Aline Cândida de Araújo
UPE
De acordo com Lúcia Helena Oliveira Silva, o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira é fruto das distintas reivindicações de grupos militantes, que a partir do ano de 2004, passaram a contar com as Diretrizes das Relações Étnico-Raciais e o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira, que segundo análises, é apontado como a primeira grande política pública no país a trabalhar as relações étnico-raciais no ambiente escolar.
Assim, é permitido ao professor a partir desse momento, apresentar novos conteúdos dentro da sala de aula, que até então não valorizavam determinados grupos sociais. Nesse sentido, o objetivo seria alcançar em todos os níveis de ensino uma problematização, que por consequência, despertasse o conhecimento acerca da realidade da diversidade cultural do nosso país.
Segundo Lúcia Helena Oliveira Silva, o Brasil é um país com uma grande diversidade étnico-racial, resultado da formação socioeconômica que o colonizou. Segundo ela, a divisão étnica coincidiu com as divisões sociais, estabelecendo binômios entre brancos e livres versus negros e escravos. Nesse sentido, conclui-se que as diferenças culturais, bem como as físicas, foram utilizadas como parâmetros de explicações para as dominações criadas ao longo dos séculos.
“Temos de estudar o continente africano não como um capítulo à parte, um gueto. A história da África está incorporada à história do mundo, porque ela foi parte e é parte da história do mundo. Que a história do negro no Brasil não seja isolada, como se o negro tivesse sido um marginal. O negro foi essencial na formação do Brasil”.
De acordo com Alberto Costa e Silva, os historiadores brasileiros sempre viam a história das relações Brasil-África como a África figurando-se apenas como fornecedora de mão de obra escrava para o Brasil; como se o africano que era trazido à força nascesse num navio negreiro. Era como se o negro surgisse no Brasil, como se fosse carente de história, e nenhum povo é carente de história. E a história da África é uma história extremamente rica e que teve grande importância na história do Brasil, da mesma maneira que a europeia.
A exemplo, podemos discutir a respeito das sociedades iorubás, que por sua vez, trata-se de vários povos que vivendo no que é hoje o sudoeste da Nigéria, falavam variantes do mesmo idioma, adoravam os mesmos deuses e tinham culturas semelhantes. Essas sociedades desenvolvem sua religião em lugares sagrados, reservados para o culto de determinado orixá. Xangô, por exemplo, é o orixá do trovão e o governador da justiça. Odudua é o criador da Terra, ancestral dos iorubás. É através do mito, na sociedade tradicional dos iorubás, que se alcança o passado e se explica a origem de tudo. É pelo mito que se interpreta o presente se prediz o futuro, nesta e na outra vida. Como os iorubás não conheciam a escrita, seu corpo mítico era transmitido oralmente.
Ao lecionarmos sobre a história da África, é importante destacar que não existiu império em iorubá. O que existiu foi a presença de aldeias-estados que pouco a pouco, transformavam-se em cidades-estados. A junção de diversos povoados numa unidade que se reconhecia como tal era, seria a crença em um antepassado comum. Assim sendo, existe toda uma narrativa acerca da criação das dinastias iorubá baseadas no mito de Odudua.
Mas qual a importância de se estudar a história da África além das perspectivas tradicionais, e abranger outras categorias, como o ensino sobre a cultura iorubá, por exemplo? Tal estudo possibilita o entendimento acerca de um grupo étnico-linguístico que irradiou sua cultura não apenas no território africano, pelo contrário, milhares de iorubás foram escravizados e desembarcaram no Brasil, possibilitando assim a disseminação de sua cultura e história no nosso país.
Como educadores, se nos propusermos a analisarmos a produção editorial voltada para o ensino de história africana, vamos perceber que ao longo dos tempos, o mercado tem se voltado para ampliar, ainda que de maneira significativa, sua produção referente a história africana. Vamos tomar como exemplo a obra em quadrinhos “Sundiata: O leão do Mali”. Essa é uma produção adaptada da história tradicional africana e que foi transmitida verbalmente ao longo das gerações desde o século XIII. Se passarmos a analisar a obra, podemos perceber que ela apresenta muitas das ideias que norteiam a fundação do Mali, região da África Ocidental.
Outro trabalho que merece destaque é a obra também em quadrinhos: “Aya de Youpougon”. Este trabalho aborda questões cotidianas de jovens que vivem na Costa do Marfim, na década de 70, e apresenta uma África destituída de clichês, onde possibilita ao leitor mergulhar em uma história africana diferente de tudo que já foi lido.
São obras como essas que possibilitam ao docente a inclusão de novas perspectivas para o ensino de história africana, possibilitando ao mesmo desenvolver novas orientações que privilegiam a valorização da história de uma sociedade que por vezes é ignorada. A ideia do ensino de história africana tem por suas bases promover o desenvolvimento de ações que gerem debates, e por consequência, promovam a inclusão. A escola por sua vez, vai desempenhar o papel de mediadora dos conflitos sociais, sendo ela, o espaço para a valorização de todos os grupos sociais. Nesse sentido, o ensino da história poderá contribuir com o desenvolvimento das múltiplas análises críticas acerca da diversidade.
