada. Traduzida em Português por João Ferreira de Almeida. Barueri-SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 1993.
CONTA, Gioia. “La Cartografía Romana” in: Semanas de Estudios Romanos – Vol. XII. Valparaíso, Chile: Pontificia Universidad Católica de Valparaíso, 2004.
COLOMBO, Cristóvão. Diários da Descoberta da América. As quatro viagens e o testamento. Porto Alegre: LP&M Editores, 1988.
FONSECA, Luís Adão da. “O imaginário dos navegantes portugueses dos séculos15 e 16.” In: Estudos Avançados. 6 (16), 1992.
MORAN, Manuel José. O Vídeo na Sala de Aula.Revista Comunicação & Educação. São Paulo, ECA-Ed. Moderna, [2]: 27 a 35, jan./abr. de 1995. Disponível em: http://www.eca.usp.br/prof/moran/vidsal.htm. Acesso em: 2 de março de 2017.
PINTO, Otávio. Colombo e o mito da Terra plana. 11 de setembro de 2015. Disponível em: < http://otaviopinto.com/index.php/2015/09/11/colombo-e-o-mito-da-terra-plana/> Acesso em: 2 de março de 2017.
PORTO, Carmem Manso. “La influencia de Ptolomeu en la cartografía de los Descobrimentos” in: Semanas de Estudios Romanos. Volumen XII. Valparaíso, Chile: Pontificia Universidad Católica de Valparaíso, 2004.
RABELO, Lucas M. A Representação do Rio ‘das’ Amazonas na Cartografia Quinhentista: entre a tradição e a experiência. Dissertação (mestrado em História) – UFAM, Manaus, 2015.
RANDLESS, W.G.L. Da Terra Plana ao Globo Terrestre: uma rápida mutação epistemológica. Lisboa: Gradiva, 1990.
SILVA, Janice Theodoro da. “Colombo: entre a Experiência e a Imaginação” In: Revista Brasileira de História – América, Américas. Vol. 11 n°21. São Paulo: ANPUH/Marco Zero, 1990/91.

20 comentários:

  1. Caros senhores Eduardo Gomes e Lucas Montalvão,

    A meu ver, os senhores foram muito felizes na escolha da temática apresentada. Ensaios sobre metodologias de uso das ferramentas fundamentais ao processo de ensino-aprendizagem em sala de aula são sempre uma ótima pedida àqueles que pretendem potencializar suas aulas, principalmente no que concerne a educação básica. Assim, sinto-me honrado pela oportunidade de leitura deste breve, mas oportuno texto.

    Por conta do interesse nas metodologias e ferramentas de ensino que chamam a atenção dos alunos, fiquei ansioso para saber um pouco mais sobre a utilização de filmes no ambiente escolar. Em minha experiência como docente já me utilizei de filmes históricos em várias ocasiões. Minha intenção sempre foi, para além da diversificação de caminhos pedagógicos, a potencialização do processo de construção do pensamento crítico em meus alunos. Considerando tais processos e, a partir da leitura do texto ora apresentado, sinto-me inclinado a indagar acerca de alguns esclarecimentos. Como não tive acesso a outros textos dos senhores que tratem desta temática, gostaria que, se possível, elucidassem algumas partes que me pareceram obscuras no texto. Assim, me inclino a indagá-los a partir das questões a seguir.

    1 – No início do texto, os senhores destacam a necessidade de se apresentar informações relacionadas à produção do filme (roteiristas, atores, diretores, país de origem, período produzido etc.). No entanto, não se constata claramente as razões pelas quais se faz necessário apresentar tais informações. De fato, estas são importantes, assim como são de utilidade à medida que produzem significado para a realidade dos alunos. Nesse sentido, não me parece que seja suficiente apresentar tais dados, mas que é preciso problematiza-los. Seguindo tal raciocínio, gostaria de saber em que sentido é possível problematizar tais dados e dar a eles um sentido que signifiquem algo para os interlocutores. No caso em questão, os alunos.

