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Daniel Geverhr; Darlã Alves; Shirlei fetter

MEMÓRIA E PATRIMÔNIO DIALOGANDO NAS AULAS DE HISTÓRIA: A EDUCAÇÃO PATRIMONIAL COMO PRÁTICA PEDAGÓGICA NA CONTEMPORANEIDADE
Prof. Dr. Daniel Luciano Gevehr
Prof. Mt. Darlã de Alves
Prof. Mt. Shirlei Alexandra Fetter
FACCAT

O artigo discute o papel desempenhado pelo ensino de história através da questão do Patrimônio Cultural. Buscamos relacionar como as noções do passado, concebidas pelo professor de história, se relacionam com os conceitos de patrimonialização, representação social, lugar de memória, monumentalidade e produção da memória social. Buscando compreender essas relações, nos propomos a discutir teoricamente essa questão, na tentativa de embasar as ações pedagógicas da sala de aula, voltadas para a educação patrimonial. Com isso, propomos levar para a sala de aula novos elementos simbólicos, como os monumentos históricos e a problemática dos lugares de memória, que assim se apresentam como objeto de investigação no âmbito da Educação Patrimonial.
O vínculo que se estabelece entre as representações sobre o passado e o contexto em que essas são produzidas é fator relevante na análise que pretendemos fazer. Isso se deve, especialmente pelo fato dessas representações terem servido de instrumento para a justificação de toda uma produção de saberes que, ao longo da evolução do saber, foram alvo de diferentes interesses e ideologias. Essas, por sua vez, acabaram impondo determinadas visões sobre o passado, que na maioria das vezes interfere diretamente na forma como ensinamos a(s) história(s) na sala de aula.
Parte dessa análise – que discute a relação entre a produção do saber histórico e seu ensino - baseia-se na investigação das novas configurações sociais que expressam-se, materialmente, (entre outros elementos) através da urbanização presente em nossa sociedade - e da construção e nomeação de lugares – onde a história é celebrada e (re)lembrada através das gerações que se sucedem. Isso, em nossa sociedade é perceptível na medida em que observamos a ereção de monumentos e nomeação de inúmeros lugares e instituições, que tem significados os mais diversos em nosso meio. Para Le Goff (2003), a memória é um elemento essencial do que se costuma chamar identidade, seja ela individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais das pessoas e da própria sociedade. Nesse sentido, a memória não é apenas conquista, mas também um instrumento de poder. Existe uma luta pela dominação da recordação e da tradição, estabelecendo aquilo que deve ser lembrado e aquilo que deve ser esquecido. Na história do Brasil, foram vários os exemplos dessa tentativa de construir uma nova denominação para as localidades que presenciaram conflitos marcantes.
A análise das representações construídas sobre o cenário e também sobre os personagens centrais da história nos faz refletir sobre o contexto em que cada autor se insere, e principalmente, sobre os propósitos que levam o autor a “contar” a história dessa ou daquela perspectiva. As representações produzidas sobre o passado e, de forma especial em nosso caso, sobre o processo que envolve o ensino da história no contexto escolar, vinculam-se a esse campo de poder (pedagógico), no qual determinadas ideias podem ser ditas e outras precisam ser silenciadas. Daí a necessidade de articular a discussão teórica em sala de aula com a leitura crítica dos lugares de memória, relacionados com os temas selecionados.
Outra questão que nos parece não poder faltar no debate sobre a história e seu ensino é a produção da imagem dos heróis (OLIVEIRA, 2003). Esse fato que, durante muito tempo, habitou as páginas de livros didáticos e que, era antes de tudo, reflexo de determinadas vertentes da historiografia de sua época. Essas, por sua vez, acreditavam que a história era explicada fundamentalmente, através das ações de personagens heroicos. Essa mesma visão pode ser percebida na produção dos lugares de memória da cidade, que procura prestar homenagem aos “grandes vultos do passado”.
Constatamos que determinados lugares – que aqui iremos chamar de lugares de memória (NORA, 1993), em razão de constituírem-se em lugares de lembrança sobre o passado - são representados através de diferentes veículos de representação, tais como os documentos, os textos historiográficos e literários, a imprensa e, ainda, o cinema, que muito tem produzindo atualmente uma sensação de “verdade e autenticidade” a certos acontecimentos do passado, algo sem dúvida sobre o qual precisamos observar atentamente.
 A partir das inquietações manifestadas até aqui é que refletimos sobre aquilo que Halbwachs (2004, p.150) chama de memória coletiva. De maneira especial, Halbwachs mostra-nos como os lugares desempenham um papel fundamental na construção da memória coletiva. Para ele, os lugares que percorremos nos fazem lembrar de fatos ocorridos no passado e, assim, contribuem para a construção da memória coletiva. A construção de monumentos, a denominação de lugares e a preocupação com a valorização de personagens do passado estão diretamente associadas a uma memória coletiva.
Quando uma comunidade elege seus lugares de memória e também seus símbolos e heróis - que passam a representá-la – pode-se perceber os condicionantes que estiveram envolvidos nesse processo de construção das representações. Tendo essas questões como problema, procuramos discutir como os diferentes temas ensinados na história (como disciplina no currículo escolar) passaram – e continuam passando - por um processo de (res)significação.
Fundamental para se pensar o ensino da história a partir da interpretação dos significados que os lugares de memória exercem na compreensão dos conteúdos de história é mostrar na sala de aula que esses espaços são, antes tudo, dotados de um significado simbólico. Ou seja, esses lugares nos remetem a pensar sobre os fatos que ali ocorreram e pessoas que ali estiveram. É nesse sentido que destacamos a criação dos diferentes lugares de memória (monumentos, praças, instituições, etc.) e os vinculamos ao processo de (res)significação da história, uma vez  que os tomamos como evidência das visões e dos sentimentos coletivos que se faziam presentes na época de sua criação.
Dessa forma, evidencia-se a eficácia simbólica exercida pelos monumentos. Localizados estrategicamente no espaço social das cidades, os monumentos representam formas de pensar, sentir e expressar os valores coletivos. Tomados como “símbolos espaciais” os diferentes monumentos históricos, assim como outros tantos símbolos que passam a representar parte da história de um lugar devem ser entendidos como resultado de diferentes interesses – até mesmo antagônicos às vezes - e anseios presentes nessa comunidade.
Os lugares de memória constituem-se, dessa forma, em materializações dos sentimentos e dos interesses predominantes em cada época. Sentimentos e interesses que acabaram por determinar a condenação ou a celebração, a memória ou o esquecimento dos episódios e de seus personagens. Finalmente, podemos afirmar que a discussão que nos propomos a fazer nesse exercício sobre o “fazer da história” na sala de aula teve como desafio maior articular diferentes questões que implicam no fazer pedagógico do professor de história na atualidade. Articular questões de cunho metodológico com concepções de educação patrimonial, observando nos lugares de memória da história possibilidades de exploração dos sentidos produzidos sobre o passado e identificar nesses lugares possibilidades de interpretação sobre personagens e fatos encobertos pela historiografia “tradicional” foram algumas das provocações que procuramos trazer com essa discussão.
Se por um lado eles correrão o risco de continuarem sendo “visões” sobre esse passado, ao menos trarão à tona novas “possibilidades de se enxergar” esse passado, através de novos “óculos”, com novas lentes sobre o passado humano, muitas vezes ofuscado por diferentes condicionantes históricos que produzem o patrimônio das comunidades nas quais os próprios alunos se tornam agentes da memória. A (re)produção de determinadas visões sobre o patrimônio, ancoradas em seus lugares de memória, se fazem, sem dúvida, através da escola, que pode (ou não) aguçar o olhar critico sobre o passado e sobre esses lugares, ou simplesmente plasmar as visões de seus alunos.

