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Davison Alves

AS AMAZÔNIAS PRESENTES NOS LIVROS DIDÁTICOS REGIONAIS: REFLEXÕES SOBRE ABORDAGENS E PROBLEMAS DE IDENTIDADE DISCIPLINAR
Davison Hugo Rocha Alves
Professor Assistente A – Unifesspa

Em 1989, o IDESP (Instituto de Desenvolvimento Econômico, Social e Ambiental do Pará) publicou uma coletânea de textos que versavam diversos temas que são pertinentes a História da Amazônia. Uma coletânea de textos que se apresentava como “novidade” para compreender os caminhos de desenvolvimento pensados pelo Estado após os governos militares, bem como apresentar aspectos de ordem cultural, social e econômico.
A coletânea foi comprada pela Secretaria Estadual de Educação do Pará (SEDUC) que foi distribuída em diversas escolas do Estado do Pará e lida por muito professores da rede estadual de educação, especificadamente os professores de História e de Geografia. Neste momento estava-se necessitando debater a Amazônia, e os demais pesquisadores que publicaram nesta coletânea refletiram sobre esta região.
Os livros escolares lançados por estes professores apresentam abordagens diferenciadas sobre a disciplina ‘Estudos Amazônicos’, isto ocorre porque ela é uma disciplina interdisciplinar, e possui livros regionais escritos por historiadores, geógrafos e sociólogos. Indagado sobre isto, esta dissertação dialoga com esta questão partindo do pressuposto de que há uma historicidade a ser contada sobre esta disciplina criada no Estado do Pará após a redemocratização, haja vista, que a região amazônica se tornou um espaço de disputa de poder, de influências políticas e de debates em torno de suas exuberâncias, fragilidades e riquezas naturais.
No contexto dos anos 1990 existe uma preocupação em evidenciar a Amazônia no currículo escolar, para isso foi inventado um currículo escolar, e elaborado dois livros didáticos. Percebemos que há um distanciamento de uma proposta curricular que tem na História do Pará o centro de sua narrativa didática, quando se colocam em questão alguns eventos chaves como a fundação da Belém, a chegada dos jesuítas, o período de Marquês de Pombal, a Cabanagem, o período da Borracha, a era do intendente Antônio Lemos, a revolução de 1930 no Pará e o governo de Magalhães Barata, os governos militares e a guerrilha do Araguaia, para trazer como centro de discussão as características geográficas, os aspectos positivos e negativos da Amazônia, os problemas ambientais, as questões sociais e do impacto exercido sobre a floresta amazônica com a ação do homem a partir dos anos 1960.
Este novo processo de ocupação começou durante os anos 60 quando ocorreu a migração de várias pessoas para o estado do Pará fundando uma “civilização da estrada” como lógica diferenciada da “civilização dos rios”, onde foram criadas novas cidades, sendo construída a beira das estradas, principalmente estradas federais não impondo necessariamente um rompimento com a linguagem social da cidade de origem dos migrantes: implica novos arranjos, com adequações a dinâmicas locais, dinâmicas próprias dos “novos espaços”, onde os indivíduos reorganizaram as suas condições sociais, suas relações com o espaço amazônico.
Durante os anos 90 ficou consolidado no espaço escolar uma área de conhecimento conhecida como ‘Estudos Amazônicos’, ela é fruto de um movimento de professores de História/Geografia que estavam reivindicando o lugar da Amazônia dentro da sala de aula. Dois movimentos foram decisivos para isto: a criação de uma disciplina regional e a elaboração de duas propostas curriculares para uso por professores e alunos. Esta comunicação pretende apresentar a experiência dos professores no momento da elaboração de seus materiais didáticos para uso em sala de aula e fazer uma reflexão sobre a leitura que estes fazem sobre o passado e a Amazônia voltados para escola. Tentando destacar quais são as chaves de leitura que estes professores/autores elencam importante conhecer sobre a região amazônica, percebemos que existe duas ordens de narrativa, que são: a urgência do presente e a relação passado/presente.  
As capas podem ser consideradas como portas de entradas para os livros didáticos, elas nos apresentam indícios que nos ajudam a problematizar qual (quais) o (s) aspecto (s) aquele determinado livro didático regional elege como central a ser debatido. São os chamados objetos motivacionais (MORAES, 2010, p.49) que se expressam na capa, que o leitor terá o seu primeiro contato por meio do design.