    2 – No que concerne à Produção deste filme é possível evidenciar, a partir do presente texto, a possibilidade de se trabalhar diversos fatores relacionados ao período nele representado (Inquisição, Grandes Navegações, Renascimento, Protestantismo, Espanha Moderna etc.). No entanto, os senhores exploram apenas uma pequena parte relacionada à ideia de formato da terra e os múltiplos discursos criados para defender diferentes hipóteses. Seguindo este princípio, o filme parece ter sido utilizado apenas para discutir outro tema, quer seja as teorias sobre o formato da terra no período do Renascimento. Tenho certeza de que os senhores sabem das muitas outras possibilidades de utilização deste filme, assim como deste recurso e que, provavelmente não foi possível apresentá-las por conta dos limites sugeridos para a escrita das comunicações. No entanto, este espaço de diálogo nos possibilita dar continuidade a tal discussão. Assim, gostaria que os senhores, se possível, nos indicassem outras possibilidades de uso deste filme, relacionando com outros temas que dizem respeito ao período explorado e as diferentes temáticas que nele aparecem, principalmente no que concerne ao cotidiano dos sujeitos que nele são retratados.

    Parabenizo-lhes mais uma vez pela escolha do tema e agradeço antecipadamente pelos esclarecimentos.

    Assina: Fernando Roque Fernandes.

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  2. Boa tarde Fernando, estamos felizes pelo seu interesse na nossa proposta, que apesar de ter um viés mais específico, sem dúvida alguma abre outras possibilidades de análises. Suas impressões, são pontuais e acredito que a sua leitura atenta só contribui ainda mais com a nossa expectativa de diálogo. Em relação aos seus comentários de uma maneira mais específica, no primeiro questionamento que nos foi feito, a nossa intenção de dados introdutórios logo no início do texto relacionados aos aspectos mais técnicos da obra, evidentemente há um propósito, neste caso, além das informações de praxe acerca da obra (dados técnicos), também procuramos tentar fazer o leitor enxergar além desta mesma produção técnica, na medida em que o país de origem, os atores envolvidos, direção, cenário e figurino, dizem muito sobre as intenções de mercado, além da reprodução de uma representação do imaginário europeu no período renascentista e da própria teoria eurocêntrica, portanto, há muito pano pra manga nesta discussão, pois em sala de aula, o professor poderá explorar esse texto de diversas formas, sem necessariamente se apegar diretamente na proposta de enredo do filme, que está "batida", mas procuramos no texto e, consequentemente, na análise da proposta metodológica do vídeo, explorar outras possibilidades de análises, sem necessariamente engessar este processo. Isso é o que você mesmo inclusive coloca muito bem no seu segundo questionamento, essas outras possibilidades de análises, o texto em si, apesar de centralizar um poucos mais suas ações em torno das nuances do renascimento, abre essa perspectiva, na medida em que colocamos outros elementos que aparecem nele gradativamente, como na nossa analogia por exemplo, com o desenho do "Titio Avô". Portanto, o texto não tem o objetivo de ser uma proposta estanque, mas de justamente provocar essas inquietações, tanto no professor presencial, quanto nos alunos, esperamos que da mesma forma que despertou em você. Fraterno abraço!

    Assina: Prof. Eduardo Gomes

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  3. Boa noite. Gostei bastante da proposta de discussão trazida por vocês. Tenho trabalhado com o filme 1492, sobretudo para debater sobre tempo histórico. Afinal, são duas temporalidades diferentes. Antes, sugiro que assistam ao filme Apocaliptico. O que pensam sobre isso. Desde já os parabenizo e agradeço a interlocução. Cristina Helou

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    1. Olá Cristina, bom dia! Que bacana que você gostou do texto, já assisti Apocalíptico, também o utilizo de forma pontual em algumas aulas, sobretudo em América e civilizações pré-colombianas. O tempo histórico realmente deve ser bem trabalhado, para evitar possíveis anacronismos. Abraços! Prof. Eduardo Gomes.

