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Caroline de Alencar

THE THIRD WAVE: A ESCOLA E O RESSURGIMENTO DO FASCISMO
Caroline de Alencar Barbosa
Prof. Mnt. Educação PPGED/UFS


Esta pesquisa analisará uma experiência ocorrida na Cubberley Senior High School, em Palo Alto, Califórnia, em 1976, denominada de The Third Wave (traduzido como A Terceira Onda), desenvolvida e aplicada nas turmas dos segundo, quinto e sexto períodos da disciplina História do Mundo Contemporâneo, ministrada pelo professor Ron Jones.  Pretendendo mostrar aos alunos a capacidade de persuasão de um grande líder ao educar as massas para a disciplina, seguimento de uma ideologia e a obediência utilizou como modelo o Partido Nazista, liderado por Adolf Hitler (1889-1945), que conseguiu mobilizar a população durante os anos de governo do Terceiro Reich (1933-1945).
O que deve ser destacado em relação à Terceira Onda é a sua repercussão que pode ser observada através da análise do periódico estudantil The Catamount produzido pelos alunos da escola, onde percebemos o momento em que o experimento saiu do controle quando os alunos tomados pela ideologia e imersos na simulação como algo real passaram a agir de forma violenta. Foram desenvolvidos símbolos para o movimento inspiradas no nazismo como, por exemplo, a insígnia que consistia em uma onda (como a suástica), a saudação que era feita com a mão curvada semelhante à saudação nazista, além da disciplina e atenção enquanto o “Furher” Jones falava (KLINK, 1967, p.3).
O conceito norteador para pensar esse tema consiste nos “Fascismos” e a partir de Francisco Carlos Teixeira da Silva (2015) definimos o fascismo como um conjunto em ascensão de movimentos de extrema-direita caracterizados pelo antiliberalismo, antiparlamentarismo e antimarxismo, com apego às tradições nacionais, a um líder de personalidade autoritária, além da adoção de uma teoria de conspiração voltada para um inimigo comum, a exemplo os judeus na Alemanha. O agir político fascista pode ser compreendido como a reprodução de um sentimento de superioridade que promove a construção de identidade nacional comum.
Os Fascismos alemão e italiano iniciaram suas ações quase em simultâneo após a crise que se gerou com o fim da Primeira Guerra Mundial (1914-1918).  Expressavam repúdio radical da ordem política liberal e parlamentar, assumindo antimaterialismo e buscando novos valores como antissocialismo, valorização das forças irracionais, exaltação do instinto e da violência na vida política. Contemplavam um maciço projeto de reeducação da cultura nacional que envolvia medicina, biologia e ciências sociais, com o objetivo de educar o povo a aceitar o novo sistema de valores e rejeitar as antigas normas culturais (DE GRAND, 2005).
 Ainda que existam controvérsias em relação à emergência desse fenômeno político em sociedades que não vivenciaram contextos de crise no período entre guerras (1918-1939), podemos identificar traços fascistas nos movimentos de extrema-direita que emergiram a partir da segunda metade do século XX e primeiros anos do século XXI. Porém, nenhum fascismo será idêntico aos outros, tendo em vista sua capacidade de assumir uma nova roupagem condizente com seu contexto histórico, o inimigo objetivo, além das características que determinam a busca pelo caráter nacional (SILVA, 2015). 
A partir do que Peter Gay denominou como “outro conveniente” ou “inimigo objetivo”, alguém que é apontado como culpado por problemas que atingem determinada sociedade, portanto, como uma ameaça a ser combatida com violência, compreendemos a afirmação de Paxton (2008) que, a respeito de “um fascismo norte americano”, este seria “autenticamente popular, religioso, antinegros e, a partir do 11 de setembro, também antiislâmico” (P.287). Deste modo, percebemos que a possibilidade da apropriação do fascismo em um contexto totalmente distinto é possível a partir da inclinação das massas em aceitar a ideologia, reforçada pela censura, violência e propaganda.
Para estudar o caso é necessária a compreensão de que forma as organizações de massa na Alemanha foram projetadas para inculcar nos jovens os mitos básicos do regime como o culto ao Fürher, sentimentos nacionalistas e raciais, aceitação das guerras e da violência. (DE GRAND, 2005), pois estas foram as bases para a elaboração do projeto A Terceira Onda. Dessa forma, a realização de debates em torno desses movimentos fornece subsídios para os educadores pensarem a discussão em sala de aula em torno de sistemas políticos autoritários e formas de intolerância geradas a partir deles.
Esse estudo se justifica ao pensar a escola como um ambiente de conscientização e formação de opinião contra a barbárie e o extremismo político. É “preciso reconhecer os mecanismos que tornam as pessoas capazes de cometer tais atos” (ADORNO, 1995, p.120) tornando a educação um instrumento transformador enquanto auto-reflexão e crítica social. O ensino e a pesquisa nesse sentido devem se auxiliar mutuamente, pois a produção do conhecimento através de fatos e fontes privilegiará a reprodução e discussão nas disciplinas escolares desses conteúdos em sala de aula pelo docente.
Para isto, a metodologia desta pesquisa partirá do levantamento das edições do jornal The Catamount, que estão disponíveis para consulta e download em formato PDF no site The Wave (http://www.thewavehome.com/) gerido e supervisionado pelos participantes originais do movimento Terceira Onda. Essas fontes serão coletadas, catalogadas e arquivadas em um banco de dados que facilite o acesso do pesquisador às principais fontes de pesquisa, caso o site seja retirado de circulação. Realizaremos uma investigação das informações referentes à Terceira Onda e ao professor Ron Jones, que deverão ser traduzidas para o português.
Durante a análise das fontes devemos entender que uma das preocupações essenciais ao se trabalhar a partir da perspectiva histórica é de não limitar os acontecimentos às ações e esquecer as ideologias e mentalidades motivadoras para tal fato (BLOCH, 2011). Esta pesquisa deve entender quais as motivações dos estudantes americanos que integraram o movimento da Terceira Onda ao tomarem para si a ideologia de cunho fascista em um contexto que não pertencia à Segunda Guerra Mundial.
Portanto, a relevância deste trabalho consiste em através do estudo da Terceira Onda tratar da intolerância e dos fascismos, temas relacionados ao ensino de história. A pertinência desta pesquisa se justifica pela ascensão de movimentos de extrema-direita na atualidade, inclusive no Brasil. Os discursos de ódio proferidos por esses grupos e apropriação de posturas de cunho fascista devem ser analisados pela perspectiva da educação com a finalidade de promover um debate significativo entre os profissionais do ensino. 

