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Andréa Giordanna

RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS, HISTÓRIA E EDUCAÇÃO: DESAFIOS E POTENCIAIS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E DE EDUCADORES SOCIAIS
Andréa Giordanna Araujo da Silva
Doutora em Educação/UFPE

Introdução
O trabalho apresenta a trajetória do Curso de Aperfeiçoamento em Educação para as Relações Etnico-Raciais (ERER), realizado no período de 2013-2014, na modalidade à distância, pelo Centro de Educação da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), mediante o convênio com a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão, a Coordenadoria Institucional de Educação à Distância – CIED e a Pro-Reitoria de Extensão/UFAL.
A ação pedagógica teve como sujeitos partícipes professores e profissionais de diversas instituições sociais e educacionais do estado de Alagoas. O curso permitiu aos profissionais, graduados ou com formação de nível médio e/ou cursando graduação, participarem das atividades formativas que, usualmente, são reservadas exclusivamente aos professores licenciados. A ação de extensão possibilitou a uma parcela significativa de pessoas que atuam em movimentos sociais e que tem pouco acesso aos cursos formais, de longa duração, de significativa qualidade teórica e elaborados pela universidade, expressarem os conhecimentos produzidos e vividos nas práticas de resistência às várias formas de preconceito e discriminação racial existentes no Brasil. Foi possível aos protagonistas das instituições e movimentos sociais alagoanos presentarem as demandas formativas essenciais às escolas e aos movimentos sociais e que devem ser consideradas nas produções acadêmicas.
A ação de extensão e pesquisa, desenvolvida com professores e profissionais de instituições sociais, que têm a temática Relações Étnico-raciais como fundamento de trabalho e atuação política, objetivou analisar as questões históricas, políticas, econômicas e culturais constitutivas do cenário étnico-racial nacional e subsidiar os professores e os educadores sociais para discutir e criar novas práticas pedagógicas nas instituições educacionais e culturais de Alagoas.
Para o desenvolvimento desta reflexão, selecionamos como documentos de análise: os questionários, inicial e final, respondidos pelos cursistas, nos anos de 2013 e 2014, respectivamente, os depoimentos coletados durante o desenvolvimento dos encontros presenciais, com uso de diário de campo, as produções escritas e discussões postadas pelos cursistas no AVA e os relatórios de tutoria.

ERER: passos de uma luta histórica, necessária e permanente

A experiência de extensão e pesquisa foi realiza com a participação de 52 profissionais atuantes em escolas e instituições sociais e culturais do Estado de Alagoas. A ação formativa teve como objetivo central qualificar os professores e os educadores sociais  para atender às Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (2004) e foi desenvolvida com o auxílio de duas ferramentas pedagógicas: 11 encontros presenciais e a participação nas discussões do Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA). Os instrumentos pedagógicos serviram para a identificação dos interesses e das necessidades formativas dos cursistas e para a interpretação e a análise dos acontecimentos históricos, políticos, econômicos, sociais e culturais constitutivos da diversidade étnico-racial do Brasil. Esses recursos também foram utilizados como meios para identificar os principais problemas relacionados à questão étnico-racial apresentados pelos sujeitos de múltiplos lugares institucionais, pensar os conteúdos a serem desenvolvidos nas aulas e provocar discussões dialógicas entre os cursistas. Ainda, para verificar se as demandas formativas dos cursistas foram atendidas e/ou ampliadas ao longo do curso, aplicamos dois questionários, um no início e outro no final do curso, e realizamos o acompanhamento do trabalho dos quatro tutores por meio da elaboração e análise de relatórios bimestrais.