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  4. Olá Fernando Roque Fernandes,
    Assim como mencionado pelo Eduardo Gomes, nós ficamos felizes pela sua interação e pelas questões. Em relação a sua primeira pergunta, indo em direção ao ponto apresentado pelo meu colega, Eduardo Gomes, eu acredito que qualquer fonte para uso didático que um professor trabalhe em classe deve ter seus dados de produção explicitados. Sei que esta prática não é praxe, entretanto, sua não exposição pode trazer a ideia de que aquela representação do passado veiculada pela mídia é uma realidade daquele período retratado. Como historiadores, devemos sempre contextualizar todo o tipo de fonte que iremos trabalhar com os alunos.
    Sendo assim, como foi brevemente descrito em nosso texto, o contexto de produção do filme “1492” é essencial para o entendimento de como os fatos ocorridos no final do século XV são interpretados, em pleno final do século XX, sob uma óptica cinematográfica franco-estadunidense protestante. Logo na abertura do filme, o viés adotado pelos produtores e diretor apresenta Cristóvão Colombo como um homem inovador que teria rompido com a influência do reino atrasado e místico (católico) que seria a Monarquia de Espanha. Essa construção, forjada desde o final do século XVI pelos ingleses que criaram a noção de Legenda Negra no reinado de Filipe II como forma de depreciação do mesmo e de seu reino, foi repassada ao longo dos séculos e podem ser vistos os resquícios nesta produção cinematográfica.
    Como tentamos demonstrar neste texto, ao contrário de ser um homem inovador, Colombo era pertencente à sua época. Desde início do século XV, os portugueses já realizavam várias navegações no entorno da costa africana, com a conquista da Guiné, e futuramente partiram para a ideia de circum-navegação do continente africano para atingir a rica região das especiarias nas Índias (região imprecisa que abrangia a costa continental da África e Ásia banhada pelo Oceano Índico). Já os espanhóis, apesar da letargia, conquistaram as Canárias e, posteriormente, estavam abertos a proposta de Colombo para atingir as Índias, mas este não era o único. Giovanne Caboto também estava na Espanha no mesmo período e tinha outra proposta para chegar às Índias – por uma passagem ao Norte - e, depois de ver seu plano frustrado pela façanha do Almirante em 1492, rumou para a Inglaterra.
    Enfim, a problemática que deve ser levada aos alunos com essa exposição é de como os fatos de um passado remoto são observados a partir do ponto de vista daquele que observa (mídia). A comemoração do V Centenário de Descoberta da América foi utilizada por Hollywood para apresentar uma visão particular da descoberta do Novo Mundo que coloca Colombo como homem a frente do seu tempo por ser o descobridor da esfericidade da Terra. Algo que ele jamais foi, pois, como colocado no texto, essa ideia surgida na Grécia da Antiguidade também era adotada no pensamento medieval (que foi erroneamente deturpado no século XIX com a ideia de que o mundo medieval acreditava em Terra Plana sustentada por elefantes). É claro que não podemos negar o feito de Colombo ter atingido as terras desconhecidas seja um inovador. Entretanto, como demonstra Edmundo O’Gordman em La Invención da América, ele mesmo não associou as ilhas antilhanas ao Novo Mundo, seu pensamento era medieval. Para ele, esse local era parte das Índias do Grã Khan mongol. O empreendimento que Colombo realizou era inovador, era moderno. Mas ele estava imerso em uma lógica tributária ainda de um pensamento medieval.