Referências
CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: Editora UNESP, 2001.
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2004.
HOBSBAWN, Eric e RANGER, Terence. A invenção das tradições. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
LE GOFF, Jacques. História e memória. 5 ed. Campinas: UNICAMP, 2003.
NORA, Pierre. Entre memória e história. A problemática dos lugares. Projeto História. São Paulo, n°10, dez. 1993.
OLIVEIRA, Lucia Lippi. A construção do herói no imaginário brasileiro de ontem e de hoje. In: PESAVENTO, Sandra Jatahy (org). História Cultural: Experiências de Pesquisa. Porto Alegre: UFRGS, 2003.


11 comentários:

  1. Prezados colegas, gostaria de saber quais são as principais referências utilizadas em suas considerações para fundamentar os conceitos de "representação" e de "patrimonialização". Também gostaria de propor um maior debate em torno da concepção de história assumida pelos autores e sua relação com a memória, pois, ao meu ver, o conceito "lugares de memória" e o próprio Pierre Nora (na esteira de Halbwachs) pressupõe uma cisão entre a história (representação, crítica, objetividade) e a memória (elemento dinâmico, vivo e pulsante nos grupos sociais) - os "lugares de memória" são construídos para lembrar aquilo que não mais se encontra "vivo" na memória social. Nesse sentido, os colegas percebem a história a partir dessa diferença em relação a memória, ou percebem proximidades entre essas duas dimensões?
    Eduardo Roberto Jordão Knack