Percebemos que uma coleção desta disciplina destaca bem essas duas configurações sócio espaciais em sua capa didática, ela destaca dois momentos distintos da História da Amazônia, a civilização dos rios é apresentada com a célebre pintura de Alexandre Rodrigues Ferreira sobre a entrada da cidade de Cametá, durante o século XVIII e a civilização da estrada é destacada com a fotografia espacial da abertura durante o final do século XX da Transamazônica, que nas palavras da professora Rosa Acevedo (2004) revelam o quadro de modernização econômica pensada pelo Estado para esta região, aliando a isso a criação de instituições públicas que tinha como função gerar seus recursos e trazer investimentos para a Amazônia.
Queremos destacar que a Secretaria do Estado do Pará juntamente com o Conselho Estadual de Educação pensou em uma disciplina no final dos anos 1990, que atendesse as demandas dos professores de História e Geografia, mas que ficou em aberto o currículo a ser implementado pela Secretaria as escolas públicas do estado. Compreendemos que existe um dilema a ser resolvido quando se trata desta disciplina regional, o que caracteriza os chamados “estudos amazônicos”? Qual o lugar da ciência de referência História dentro deste campo de estudo? Como fazer uso da interdisciplinaridade neste contexto sócio-político e educacional?
Compreender o campo disciplinar “estudos amazônicos” como um conjunto de temas que são referenciados sobre a Amazônia, e que precisam estar presentes no espaço escolar. Neste sentido, o livro do IDESP apresenta os caminhos de processos-aprendizagens sobre a questão regional amazônica, que podem ser explorados pelo professor desta disciplina. Existe uma necessidade de discutir a Amazônia e as suas transformações em diversos aspectos seja em relação ao modo de vida do homem, a cultura e suas fragilidades diante de outros espaços, os diversos espaços de colonização e modelos de civilização pensados ao longo de sua história, a questão ambiental, etc., neste sentido, acredito que precisamos afinar as arestas de conhecimento produzido em diversas instituições de pesquisa (MPEG, o NAEA, o NUMA, as pesquisas dos professores de universidades públicas e particulares), para que todos os campos de pesquisa sobre o denominado “estudos amazônicos” possam ser problematizados.   
Como forma de apresentar uma nova leitura do passado para a região amazônica, esta autora de livro didático regional apresenta a sua concepção de ‘Estudos Amazônicos’ na introdução de seu livro, argumentando que os conteúdos escolares têm que ser um significado social para a vida do aluno, pois, ela quer problematizar a Amazônia real, aquela que está no cotidiano dos alunos. Violeta Loureiro quer deixar de lado a invisibilidade de Amazônia no espaço escolar.
A professora Circe Bittencourt destaca a importância que os conteúdos significativos tiveram para as propostas curriculares oficiais, que foram lançadas durante o período da redemocratização, quando argumenta que o define como “o critério de seleção de baseado, direta ou indiretamente nos problemas do aluno e de sua vida, em sua condição social ou cultural” (BITTENCOURT, 2009, p.37). O professor desta disciplina regional precisa estar atento para as especificidades da região amazônica, ele possui uma posição de destaque quando está ministrando sobre a Amazônia.   
Os discursos que são veiculados sobre a Amazônia nestas duas ordens de narrativas, que são a urgência do presente e a relação passado/presente tornam-se fundamentais perceber quais são os caminhos que os professores/autores de livros didáticos regionais consideram importante serem debatidos no espaço escolar. As narrativas apresentam um ponto de convergência sobre a História da região amazônica, que se configura na abertura da Belém-Brasília e a construção de uma estrada denominada de transamazônica. 
Para além dos manuais didáticos (livros didáticos, livro-texto e paradidáticos) o momento atual é de repensar o currículo, a formação de professores no Estado do Pará e a prática docente do professor desta disciplina, pois, não adianta apenas criar uma disciplina, é preciso ter formação para atuar na rede. A disciplina Estudos Amazônicos entre o prescrito e o feito: precisamos fazer uma reflexão sobre isso, está posto o desafio!

