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O ENSINO DE HISTÓRIA, A LEI 10.639/2003 E AS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS: ANÁLISE DO PROCESSO DE IMPLEMENTAÇÃO DA HISTÓRIA DA ÁFRICA NO CURRÍCULO DE HISTÓRIA
Bruno Sergio Scarpa Monteiro Guedes
Mestre em Relações Étnico-raciais (CEFET/RJ)
Professor de História no município do Rj

Este artigo visa abordar as consequências e o impacto da implantação da lei 10.639/2003 – lei a qual torna obrigatório o estudo sobre a cultura e história afro-brasileira e africana, nas instituições públicas e privadas de ensino – e sua contribuição para as questões étnico-raciais e para o ensino de História.
Portanto, o esforço será  de analisar a lei 10.639/2003, dando ênfase à questão da discriminação racial na escola e à possibilidade da valorização da cultura africana no ensino de História, após a implantação da referida lei. Para isso, direcionarei os olhares para os relatos dos professores de História da instituição de ensino pesquisada, no período de 2014-2016, e que as entrevistas concedidas contribuam para elucidar nossas dúvidas e indagações sobre a implementação da lei 10.639/2003 neste espaço social.
O Conselho Nacional da Educação (CNE), visando à propagação em nível nacional de um documento que orientasse os sistemas de ensino e que proporcionassem aos educadores um arcabouço para a construção de um currículo que procure a promoção de um ensino de qualidade e de responsabilidade social, institui as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) e organiza os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para o Ensino Médio (Brasil, 1999).

O sentido adotado neste Parecer para diretrizes está formulado na Resolução CNE/CEB nº 2/98, que as delimita como conjunto de definições doutrinárias sobre princípios, fundamentos e procedimentos na Educação Básica (…) que orientarão as escolas brasileiras dos sistemas de ensino, na organização, na articulação, no desenvolvimento e na avaliação de suas propostas pedagógicas. (Diretrizes Curriculares Nacionais, 2013, p.7)
Essa reformulação do ensino nacional é fruto de uma política educacional baseada nos princípios da Lei de Diretrizes e Bases do Ensino Nacional (LDB), promulgada em 1996, instituindo que a educação precisa acompanhar as mudanças e transformações sociais, econômicas e culturais ocasionadas pelo progresso da sociedade.
A questão desafiadora das DCN incide na reavaliação de suas orientações periodicamente, para abarcar as transformações ocorridas em curso de nossa sociedade. Essas modificações e observações realizadas ao longo do tempo serão necessárias para uma educação de qualidade a todos, permitindo acesso e permanência aos educandos durante sua trajetória escolar.

O debate sobre a atualização das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio deve, portanto, considerar importantes temáticas, como o financiamento e a qualidade da Educação Básica, a formação e o perfil dos docentes para o Ensino Médio e a relação com a Educação Profissional, de forma a reconhecer diferentes caminhos de atendimento aos variados anseios das “juventudes” e da sociedade. (Diretrizes Curriculares Nacionais, 2013, p.147)

Abordando especificamente o item 2.1 (educação com qualidade social), explicitamente citado nas DCN, verifica-se a preocupação em relação à superação de possíveis desigualdades e injustiças disseminadas no seio da sociedade e alastradas para dentro das escolas. E para essa superação e na consequente tentativa de reorganizar a qualidade do sistema educacional, preconiza-se uma reformulação pedagógica visando abarcar a multiplicidade de contextos vivenciados pelos alunos no âmbito de nossa sociedade. Portanto:
Outro conceito de qualidade passa, entretanto, a ser gestado por movimentos de renovação pedagógica, movimentos sociais, de profissionais e por grupos políticos: o da qualidade social da educação. Ela está associada às mobilizações pelo direito à educação, à exigência de participação e de democratização e comprometida com a superação das desigualdades e injustiças... Para além da eficácia e da eficiência, advoga que a educação de qualidade, como um direito fundamental, deve ser antes de tudo relevante, pertinente e equitativa. A relevância reporta-se à promoção de aprendizagens significativas do ponto de vista das exigências sociais e de desenvolvimento pessoal. A pertinência refere-se à possibilidade de atender às necessidades e às características dos estudantes de diversos contextos sociais e culturais e com diferentes capacidades e interesses. (Diretrizes Curriculares Nacionais, 2013, p. 151).
Ao tratarmos da reformulação pedagógica prevista pelas Diretrizes Curriculares Nacionais e referindo-se explicitamente ao papel do educador em sala de aula, inevitavelmente nos confrontaremos com situações desafiadoras e inquietantes no desempenho de nossas respectivas funções. Quando me refiro a “situações desafiadoras”, retomo a questão das relações étnico-raciais no âmbito escolar e de suas conduções e problematizações perante aos educandos.
As DCN, na tentativa de auxiliar as ações dos educadores no ambiente escolar, recomendam, em suas orientações aos docentes, uma formação que vá além de suas respectivas trajetórias acadêmicas. Observa-se a emergência dos professores em saber lidar com as relações étnico-raciais e em conduzir as aulas com reflexões e direcionamento adequado sempre que a temática for abordada. Para tanto, verifica-se:

