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Eder Dias

DEVEMOS ENSINAR AS CRIANÇAS E ADOLESCENTES SOBRE OS HIPERTEXTOS DA INTERNETNA AULA DE HISTÓRIA?
Éder Dias do Nascimento
Mestrando/Profhistória-UNESPAR

 Anita Lucchesi em seu artigo intitulado “História no Ciberespaço: Viagens sem Mapas, sem Referências e sem Paradeiros no Território Incógnito da Web”, oferece um ponto de partida interessante para essa comunicação quando enfatiza a “ausência de critérios que agrupem ou classifiquem de maneira inteligível a enorme e plural oferta de recursos disponibilizados” (2012, p.02). Lembra-nos sobre a condição distinta em que a internet,com seus infinitos usos, dinamizou várias áreas da vida humana, alterando a forma de senti-la e vivê-la. Em decorrência dessa conjuntura, a História passou a não escapar dos processos dinâmicos de transmissão e recepção de conhecimento no mundo virtual, tendo que refletir sobre questões relacionadas à maneira como o público não especializado, interage com a mesma nos dinâmicos suportes tecnológicos.
Partindo desse quadro e antes de responder ao questionamento anunciado no título desse trabalho, é importante refletir sobre o hipertexto. Segundo Pierre Levy, na web é disponibilizado diariamente enorme quantidade de escritos, imagens, sons, documentos, gráficos etc. Tais artefatos formam de maneira não linearizada um enorme conjunto de rastros digitais conectados, traduzidos em um verdadeiro emaranhado de informações, cruzando-se constantemente e originando o chamado hipertexto (1993, p. 33). Esse tipo de texto pode ser lido, modificado ou compartilhado de acordo com os parâmetros colocados por seus leitores e as ferramentas utilizadas.
Sendo uma síntese de mudanças históricas, sociais e técnicas, principalmente no ramo das comunicações e sua existência, não é atribuível somente às descobertas tecnológicas das últimas décadas. Isso porque a necessidade de comunicar-se sempre foi uma questão para a qual o ser humano encontrou diversas respostas ao longo da história. E na transição dos ritos de cultivo da memória predominantemente pela oralidade, até a aquisição de formas escritas de seu registro, os seres humanos saíram de um sistema que necessitava da interação entre um sujeito transmissor e um receptor, para um sistema no qual a presença do autor de uma narrativa escrita não era necessária para entendê-la (DIAS, 1999, p.269). De mudanças relacionadas às formas de interação com as informações no decorrer de séculos, as práticas de interpretar e transmitir as mesmas, ganharam roupagens distintas, constituindo a hipertextualidade enquanto resultante de uma infinidade de experiências históricas acumuladas. 
Dados esses contornos, como uma das resultantes dessas transformações, a prensa de Johannes Gutenberg no século XV, deu condições para o aumento da produção de livros. Seguindo esse percurso, as transformações no campo comunicacional foram contínuas e no século XX, várias inovações surgiram, entre elas: o cinema falado, a televisão e o rádio. Porém, todas essas novidades não permitiam a alteração dos conteúdos transmitidos.
Tal conjuntura sofreria um grande abalo nos anos 90, nos quais respingava a discussão em curso das décadas anteriores, sobre a implantação de sistemas hipertextuais, dinamizadores de acesso às informações. Esse quadro em muito refletia a empolgação de uma época marcada pela disseminação da internet, agora não mais restrita somente ao uso das universidades e pela criação da linguagem HTML e o protocolo de comunicação HTTP. Avanços responsáveis por dar suporte a escrita e a disseminação de hipertextos no ciberespaço (DIAS, 1999, p.274). Por consequência, a rede mundial de computadores foi ganhando mais fios com o aumento de pessoas conectadas e os novos recursos comunicacionais colocados em cena.
Deste gradativo aumento de indivíduos conectados, que perdura até a atualidade, formas peculiares de acessar, compreender e divulgar as informações produzem tramas de sentido que tem como um dos seus recursos, o uso de artefatos hipertextuais. Por exemplo, um adolescente que está lendo uma reportagem sobre a ditadura militar no Brasil na tela do seu celular, pode contar com a opção de acessar os diversos links disponibilizados, com os quais pode ver vários vídeos, entrar em outras páginas, analisar memes e talvez saia admirando os militares por seu papel como guardiões de nossa frágil democracia. Ou pelo contrário, construa um entendimento divergente em relação a essa perspectiva e entenda a intervenção militar como um dos atos mais antidemocráticos da história brasileira. De toda forma, a liberdade de tecer relações e criar sentidos com o hipertexto pode gerar narrativas bastante indigestas para muitos indivíduos, se esperam ver suas idéias recebidas com objetividade na internet.
Mesmo com esses argumentos, seria exagerado afirmar que ninguém mais se entende no ciberespaço devido à hipertextualidade virtual, pois a formação de grupos e comunidades pautados em interesses comuns testifica o contrário dessa ideia. Todavia, a perspectiva de que a opinião nos dias de hoje é lapidada pelo rápido acesso as informações e a falta de tempo para maturação das mesmas abre questionamentos sobre a utilização nada reflexiva dos recursos da internet. Processo bem relacionado ao uso em massa de tecnologias, nas quais a execução de comandos repetitivos na tela de computadores, celulares, smartphones etc. não implicam que os seus utilizadores se tornem cidadãos “mais críticos e autocríticos” (DEMO, 2008, p. 07), em relação às informações recebidas ou transmitidas por meio desses dispositivos.
Nesse esquadro, a má qualidade de alguns debates entre os usuários do facebook e os demais espaços da internet,sobre temas relacionados à política e economia do nosso país, entre outros, demonstram muito bem essa condição antropológica de muitas sociedades atuais. A possibilidade de deslocamentos sem a necessidade de longas viagens a arquivos históricos e museus, o cruzamento de informações da rede e o acesso às fontes históricas digitalizadas trouxeram mudanças ao perfil do trabalho do historiador e muito mais na forma como o público não especializado tem se relacionado com a história (LUCHESI, 2012, p.29). Sugestivamente, um exemplo pode ajudar a pensar melhor esse ponto específico.