    Assina: Lucas Montalvão Rabelo

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  5. Em relação à segunda pergunta, o filme, além do texto inicial, não faz nenhuma menção à Inquisição Moderna. Acredito que o filme possa ser trabalhado tanto com o Renascimento quanto às Grandes Navegações, mas sempre sendo exposto o contexto de produção do filme. O protagonismo de Colombo enquanto homem a frente de seu tempo e o oposto atraso espanhol devem ser vistos completamente questionados. Acredito que um paralelo deste filme com “O Titio Avó” seja interessante para mostrar como os dois produtos midiáticos servem para descrever o passado com o olhar contemporâneo de maneiras distintas. Penso que trabalhar com uma fonte específica do final do século XV possa ser uma forma de evitar o trabalho com dois contextos (o de produção da mídia e o retratado por ela). Sugiro os Diários da Descoberta da América: as quatro viagens e o testamento do próprio Cristóvão Colombo (Porto Alegre: L&PM, 1984). Nas páginas 29 e 31, o Almirante mostra o porquê dos motivos de sua viagem e, nas páginas 43 e 44, existe o importante encontro de terra e suas primeiras impressões.

    Gostaria de novamente agradecer ao Fernando Roque Fernandez por suas questões! Obrigado.

    Assina: Lucas Montalvão Rabelo

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  7. Sou Luciano De Sousa Gonçalves, estou no terceiro período do curso de história, e entrando em contato com as disciplinas metodológicas do curso agora, em minha experiência de ensino fundamental e médio muitos dos meus professores de história usavam os filmes como uma de suas ferramentas para ministrar suas aulas e vir a instigar o interesse dos alunos, porém havia um problema muitos deles não conseguiam cativar os alunos com filmes. Bem, sabemos hoje que um filme de caráter histórico por muitas das vezes sempre distorce determinado fato, não mostrando ao telespectador o que realmente aconteceu, temos exemplos de alguns filmes: O gladiador, 300, Cruzadas, Tróia dentre outros. Minha pergunta então é que utensílios posso vir a usar com meus futuros alunos com o objetivo de vir a mostrar que se deve ter um visão critica sobre o filmes que assistem, que nem sempre aquilo que o filme aborda veio a acontecer e que a melhor ferramenta que ele pode vir a buscar para tirar suas dúvidas são os livros ou o professor.

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  8. Boa tarde Eduardo e Lucas,
    Gostaria e perguntar se vocês trabalharam com o filme completo e, caso sim, como driblaram a questão do tempo de aula.

    Desde já agradeço pela atenção.

    Rebecca Silva

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  10. Boa tarde Luciano! Vamos por partes, muitas vezes a metodologia do professor atrelado à prática pedagógica faz toda a diferença, (ou deveria fazer). Por outro lado, apenas colocar um filme para uma turma sem contextualizá-lo, fica realmente a sensação que falta algo, pois o aluno geralmente baseia-se no senso comum. O grande erro é que o docente não pode e nem deve cair nesta armadilha. Em relação a sua pergunta final, sempre faz-se necessário além da contextualização prévia e, também posterior, o cruzamento de outras fontes, isso sempre atrelado às características do espírito científico, - criticidade, objetividade e racionalidade. Assina: Eduardo Gomes.