Referências
ABOUNET Marguerite. OUBRERIE, Clément. Prefácio de Anna Gavalda. Tradução de Julia da Rosa Simões. Aya de Youpoung. Vol.1. L&PM Editoras, 2009.
EINSER, Will. Sundiata, o leão do Mali: uma lenda africana/ recontada por Will Einser; ilustrações do autor; tradução Antônio de Macedo Soares. – São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
HERNANDEZ, Leila Leite. A África na sala de aula. Visita à história contemporânea. São Paulo: Selo Negro, 2005.
RÜSEN, Jörn. História viva. Teoria da História III: Formas e funções do conhecimento histórico. Editora UnB.
SILVA, Alberto da Costa e. A enxada e a lança. A África antes dos portugueses. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996, 2 ed.
______‘Descendentes precisam saber que história da África é tão bonita quanto a da Grécia'. Rio de Janeiro. 20.11.15. BBC Brasil. Entrevista concedida a Fernanda da Escócia. Disponível em: http://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/11/descendentes-precisam-saber-que-historia-da-africa-e-tao-bonita-quanto-a-da-grecia.html?utm_source=facebook&utm_medium=share-bar-desktop&utm_campaign=share-bar.
SILVA, Lúcia Helena Oliveira. Por uma história e cultura afro-brasileira e africana. IN: CERRI, Luís Fernando. (Org.). Ensino de História e Educação. Olhares em convergência. Ponta Grossa: UEPG, 2007.
Olá, Aline Cândida de Araújo.
ResponderExcluirQuais as ferramentas necessárias para o professor ensinar a história da cultura africana na sala de aula, visando desenvolver nos seus alunos laços de respeitos e aceitação pelas diferenças existentes, acabando com qualquer forma de discriminação e preconceito que ocorra no espaço escolar?
LUCAS DE VASCONCELOS SOARES (UFOPA)
Bom dia, Lucas. Sou professora do ensino fundamental e médio, e em sua grande maioria encontro alguns obstáculos ao trabalhar com os assuntos relacionados ao ensino da história da África em sala de aula. De imediato é importantíssimo apresentar uma outra África para os alunos. É muito perceptível que a maioria mantém a visão limitada do negro apenas como uma “mercadoria” no cenário do Brasil. A história das relações de escravidão dentro da própria África, por exemplo, passam desapercebidas. A ideia é sempre apresentar para o alunado a cultura africana como elemento formador da história do nosso país.
ExcluirAtt. Aline Cândida de Araújo.
Obrigado, Aline!
ExcluirOlá Aline, você poderia explicar melhor como trabalhar “Aya de Youpougon”? São quadrinhos tão interessantes, pouco conhecidos, que valem a pena uma descrição de trabalho.
ResponderExcluirOlá professor José Maria, bom dia.
ExcluirConfesso que mantive o primeiro contato com os quadrinhos de “Aya de Youpougon”, na faculdade e me encantei. São quadrinhos que realmente valem a pena serem levados para as salas de aulas quando estivermos trabalhando a história africana, pois, além de ser um excelente recurso didático para crianças e adolescentes, esses quadrinhos apresentam uma outra África para além das visões tradicionais que encontramos sobre a mesma. Atualmente temos duas edições de Aya traduzidas para o português.
Att. Aline Cândida de Araújo.
Aline Cândida, boa tarde!
ResponderExcluirGostei do seu texto principalmente pela abordagem por você trazida da importância do ensino e da compreensão da História da África antes da infortunada presença europeia bem como da relevância pela compreensão das cosmovisões africanas aliadas a metodologias como a literatura. Gosto muito do quadrinho Aya de Youpougon e assim que tiver oportunidade usarei em sala de aula.
Minha pergunta é se você enquanto estudante de licenciatura em História já teve experiência docente com a temática. Se sim, quais foram as metodologias aplicadas e a reação dos educandos frente ao conteúdo.
Cordialmente,
Graziella Fernanda Santos Queiroz
Olá Graziella, bom dia.
ExcluirDurante a minha graduação realizei alguns projetos relacionados ao ensino da história africana. A ideia sempre foi buscar quebrar com conceitos pré-estabelecidos pelos alunos acerca da cultura africana. A maioria dos meus projetos sobre o ensino da história africana voltaram-se para a realização de palestras e posteriormente de oficinas sobre a temática abordada. Na prática, a princípio é buscado realizar uma sondagem prévia acerca do conhecimento do alunado sobre o tema, logo em seguida é buscado apresentar uma África para além daquela historiografia tradicional, onde por vezes, como foi citado no texto acima, o aluno não tem conhecimento da história africana antes do tráfico negreiro, por exemplo. Assim, o objetivo desses projetos é apresentar a história da África para além da escravidão.
Att. Aline Cândida.