Figura 1. Postagem sem menção de autoria (Facebook-2016).

 A imagem acima foi extraída da rede social já citada, consideremos perdoável confundir Lenin com Karl Marx, num eventual embaraço de memória visual de alguém. De outro ponto de vista, sugerir que ele governou a China, não tem nenhuma coerência histórica. Curiosamente, trata-se de uma informação dentre muitas, demonstrando usos pouco elaborados da história. O que se pretende frisar desse caso é que muitos internautas tratam o saber histórico e o senso comum como medidas equivalentes, não recorrendo a nenhum tipo de evidência ou interpretação científica para construir suas afirmações. Algo observável na sugestão fantasiosa da postagem mostrada, de que Marx matou 11 bilhões de pessoas dentro do regime comunista.
 De fato, a grande quantidade de material lançado diariamente na internet, sem menção a sua autoria ou as fontes consultadas é um entrave para alavancar usos mais consistentes do conhecimento, principalmente sobre temas históricos. E sobre essa questão, bem lembra Denis Rolland: “o escrito “virtual”, raramente assinado, oferece, amiúde, para os consumidores, sem que o internauta o saiba, uma história sem historiador” (2001, p.02). Tomando como base esse argumento e o desenho brevemente realizado até aqui, pode-se dar a seguinte resposta à questão utilizada como título desse texto.   
Sim, é fundamental ensinar crianças e adolescentes sobre o hipertexto na aula de história. Pois a finalidade do aprendizado sobre ele (desde os primeiros hipertextos até os dias atuais) tem o objetivo de fazer esses sujeitos entenderem a historicidade das práticas comunicacionais do ser humano. Contexto  no qual também podem ser extraídos elementos para compreender a relação entre os suportes de transferência das informações e outros aspectos da nossa sociedade contemporânea. Horizonte propício igualmente para produção de práticas escolares que considerem o relacionamento entre as evidências históricas e os critérios de “verdade” empregados para construir diversos discursos na web, como caminho mais facilitado para compreensão da dinâmica de circulação das informações nesse espaço. Entretanto, não se trata de inserir mais um conteúdo no currículo, mas pontuar uma perspectiva de trabalho relevante para o ensino de história, tendo em vista as problemáticas emergentes no século XXI.