“... há necessidade, como já vimos, de professores qualificados para o ensino das diferentes áreas de conhecimentos e, além disso, sensíveis e capazes de direcionar positivamente as relações entre pessoas de diferentes pertencimento étnico-racial, no sentido do respeito e da correção de posturas, atitudes, palavras preconceituosas. Daí a necessidade de se insistir e investir para que os professores, além de sólida formação na área específica de atuação, recebam formação que os capacite não só a compreender a importância das questões relacionadas à diversidade étnico-racial, mas a lidar positivamente com elas e sobretudo criar estratégias pedagógicas que possam auxiliar a reeducá-las.” (Diretrizes Curriculares Nacionais, 2013,p.502)

Segundo as DCN, faz-se necessária uma série de procedimentos acadêmicos e pedagógicos direcionados aos professores, com vistas a auxiliar e conduzir os mesmos a desenvolverem com plenitude o exercício do ensinar/educar. Essa formação necessária exigida contemplará as modificações oriundas dos documentos legais da educação que agora propiciam a formação integral do educando, abrangendo as esferas sociais, políticas e culturais. Sendo assim, exige-se dos docentes:

I – sólida formação teórica nos conteúdos específicos a serem ensinados na Educação Básica, bem como nos conteúdos especificamente pedagógicos;
II – ampla formação cultural;
III – atividade docente como foco formativo;
IV – contato com realidade escolar desde o início até o final do curso, integrando a teoria à prática pedagógica;
V – pesquisa como princípio formativo;
VI – domínio das novas tecnologias de comunicação e da informação e capacidade para integrá-las à prática do magistério;
VII – análise dos temas atuais da sociedade, da cultura e da economia;
VIII – inclusão das questões de gênero e da etnia nos programas de formação;
IX – trabalho coletivo interdisciplinar;
X – vivência, durante o curso, de formas de gestão democrática do ensino;
XI – desenvolvimento do compromisso social e político do magistério;
XII – conhecimento e aplicação das Diretrizes Curriculares Nacionais dos níveis e modalidades da Educação Básica. (Diretrizes Curriculares Nacionais, 2013, p.172)
Não podemos ignorar ou negar o mal estar vivido pelos negros diante dos brancos. Invariavelmente, boa parte deste desconforto é motivada por reproduções e interpretações intencionalmente distorcidas da história de vida da comunidade negra. Estigmatizam sua cultura, sua cor, seus costumes e religião, enfim, excluem dos padrões aceitáveis de uma sociedade dita civilizada suas origens e peculiaridades. Constantemente, o discurso pronunciado parte da comunidade branca hegemônica e, à medida em que a sociedade assimila tais discursos como verdades irrefutáveis, principalmente pela produção de materiais pedagógicos excludentes e do trabalho de divulgação por intermédio dos meios de comunicação social, criam-se graus de hierarquização entre as comunidades envolvidas no processo de socialização.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
______. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, Brasília, MEC, 2004.
______. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica / Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretoria de Currículos e Educação Integral, 2013.
______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9.394, 20 de novembro de 1996. Diário Oficial da União, Brasília, 1996.
______. Lei nº10.639. Inclui a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira” no currículo oficial da rede de ensino. Diário Oficial da União, Brasília, 2003.
BRASIL, Conselho Nacional de Educação (CNE). Parecer 03/2004 de 10 de marco do Conselho Pleno do CNE. Brasília: MEC/SEPPIR, 2004.
FREYRE, Gilberto (1992). Casa Grande & Senzala. Rio de Janeiro, Record.
GOMES, Nilma Lino. Educação e relações raciais: discutindo algumas estratégias de atuação. In: MUNANGA, Kabengele (Org.) Superando o racismo na escola. Brasília: MEC, 2005.
GOMES, Nilma Lino. Relações ético-raciais, educação e descolonização dos currículos. Currículo sem fronteiras, v.12, 2012.
LIMA, Mônica. Revista do Programa de Educação sobre o negro na sociedade brasileira. História da África: Temas e questões para a sala de aula. Cadernos Penesb, Rio de Janeiro, volume 7, 2006.
MUNANGA, Kabengele (org) Superando o racismo na escola. Brasília: MEC/SECAD, 2005.
VALENTE, A. L. E. F. Ser negro no Brasil hoje. SP: Ed. Moderna, 1994.


2 comentários:

  1. Bruno Sergio Scarpa Monteiro Guedes4 de abril de 2017 às 16:36

    Será que q história da África está sendo abordada nos livros didáticos de História, como a lei 10.639/2003 obriga?

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  2. Boa noite.
    Primeiramente, parabéns pela construção do texto e pela preocupação em discutir estas questões de ensino.
    A parte final do seu texto muito me lembra o que Carlos Moore escreve no texto A África que incomoda, o qual salienta que para uma discussão adequada acerca desta temática é fundamental que haja também não só uma mudança nos currículos, mas na formação docente, em cursos de formação continuada, em materiais didáticos e de apoio, enfim, é preciso uma mobilização por parte do conjunto escolar... Afinal, pode ter um bom currículo, mas se este não for colocado em prática, os mesmos estigmas sociais, históricos, discriminatórios e de exclusão permaneceram ferindo as pessoas que se veem marginalizadas ou excluídas no processo histórico, seja no passado ou nas relações com o presente. Neste sentido, gostaria que comentasse sobre a importância que essa mudança no currículo pode fomentar na formação da (auto) identificação na história, memória, cultura e ancestralidade no tocante a (afro)brasileiros?

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