Por conseguinte, considerando a necessidade de uma abordagem mais aproximada do cenário étnico-racial alagoano, alguns professores foram convidados a produzir um conjunto de materiais didáticos, quatro cadernos temáticos (2013): “A ESTÉTICA CULTURAL AFROBRASILEIRA E SUA DIMENSÃO POLÍTICA, “CAPOEIRA! QUE JOGO É ESSE?, “TESSITURAS PARA A DANÇA AFRO”, “AS RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS ENTRE INTERPRETAÇÕES E SIGNIFICADOS”, para servir de subsidio teórico aos estudos e a interpretação das questões locais. O estudo teórico, em associação com os encontros presenciais, possibilitou vivências sociais singulares aos cursistas:
Ao entrar na cena como protagonista do movimento do ritmo Afro, sensações nunca antes sentidas foram manifestadas, pois os movimentos corporais viabilizam a desintoxicação das emoções diante das atribuições desenvolvidas pedagogicamente que requerem compromisso, responsabilidade e enfrentamento das idas e vindas territoriais, bem como da organização pedagógica propriamente dita do Curso de Aperfeiçoamento em Educação Para as Relações Etnicorraciais. Momentos de pura aprendizagem interação e conhecimento. (MELO, Relatório de Atividades Desenvolvidas e Aprendizagens, 2014, p. 9).
Diversas experiências e aprendizagens teórico-práticas foram desenvolvidas ao longo dos cinco módulos constitutivos do curso: 1) Conceitual EAD e Ferramenta Moodle, 2) História da África, 3) História e Cultura Afro-Brasileira, 4) Educação e Relações Étnico-Raciais e 5) Avaliação). Também a produção de um Blog pretendeu criar um vínculo permanente da universidade com as instituições escolares e culturais que desenvolvem práticas formativas relacionadas à temática do curso e colaboram para a preservação e difusão do patrimônio material e imaterial das culturas afrodescendentes e indígenas. Esses últimos são atores sociais que podem trazer novos e importantes questionamentos sobre a produção dos conhecimentos científicos e escolares, apresentando, portanto, novos e significativos objetos de pesquisa para cursos de pós-graduação (especialização, mestrado e doutorado) do Centro de Educação da UFAL. Por conseguinte, no AVA, por meio das discussões nos fóruns, foi possível captar as principais problemáticas de caráter étnico-racial que permeiam as relações humanas e institucionais no cenário alagoano. Nele, assim como no questionário final, os cursistas descreveram situações vividas e significados e sentidos produzidos como estratégias de resistência e de transformação das ações de preconceito e de discriminação. Infelizmente, devido à escassez de recursos financeiros, não nos foi possível atender algumas das demandas dos cursistas, como a proposta de experienciação de visita técnica em instituições e comunidades em que a questão do direito a etnia e a racialidade é objeto de luta cotidiana. Também a manutenção do Blog foi interrompida em 2015, quando foi decidido que a UFAL não ofereceria mais o curso na modalidade de ensino a distância e em nível de aperfeiçoamento.
Ao termino do ERER, os cursistas apresentaram relatos das ações desenvolvidas como resultado de suas aprendizagens: projetos escolares, práticas desenvolvidas em âmbito comunitário, resultados de pesquisa acadêmica e ou sócio-histórica e cultual. A multiplicidade de linguagens utilizadas para abordagem das temáticas “História da África” e “História e Cultura Afro-Brasileira”, nos espaços institucionais e socioculturais diversos: escolas públicas e privadas e comunidades periféricas, possibilitou perceber que as questões e os saberes já inventariados sobre a temática étnico-racial no Brasil, a exemplo da Capoeira, das danças e dos ritmos de matriz ou influenciados pelas culturas africanas e indígenas e da produção cinematográfica e literária, podem ser objeto de discussão em qualquer cenário sociocultural. O que falta são espaços institucionais ininterruptos de formação social e discussão política, pois a maioria dos exercícios de reflexão partilhada sobre a história e a diversidade étnico-racial no Brasil se materializa em cursos sazonais e de curta duração.
Desse modo, os encontros presenciais e virtuais caracterizaram-se como espaços democráticos e dialógicos, promotores da interlocução, da socialização e da produção de saberes entre pesquisadores-professores atuantes no ensino superior, professores-pesquisadores da Educação Básica, alunos de graduação e agentes dos movimentos sociais e de instituições culturais do cenário alagoano. No campo específico da formação sócio-política:
[...] o ERER trouxe, para a vida de todos aqueles que dele fez parte, a perspectiva de que é possível descontruir os estigmas introjetados na escola e na sociedade, por meio de uma árdua luta de cientização do direito a diferença. Esse aprendizado nos fez recuperar o sentido de nossas origens e retomar as possibilidades da autoafirmação étnica, se reconhecendo na luta do movimento negro e indígena do Brasil. (PEREIRA, RELATÓRIO DE TUTORIA, 2014, p. 11).

Referências Bibliográficas
BELO, Rafael Alexandre Belo.A estética cultural afrobrasileira e sua dimensão política. Livro 1. Maceió: MEC/SISUAB, 2013.
BRASIL. CNE. Parecer nº. 03 de 10 de março de 2004. Dispõe sobre as diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afrobrasileira e africana.  Ministério da Educação. Brasília, julho de 2004.
GOMES, Gustavo Manoel; MELO, Gian Carlo de. As religiões afro-brasileiras entre interpretações e significados. Livro 4. Maceió: MEC/SISUAB, 2013.
MACHADO , Tatiane Trindade. Relato de experiência tutora à distância. Maceió: ERER/UFAL, 2014.
MELO, Maria Aparecida Vieira de. Relatório de atividades desenvolvidas e aprendizagens: tutoria como ferramenta metodológica do curso de aperfeiçoamento em educação para as relações etnicorraciais. Maceió: ERER/UFAL, 2014.
OLIVEIRA, Nadir Nóbrega. Tessituras para a dança afro. Livro 3. Maceió: MEC/SISUAB, 2013.
PEREIRA, Jéssika Danielle dos Santos. Relatório de tutoria. Maceió: ERER/UFAL, 2014.
QUEIROZ. Sandra Bomfim de. Capoeira! que jogo é esse?. Livro 2. Maceió: MEC/SISUAB, 2013. 