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    1. Meu caro Luciano De Sousa Gonçalves, ficamos felizes por sua questão. E só para reforçar aquilo que o Eduardo Gomes, meu colega, disse ao final,
      O uso de filmes em sala de aula é muito comum. Mas, como você mesmo apontou, o uso dos filmes nem sempre cativa os alunos. Cativar os alunos é um passo primordial antes de assistir determinado filme. Mas, só cativar não é suficiente. Enquanto historiadores, devemos mostrar os filmes enquanto ferramentas produzidas em um momento posterior para chegar ao entendimento de um determinado período histórico passado. Essas mídias sempre serão uma interpretação daquele passado. Nunca podem ser entendidos como uma verdade. O filme “1492” não mostra como foi a chegada de Colombo ao Novo Mundo, mas a interpretação dos produtores e diretores franco-estadunidenses sobre aquele evento.
      Aí meu caro Luciano nós chegamos ao ponto de que nenhum filme vai mostrar exatamente o que aconteceu. A questão central seria como aquele conteúdo vai ser mais fiel ao contexto histórico daquelas fontes históricas que temos do período ou, do contrário, se distanciarão muito delas? Qual será a maior verossimilhança com o contexto dos eventos estudados?
      O caso de “1492” parece ser o de distanciamento dessa verossimilhança. Isso não significa que não possa ser trabalhado com o seu devido questionamento como referido anteriormente. Para uma compreensão dessas interpretações do passado através das mídias, poderia ser passados trechos de “1492” e depois ler trechos curtos dos Diários do Colombo. Assim, o processo de distanciamento das fontes facilitará o entendimento dos alunos sobre a questão das duas temporalidades (produção do filme – 1492 - e dos eventos com suas fontes históricas próximas - 1992).
      Penso que os filmes, por mais descompromissados com a história dos homens que as fontes históricas possibilitam verificar, ainda vão guardar aspectos minimamente históricos que são uma importante forma de cativar os alunos. Mas, novamente, devem ser tomados os vários cuidados de questionar a produção X as fontes históricas do período. Do contrário, o filme será compreendido como uma verdade pelos alunos, que não terão seu senso crítico despertado.
      Mais uma vez, agradecemos a questão.

      Assina: Lucas Montalvão Rabelo

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    1. Olá Rebecca, boa tarde! Isso depende de cada situação e do seu respectivo contexto, vejamos: muitas vezes - quase sempre - as aulas não são conjuntas e o tempo é pouco para trabalharmos um filme na íntegra, por isso, nesses casos, utilizamos trechos para facilitar a análise. Mas existem outros casos onde as duas aulas na turma são juntas, - casos mais raros -, que dependendo da minutagem do filme da para reproduzi-lo. Ainda existem casos em que outros colegas gentilmente cedem o seu tempo de aula para a conclusão desta tarefa. E quando os alunos demonstram interesse relevante no tema, podemos passar o filme nessa turma de forma "parcelada". Mas é claro que com as devidas análises, comentários, analogias, cruzamentos com outras fontes e indicações de referências. Olhar um filme com um historiador ao lado é sempre diferente, digo isso aos meus alunos, pois conseguimos observar o que está além do roteiro, das imagens, da fotografia, da maquiagem, da interpretação dos atores, etc. Assina: Eduardo Gomes.

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    1. Lucas Montalvão Rabelo

      Obrigado pela contribuição Rebecca, como o Eduardo Gomes colocou, também acredito que seja uma questão de como o filme será trabalhado e qual o tempo disponível. Caso opte por passá-lo completo, sugiro, além das opções sugeridas pelo Eduardo, usar o contraturno ou propor algum evento específico que dialogue com outra disciplina. Na escola em que trabalhei, sempre fazia parcerias com os professores do nono ano. A experiência multidisciplinar num filme como “1492” pode ter resultados interessantes.
      Assina: Lucas Montalvão Rabelo

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  13. Parabéns pelo texto!! Geralmente utilizo o filme 1492 nas turmas de segundo ano do Ensino Médio. Muito interessante esta análise entre o contexto histórico e sua representação 500 anos depois, principalmente sobre a desqualificação do império espanhol. Depois de ler o texto de vocês minhas aulas serão diferentes, gostei desta ideia de contrapor o filme com outra mídia de mesmo tema é um exercício interessante, já o fiz com outras temáticas. Uma outra ideia que também poderia ser acrescentada como sugestão é a produção de vídeos pelos alunos com orientação do professor, um mini-documentário talvez com as representações do alunos, como vocês pensam essa questão dos alunos enquanto produtores de recursos audiovisuais?
    William Fonseca Freire
    ProfHistória-UFPA

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  15. Boa tarde William, a utilização de outros recursos audiovisuais, quando supervisionados adequadamente pelo professor (a) é sempre muito bem-vindo! Isso estimula o aluno a procurar entender o contexto anterior, para poder preparar o material e, consequentemente, a apresentação. É uma metodologia que agrega sem dúvida. Assina: Eduardo Gomes.

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