Referências
COSTA, Marcella Albaine. Currículo, história e tecnologia: que articulação na formação inicial de professores? Dissertação de Mestrado, UFRJ, 2015, p. 145. Disponível em: < http://www.educacao.ufrj.br/ppge/dissertacoes2015/dmarcellaalbaine.pdf>. Acesso em: 05/12/2016.
DIAS, Claudia Augusto. Hipertexto: evolução histórica e efeitos sociais. Ci. Inf., Brasília, v. 28, n. 3, p. 269-277, set./dez. 1999
DEMO, Pedro. Habilidades do Século XXI. B. Téc. Senac: a R. Educ. Prof., Rio de Janeiro, v. 34, n.2, maio/ago. 2008.
LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência. O futuro do pensamento na era da informática. Trad. Carlos Irineu da Costa. Rio de Janeiro: 34, 1993. (Coleção TRANS)
LUCHESI. Anita. Histórias no Ciberespaço: Viagens sem Mapas, sem Referências e sem Paradeiros no Território Incógnito da Web. Cadernos do Tempo Presente – ISSN: 2179-2143 Edição n. 06 – 06 de janeiro de 2012.
ROLLAND, Denis. Internet e história do tempo presente: estratégias de memória e mitologias políticas 2001. Disponível em: < http://www.historia.uff.br/tempo/artigos_dossie/artg16-4.pdf.>. Acesso em: 05/12/2016.

8 comentários:

  1. Olá Eder, tudo bem? Como seu texto é rico, ele deu muitas ideias para refletir na minha pesquisa de mestrado. Concordo com você em relação a complexidade e o inesperado da web, certamente a imprevisibilidade é uma característica marcante da internet. Por isso, acredito ser de extrema relevância colocar em pauta no ensino de história essas discussões, sobretudo, para nós professores-historiadores ocuparmos e refletirmos sobre o universo da web.

    Pergunta: Qual sua opinião sobre essa nova relação do historiador com os documentos nascidos na web e da provisoriedade das informações nesse universo?

    Bruna C M Rodrigues

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  2. Olá Bruna, estou muito bem. Acredito que a provisoriedade exija do historiador repensar a própria noção de documento e memória, visando lidar mais adequadamente com a fluidez das informações na web.
    Éder Dias do Nascimento

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  3. Olá, Éder, tudo certo?
    Adorei o seu texto, meus parabéns. A minha pesquisa também se relaciona com o ciberespaço e as diversas possibilidades que esse pode oferecer à História. Gostaria de saber se você concorda que hoje existe uma demanda social por História Veja, as diversas páginas de redes sociais que disseminam informações e ideias de história (muitas vezes não feitas por historiadores, como você bem disse), e conseguem respaldo em um público específico que se interessa por aquela informação. Vemos usos (bons e maus) da história no ciberespaço, na web. Jovens que atuam em rede e ali se formam historicamente e politicamente. Você concorda que exista essa demanda social por História?

    Parabéns pelo texto. Servirá muito bem à minha pesquisa!
    Um abraço.

    Matheus H. M. Sussai

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. Ola Matheus! Estou bem. Fico feliz por ter gostado do meu texto. Sobre a sua pergunta, me posiciono da seguinte maneira: a demanda por história é enorme, expressa principalmente nas artes, jogos e meios de comunicação. Infelizmente, espaços onde o historiador pouco atua.

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  6. Bom dia, professor!
    o seu texto é muito bom. O interessante é que ao mesmo tempo em que há um "menosprezo" para a História há também uma grande procura do "fazer História", em época de "empoderamento" todos querem contar a sua própria História e a internet acaba oferecendo este suporte. Ao mesmo tempo estamos vivendo uma transição de sistema econômico e social onde a internet terá um papel fundamental nisto tudo, mudando inclusive o relacionamento professor x aluno x sala de aula x conteúdo. Como amarrar tudo isto, professor? será que a nova função do historiador será como a letra do "samba do crioulo doido", como ensinar a tantos alunos empoderados dentro de uma sala de aula, desculpa se eu desviei um pouco do assunto, abraço!

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  7. Oi Eder, saudações. Indo direto ao ponto, compartilha conosco como sua pesquisa está sendo acolhida no âmbito do ProfHistória. Existem tantas experiências bacanas, tantos professores com ideias incríveis que gostariam de aprofundar-se melhor através de um mestrado, que talvez sua experiência possa contribuir como forma de estímulo... Obrigado.

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  8. Com tantas facilidades que a tecnologia nos ofertou, podemos observar que as pessoas procuram ter uma maior interação com a historia através desses novos meios como a internet e outros.

    Olhando a figura I, temos alguns comentários sobre a figura de um sujeito histórico; essa mesma foto poderá passar por uma outra formatação e ser expressa uma nova ideia sobre esse sujeito contraria a primeira. Sendo essas imagens analisada por um único individuo, este acabará tendo a oportunidade de analisar duas versões, mas caso o mesmo não tenha conhecimento histórico dessa personalidade, ficará difícil este chegar a uma conclusão. Com isso como deverá ser analisado essas imagens para um melhor conhecimento histórico?

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