Referências Bibliográficas
BITTENCOURT, Circe. Ensino de História: fundamentos e métodos. 4ª ed. São Paulo: editora cortez,2011.
MORAES, Didier Dominique Cerqueira Dias de. Visualidade do livro didático no Brasil: o design de capas e sua renovação nas décadas de 1970 e 1980. São Paulo: USP, 2010. (Dissertação Mestrado)
MARIN, Rosa Elisabeth Acevedo. Civilização do rio, civilização da estrada: transportes na ocupação da Amazônia no século XIX e XX.Belém, Paper NAEA nº 170, 2004. P.13


    

9 comentários:

  1. Muito oportuna sua reflexão. Sei que o Sr. focou sua análise na disciplina "Estudos Amazônicos", mas recordo que quando menino no início dos anos 1990, estudávamos uma outra disciplina intitulada "Estudos Paraenses", O Sr. já se debruçou sobre essa disciplina? quais relações e fronteiras existem entre as duas? Obrigado.
    Ernesto Padovani Netto

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    1. Obrigado Netto Padovani pela leitura de minha comunicação. A disciplina 'Estudos Amazônicos' surge em 1997 e colocada em prática nas escolas estaduais em substituição a disciplina 'Estudos Paraenses' a partir do anos de 1999. Existe um campo de pesquisa vasto sobre a disciplina 'Estudos Paraenses' a ser problematizado no Pará, existe alguns trabalhos espaços na Primeira República, nos anos 1940 sobre os manuais escolares. Não fiz uma pesquisa sobre a disciplina Estudos Paraenses. Ainda existe uma perspectiva de Estudos Paraenses dentro de um dos manuais escolares que analisei na pesquisa, refiro-me ao livro História do Pará, do professor Gerard Prost, percebemos isto pela forma que foi construída a sua narrativa, em 6 grandes períodos e que possuem alguns eventos chaves da História do Pará, que em alguns momentos envolvem a Amazônia como destaque, percebemos isto, quando o autor deste livro regional apresenta alguns eventos como as drogas do sertão, por exemplo, quanto as fronteiras, podemos perceber pela forma como se pensa a História do Pará e a história da região amazônica, o que me parece mais perceptível é que o termo Amazônia seja mais utilizado no final do século XIX e durante o século XX. Algo exclusivo dos séculos desde o período da borracha até os dias atuais, o que por exemplo, não engloba a colonização da cidade de Belém, os jesuítas, a Cabanagem, que são eventos ligados a História do Pará.

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  3. Boa noite!
    Fico muito satisfeita em ler textos que tratam sobre o Ensino de História Regional, pois leciono no Estado do Pará e percebo uma distância enorme da História contida nos currículos e livros didáticos e um Ensino de História significativo, refletindo a localidade e o cotidiano dos alunos.
    A respeito da disciplina de Estudos Amazônicos, só é trabalhada no Ensino Fundamental, em minha região. Sendo assim, como você vê uma possibilidade de inclusão desses conteúdos também para o Ensino Médio?

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    1. Professora Viviane Alice, quando existia o vestibular regionalizado na UFPA/UEPA alguns temas relacionados a Amazônia eram colocados no currículo do Ensino Médio, com temas em relação ao mundos do trabalho, a movimentos sociais e a natureza. O professor Tiese Junior possui um livro chamado "Estudos Amazônicos - Ensino Médio", com uma abordagem atualizada sobre alguns trabalhos historiográficos, ele apresenta um livro para ser problematizado com textos -base sobre a história da região amazônica. Ele pode ser um importante instrumento pedagógico de uso em sala de aula.

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  4. Oi, Davisson.

    O seu texto aguçou meu interesse pelo tema. Parabéns.

    Tenho uma pergunta: nos livros didáticos regionais que analisou, há a preponderância de estudos e obras de cunho social, politico ou econômico? Ou tudo isso se mistura?
    Outra questão: há, nos livros, analises que tragam à tona a produção cultural, artística e literária da Amazônia ou Pará?
    Abraços

    Heraldo Márcio Galvão Júnior

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  5. Heraldo fico agradecido pela leitura! Os livros didáticos regionais analisados possuem uma mescla de questões políticas e econômicas. O livro do professor Gerard Prost não apresenta uma perspectiva social, ele apresenta uma forma regionalizada para a História do Pará sendo entrelaçada na História da região amazônica, ou seja, fica evidenciado mais um narrativa didática que apresenta os eventos chaves que tiveram grandes destaques a partir da cidade de Belém, e suas conexões com o local e o Global. Ele coloca em evidencia uma valorização da História política, diferente do que faz a professora Violeta que deixa a sua narrativa limitada a uma perspectiva social e econômica. Os livros que analisei não possuem uma perspectiva de trazer para o espaço escolar a produção cultural, artística ou literária, refiro-me a isto na produção didática dos anos 1990, no início do século XXI quando o mercado editorial privado assume o protagonismo desta disciplina alguns temas aparecem como o cultural e o literário.

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  6. Matheus Mendonça e Silva7 de abril de 2017 às 16:27

    Daivison Alves,

    Muito bom o seu texto. Acho que você descreveu bem a implementação da disciplina "estudos amazônicos" e sua criação pela SEDUC do Pará.Você também soube contextualizar o período de redemocratização - até usando a Circe Bittencourt.
    Mas confesso que iniciei a leitura do seu artigo pensando encontrar uma análise dos conteúdos dos livros didáticos, com uma diferença da década de 60 - 80 se pensar, talvez, mais numa expectativa desenvolvimentista. A pergunta que faço é simples e me pareceu já estar respondida no texto: É sua intenção dizer que a maneira à qual a disciplina foi constituída/pensada dependia bem mais dos professores que lecionavam do que de um currículo emanado por órgãos do Estado? Aproveito e faço uma outra pergunta e que você não tem a obrigação de responder, pois entendo que estão subentendidas no texto: Mas a divulgação dos livros didáticos dava-se circunscrita ao espaço estadual ou era mais no espaço regional - amazônia brasileira?

    Por: Matheus Mendonça e Silva

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    1. Olá Davison Hugo!

      Dentre várias publicações sobre a Amazônia, destaco as obras Pontos da Amazônia, da Paka-tatu. Uma coleção que muito contribui com a disciplina de Estudos Amazônicos em sala de aula. Você conhece essa coleção?

      Att,

      Valdenira Silva de Melo.

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