Referências bibliográficas
ADORNO, Theodor W. Educação após Auschwitz. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1995, p. 117-138.
BLOCH, Marc. Apologia da História ou o Ofício do Historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.
DE GRAND, Alexander J. Itália fascista e Alemanha nazista/ Alexander J. De Grand; [tradução Carlos David Soares]. – São Paulo: Madras, 2005.
PAXTON, Robert O.  A anatomia do fascismo. Tradução de Patrícia Zimbes e Paula Zimbes. São Paulo: Paz e Terra, 2007.
SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Enciclopédia de guerras e revoluções: vol II: 1919-1945: a época dos fascismos, das ditaduras e da Segunda Guerra Mundial (1939-1945)./ Francisco Silva. 1º Ed.- Rio de Janeiro: Elsevier, 2015.

Fonte
KLINK, Bill. ‘Third Wave’ presents inside look into Fascism. The Catamount. Cubberley Senior High School, Pala Ale, vol. 11, nº 14, 21 de Abril de 1967, p. 3. Disponível em: <http://www.cubberleycatamount.com/Content/66-67/Catamount%20Pages/V11No14/670421.pdf. Acesso em 22.09.2016.



19 comentários:

  1. Caroline,
    Parabéns pela abordagem de um tema tão atual e necessário.
    Gostaria de saber se você observa relação entre a ascensão de movimentos de extrema-direita no Brasil com o projeto Escola Sem Partido.
    Um abraço,
    Eduardo Santos Maia

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    1. Prezado Eduardo Maia, boa tarde.

      Agradeço o interesse na leitura da minha comunicação.
      As bases da escola sem partido privam o censo crítico e a liberdade expressão. Porém não tenho uma análise mais aprofundada sobre isso para discorrer com mais propriedade. Peço desculpas.

      Muito Obrigada!

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    2. Prezado Eduardo Maia, boa tarde.

      Agradeço o interesse na leitura da minha comunicação.
      As bases da escola sem partido privam o censo crítico e a liberdade expressão. Porém não tenho uma análise mais aprofundada sobre isso para discorrer com mais propriedade. Peço desculpas.

      Muito Obrigada!

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  2. No cenário brasileiro quais movimentos vc identifica como representantes/defensores de uma perspectiva de extrema direita?

    Natanael J Santos

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    1. Prezado Natanael Santos, boa tarde.

      Agradeço pela leitura pela comunicação.
      Os protestos no Brasil já mostravam por diversas vezes imagens e discursos que podem se inserir nos moldes do agir fascista. No Rio de Janeiro, por exemplo, em 2015 identificou-se em uma das faixas o uso da suástica. Existem grupos de extrema-direita no Brasil que, adaptam o discurso ao contexto que se inserem, porém o uso da violência permanece, assim como a intolerância.

      Muito Obrigada!

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    2. Prezado Natanael Santos, boa tarde.

      Agradeço pela leitura da minha comunicação.
      Os protestos no Brasil já mostravam por diversas vezes imagens e discursos que podem se inserir nos moldes do agir fascista. No Rio de Janeiro, por exemplo, em 2015 identificou-se em uma das faixas o uso da suástica. Existem grupos de extrema-direita no Brasil que, adaptam o discurso ao contexto que se inserem, porém o uso da violência permanece, assim como a intolerância.

      Muito Obrigada!

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  3. Caroline,
    Penso que o seu texto trás questionamentos urgentes e necessários serem debatidos em sala de aula, é possível vermos no cotidiano escolar algumas dessas práticas discursivas do fascismo/extrema direita?

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    1. Prezado José Humberto, boa tarde.