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    1. Prezado Eduardo,
      Indicações indispensáveis de leitura são:
      JODELET, Denise. Representações sociais: um domínio em expansão. In: JODELET, Denise (org.) As representações sociais. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2001.
      CHARTIER, Roger. À beira da falésia. A história entre certezas e inquietude. Porto Alegre: UFRGS, 2002.
      ABREU, Regina M. do R. M. Patrimônio cultural: tensões e disputas no contexto de uma nova ordem discursiva. In: LIMA FILHO, Manuel Ferreira; ECKERT, Cornélia; BELTRÃO, Jane (Org.). Antropologia e patrimônio cultural: diálogos e desafios contemporâneos. Blumenau: Nova Letra, 2007. v.01, p. 263-287. Disponível em: . Acesso em: 28 mar. 2017.
      CHOAY, Françoise. A Alegoria do Patrimônio. 3 ed. São Paulo: Unesp, 2006.
      GONÇALVES, José. Os museus e a cidade. In: ABREU, R.; CHAGAS, M. (org). Memória e Patrimônio. Ensaios Contemporâneos. 2 ed. Rio de Janeiro: Lamparina, 2009. p. 171-186.
      MENESES, Ulpiano. T. B. de. A Exposição museológica e o conhecimento histórico. In: FIGUEIREDO, Betânia G.; VIDAL, Diana G. Museus. Dos Gabinetes de Curiosidades à Museologia Moderna. 2 ed. Belo Horizonte: Fino Traço, 2013. p.15-88.
      MENESES, Jose. N. C. História e Turismo Cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
      MENESES, Ulpiano. T. B. de. A Exposição museológica e o conhecimento histórico. In: FIGUEIREDO, Betânia G.; VIDAL, Diana G. Museus. Dos Gabinetes de Curiosidades à Museologia Moderna. 2 ed. Belo Horizonte: Fino Traço, 2013. p.15-88.
      MENESES, Jose. N. C. História e Turismo Cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
      Quanto à sua observação, defendo a ideia de que - embora apresentando distinções claras entre memória e história - os autores referendados são fundamentais para se pensar o processo de patrimonialização e a dinâmica social de apropriação e reapropriação dos bens simbólicos. É preciso lembrar que os próprios autores propõem a discussão sobre esses elementos, que são tão caros aos estudos sobre patrimônio e educação patrimonial.

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    2. Obrigado pelo retorno!
      Eduardo Knack

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  2. Resgatar a memória faz com que se preserve a identidade de uma sociedade e é de suma importância para a mesma. Para isso é necessário rememorar, ir em busca das raízes, das origens, do âmago da sua história, etc.
    A memória tem o caráter essencial para a evidencia de uma nação ou mesmo de um grupo étnico, pois transporta elementos para sua mudança, ela tem o poder de reter ideias, etc.

    Quais as formas mais seguras e palpáveis, de se resgatar e registrar a memória ?

    Andreline Cardoso Paiva

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    1. Certamente o museu é uma possibilidade concreta,desde que o mesmo conte com a participação ativa dos sujeitos da comunidade no processo de construção, permitindo que diferentes perspectivas dessa memória sejam materializadas na expografia dos museus.

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  3. Boa noite colegas,
    Antes do meu questionamento gostaria de parabenizar pelo trabalho. E dizer que a discussão que vocês propuseram é fundamental para que o aluno compreenda a relação do patrimônio cultural, a memória, a representação social com os fatos históricos, trabalhados em sala de aula. A pergunta que gostaria de fazer é se este artigo foi fruto de trabalho realizado em sala de aula com os alunos do ensino fundamental ou médio. E se tiver sido, como aconteceu a atividade, vocês levaram os alunos para conhecer algum patrimônio histórico, houve o diálogo com os conteúdos ministrados em sala de aula? Obrigada.
    Amanda Cristina dos Santos Costa Alves

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    1. A discussão realizada é fruto da linha de pesquisa do mestrado em desenvolvimento regional, do qual fazemos parte, mas acima de tudo fruto da experiência do trabalho na gestão de museu e também na docência na educação básica. O cruzamento dessas duas vertentes é que permitiu a discussão do texto.

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  4. Parabéns pela discussão.
    A temática da educação patrimonial nas aulas de história é muito cara para os alunos (principalmente) da Educação Fundamental e ao mesmo tempo parece relegada a um segundo plano nos currículos escolares e nas práticas pedagógicas de professores de História. Valorizar a memória coletiva dentro das aulas de História e estabelecer relações com os processos históricos, inclusive com os espaços constituídos como "lugares de memória" que juntos são responsáveis pela construção do patrimônio cultural (de um país ou região) é crucial na formação do cidadão. O artigo realmente faz uma provocação inicial para nos perguntarmos sobre o que fazer para incluir/integrar as questões da Educação patrimonial no fazer pedagógico dos professores de História?

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  5. Obrigado pelas suas palavras e, de fato, é um longo e pedregoso caminho a ser trilhado.

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  6. A Educação Patrimonial é muito legal nas aulas de História, pena que ainda não é uma disciplina obrigatória no Ensino Fundamental, assim os alunos saberiam valorizar o Patrimônio na sua cidade.Qual seria o papel da História com os conceitos de Educação Patrimonial? Muito tempo os livros didático traz o ensino de imagem dos heróis. Como a história ver essa visão do herói na nossa atualidade, e como podemos resgata isso dentro da sala de aula?

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  7. Boa Noite, ótimo texto. Lendo seu texto me despertou o olhar mais aguçado historicamente por minha cidade, o Centro da minha cidade possuí muitos casarões, como é importante trabalhar a História local com os nossos alunos. Vou planejar uma aula sobre os casarões históricos da minha cidade.
    Att,
    Maria Camila Fernandes de Macêdo Silva

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