7 comentários:

  1. Olá Andréa Giordanna.
    Conhecendo algumas destas formações no centro e no sudeste, e também tendo atuado como professor tutor.
    Dentre seu relato, me soou bem, o envolvimento partícipe dos movimentos sociais expoentes da cultura local. A bibliografia usada envolta a formação, também se ateve ao pensamento social negro, ou seja, para além das interpretações sobre o “outro”?
    E agora, com os contínuos ataques a jovem democracia brasileira, em especifico a legislação educacional, havemos de falar nas leis 10.639 e 11.645 no pretérito?
    Att, Igor Alencar

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    1. Andréa Giordanna Araujo da Silva4 de abril de 2017 às 14:30

      Boa Tarde Igor,
      A bibliografia foi produzida com e pelos sujeitos professores e tutores do curso, a partir das demandas dos cursistas, apresentadas nos primeiros encontros pedagógicos. Por isso, penso ser possível afirmar que ela diz respeito ao coletivo ERER, termo utilizado por nós, durante a realização do curso, como forma de nos denominados negros e indígenas em luta permanente.
      De fato, já não temos mais um conjunto de espaços governamentais que possibilitem, por meio do financiamento, a criação e a execução de programas e projetos relacionados à luta Política Étnico-Racial. Porém os dispositivos oficiais, por você citados, ainda são conquistas materiais com validade política e histórica, e temos que continuar na luta por sua efetivação nas escolas. Em tempos difíceis, a resistência torna-se um ato urgente e do presente.
      Cordialmente,
      Giordanna

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  2. Cara Andrea.
    Trabalho com a temática bem de perto pois sou formadora de professores de História (SEDUC/PE).

    Algumas queixas me chegam, principalmente no que tange à discussão da questão das religiões afro.

    Uma delas - bastante comum em Pernambuco, mas penso que em outras partes do Brasil ocorre o mesmo - diz respeito à dificuldade de se inserir alunos/as de religiões judaico-cristã em atividades no cotidiano escolar.

    Minha pergunta: Sendo a escola laica, ao promover a vivência de uma manifestação religiosa do camdomblé, por exemplo, como cultural, não estaria a instituição exaltando uma religião em detrimento de outras?

    Em continuidade: como trabalhar de forma respeitosa as demais religiões? Por que não apresentar algumas manifestações religiosas judaico-cristãs como culturais e não como manifestação fundamentalista?

    Tema polêmico, não é?

    Abraço forte!

    Sandra Cristina da Silva

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  3. Andréa Giordanna Araujo da Silva5 de abril de 2017 às 22:50

    Boa Noite Sandra,
    Esse é um tema difícil porque as políticas públicas educacionais não são cumpridas. A LDB (de 1996) afirma ser a matrícula no ensino religioso facultativo, mas a oferta deveria (deve) ser obrigatória nas escolas, e ainda deve haver consulta e diálogo com a comunidade escolar e sociedade para definir o que deverá ser objeto de formação. De todo modo, o problema é que não observamos as religiões em suas dimensões filosóficas e políticas e trajetórias históricas. Por isso, tudo é abordado como o exótico. Mesmo as apresentações nas escolas, não costumam ser religiosas, mas culturais “mais amplas”, mais próximo do brincante (Maracatu, Afoxé, Caboclo, Pastoril, Presépio, Reisado,....), pois as práticas religiosas costumam ser sagradas e privadas, o que presenciamos nas escolas é um tipo de “representação demonstrativa”. Isso acontece, possivelmente, porque não conhecemos a história das nossas religiões, ensinamos, habitualmente, com base no senso comum, na perspectiva de apresentar e valorizar o que foi dura e historicamente excluído: as tradições culturais de matrizes negra e indígena. O calendário escolar ainda tem uma percentual importante de elementos de origem judaico-cristãs: carnaval, pascoa, natal e São João, o problema é que não tratamos dos fundamentos históricos destas práticas culturais (de origem religiosa), as reconhecemos como datas comemorativas ou festivas, não como momentos de formação político-social, estética, ética e, mesmo, espiritual (no sentido filosófico do termo).
    Abraços,
    Giordanna.

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    1. Altieres Barboza da Silveira6 de abril de 2017 às 06:53

      Esse tem sido meu maior desafio: a falta no que diz respeito ao não cumprimento das políticas públicas educacionais. Desenvolvo um projeto na escola onde trabalho, mas com muita dificuldade... Criei um grupo no whatsapp e uma página no face com o objetivo de levar a discussão sobre a referida temática além da sala.
      Que dicas você daria? O que acha sobre a resistência que parte não só dos gestores, mas de muitos professores?

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  4. Altieres Barboza da Silveira6 de abril de 2017 às 06:55

    Quais autores, que abordam essa temática, você indica?

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  5. Olá, excelente iniciativa. Gostaria de saber como esses materiais produzidos foram divulgados e onde poderia encontrá-los.

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