      Muito Obrigada pelo interesse e pela leitura da minha comunicação.
      No cotidiano escolar reverberam, muitas vezes, discursos intolerantes. Com alguns alunos tive a oportunidade de presenciar os mesmos anunciarem formulações sobre temas e discussões que não respeitam a individualidade e o direito do outro de se manifestar. Muitas vezes desconhecem o que está por trás de seu discurso, pois agregam esses debates a partir de redes sociais e fontes que não são pertinentes. O que devemos fazer enquanto educadores é justamente promover um amplo debate sobre esses temas a fim de situar o aluno. Já pude presenciar, inclusive, movimentos fascistas se formando em universidades com a maioria do grupo, inclusive, integrantes do curso de História. Acredito que isso é um problema e que deve ser observado com cuidado tanto pelos educadores, quanto pela sociedade como um todo.

      Espero ter respondido sua pergunta.
      Muito Obrigada!

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    2. Prezado José Humberto, boa tarde.

      Muito Obrigada pelo interesse e pela leitura da minha comunicação.
      No cotidiano escolar reverberam, muitas vezes, discursos intolerantes. Com alguns alunos tive a oportunidade de presenciar os mesmos anunciarem formulações sobre temas e discussões que não respeitam a individualidade e o direito do outro de se manifestar. Muitas vezes desconhecem o que está por trás de seu discurso, pois agregam esses debates a partir de redes sociais e fontes que não são pertinentes. O que devemos fazer enquanto educadores é justamente promover um amplo debate sobre esses temas a fim de situar o aluno. Já pude presenciar, inclusive, movimentos fascistas se formando em universidades com a maioria do grupo, inclusive, integrantes do curso de História. Acredito que isso é um problema e que deve ser observado com cuidado tanto pelos educadores, quanto pela sociedade como um todo.

      Espero ter respondido sua pergunta.
      Muito Obrigada!

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. Olá Caroline,

    Sua pesquisa é bastante pertinente ao nosso contexto atual. Você acredita que o movimento "O Sul é o Meu País", se encaixa nessa perspectiva?

    Acredito que já vistes, mas registro um filme que lidou com essa temática intitulado: A ONDA (Dennis Gansel, 2008).

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    1. Prezado Maicon Aguiar, boa tarde.

      Muito obrigada pela leitura da minha comunicação. O movimento separatista "Sul é meu país" apesar de acusações de antissemitismo que consiste em uma das características dos movimentos de cunho fascista, como no caso alemão, não poderia ser encaixado na mesma categoria da Terceira Onda. O movimento "Sul é meu país" tem uma perspectiva política de separação de Estados do sul do país.
      Já a Terceira Onda consistiu em um projeto pedagógico fomentado pelo professor de História do Mundo Contemporâneo Ron Jones que não visava formar de fato um grupo fascista e sim, explicar de uma forma prática aos alunos a força de um grande líder para liderar as massas, usando como modelo explicativo Hitler nos anos do Terceiro Reich (1933-1945).
      Espero ter respondido sua pergunta quanto a isso.
      Sobre o filme, eu já assiti às duas produções (alemã e americana), além do documentário Lesson Plan (2011). Porém não servem de fonte para esta pesquisa.

      Muito Obrigada!

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  6. Prezado Maicon Aguiar, boa tarde.

    Muito obrigada pela leitura da minha comunicação. O movimento separatista "Sul é meu país" apesar de acusações de antissemitismo que consiste em uma das características dos movimentos de cunho fascista, como no caso alemão, não poderia ser encaixado na mesma categoria da Terceira Onda. O movimento "Sul é meu país" tem uma perspectiva política de separação de Estados do sul do país.
    Já a Terceira Onda consistiu em um projeto pedagógico fomentado pelo professor de História do Mundo Contemporâneo Ron Jones que não visava formar de fato um grupo fascista e sim, explicar de uma forma prática aos alunos a força de um grande líder para liderar as massas, usando como modelo explicativo Hitler nos anos do Terceiro Reich (1933-1945).
    Espero ter respondido sua pergunta quanto a isso.
    Sobre o filme, eu já assiti às duas produções (alemã e americana), além do documentário Lesson Plan (2011). Porém não servem de fonte para esta pesquisa.

    Muito Obrigada!

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  7. A obra de Oliveira Viana (1883-1951) de algum modo contribuiu na pesquisa proposta por Caroline de Alencar?
    Roberto Carlos Simões Galvão

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    1. Prezado Roberto Viana, boa noite.

      Muito Obrigada pela leitura da comunicação.
      Não utilizei este autor, porém agradeço a indicação.

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  8. A reflexão é bem interessante. Pensando no Brasil, temos uma linha fascista na década de 1930, o Integralismo. Seria adequado aproximá-lo a esse debate da terceira onda?

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  9. Este comentário foi removido pelo autor.

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  10. Bom dia Caroline, parabéns pelo trabalho, tema muito atual. Quais maneiras trabalhar a atual ascensão da extrema-direita no Brasil, Escola Sem Partido, em sala de aula?

    Ismael Paiva da Silva

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