Além das histórias citadas no texto, você tem alguma indicação de outras para que possa ser trabalhado, a história africana na Educação Infantil e no Ensino Fundamental 1? (Thaís Jung)
ResponderExcluirOlá Thais, boa tarde.
ExcluirEu poderia te indicar uma excelente animação que aborda essa questão discutida, e que sem dúvida pode ser utilizada no ensino infantil e no ensino fundamental 1 e 2.
A animação é Kiriku e a Feiticeira. Sob a direção e roteiro do Michel Ocelot, trata-se de um trabalho muito interessante retratando uma lenda africana. Vale a pena conferir.
Att. Aline Cândida.
Olá, Aline,
ResponderExcluirBoa tarde!
Parabenizo pelo texto, escrita leve e de fácil compreensão.
Tive a oportunidade de acompanhar uma professora do Ensino Fundamental em turmas do sexto, sétimo ano, na qual ela estava trabalhando a presença da cultura africana no Brasil. Durante esse período de acompanhamento pude perceber, por parte dos alunos, a repetição de vários estereótipos relacionados a cultura afro-brasileira.
Gostaria de saber se chegou a trabalhar em sala de aula cultura afro, se esses mesmos problemas foram encontrados e qual sugestões teórico-metodológicas você sugere para trabalhar o tema.
Atenciosamente,
Igor da Silva Nunes
Olá Igor, boa tarde.
ExcluirNo ensino fundamental 2 eu realizo um projeto sobre o ensino da cultura africana e realmente de início percebo por parte do alunado uma série de estereótipos sobre a cultura afro. É extremamente necessário o professor realizar abordagens perante os alunos que possibilitem aos mesmos a percepção da cultura africana como um elemento presente na formação da nossa própria cultura, apresentando assim, a história de uma sociedade que não se encontra distante da nossa.
Em sala de aula, quando me deparo com situações referentes a preconceitos em relação a cultura afro, a maioria deles se direcionam a religião. Deparo-me com situações onde o alunado desconhece por completo o significado da religião afro, mas já vem com uma bagagem de preconceitos, cabendo ao professor direcionar a sua visão para alcançar meios para se propagar a tolerância religiosa em sua sala de aula. Dentre algumas alternativas uma delas é o profissional buscar as melhores alternativas para a desmistificação de uma série de conceitos (estes que em sua maioria são pré-concebidos pelos alunos).
Att. Aline Cândida.
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ResponderExcluirOlá Aline! Muito interessante teu texto e aforma como faz a abordagem do assunto. Acredito que trazer para a sala de aula outros aspectos da cultura africana e aproximar os alunos desta, rompendo com o senso comum é ainda um grande desafio, mas ao mesmo tempo muito estimulante para os professores. Sendo assim, por qual característica cultural seria interessante iniciar esse processo com os alunos? E de que maneira você sugere aborda-la? Desde já grata pela atenção, Helem da Rocha Leal
ResponderExcluirOlá Helem Rocha, boa tarde.
ExcluirUm dos pontos que eu trabalho em sala de aula é referente a história da religião africana. Apresento de maneira objetiva o significado da religião para os povos africanos, bem como as contribuições desta na formação da nossa própria cultura. É interessante começar com o alunado fazendo uma sondagem prévia sobre o assunto e em seguida ir desmistificando alguns conceitos pré-estabelecidos, buscando realizar planejamentos e soluções para os casos de intolerância religiosa que infelizmente, ainda são enormes em nosso país. Desta maneira é possível obter resultados positivos no fim da realização desse trabalho.
Att. Aline Cândida.
Olá, gostaria de saber se você poderia indicar bons livros de referência sobre a história da cultura africana? Grato desde já. Lucas Mota
ResponderExcluirOlá, Lucas, boa tarde.
ExcluirTe índico o livro “A enxada e a Lança” do autor Alberto da Costa e Silva. Também sugiro o trabalho da Selma Pantoja “Nzinga Mbandi: Mulher, guerra e escravidão”. Além desses, faço sugestão ao trabalho realizado pela Unesco “História Geral da África”, que está organizado em oito volumes.
Att. Aline Cândida.
Boa Noite, Aline!
ResponderExcluirMuito interessante o seu tema e vai de encontro com uma pesquisa que fiz em minha graduação onde busquei justamente novas "fontes" para trabalhar África em sala de aula de uma maneira em que o continente falasse sem ser interrompido pelo discurso europeu.
Busquei referências a África em enredos de escola de samba e com ensino fundamental busquei trabalhar com contos, como os que estão em um livro de autoria do Mandela.
Uma das autoras que conheci e trabalho sempre é a nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie que debate justamente o pluralismo de idéias e óticas que se pode ter ao trabalhar a África.
Gostaria de saber se durante esse período em que você dedicou-se ao estudo de África você assim como eu reparou que muitos historiadores ainda preferem não sei se por comodidade ou por desinteresse manter as "antigas" formas de se trabalhar a África? Em minha escola tenho bastante problemas em conseguir inserir a África não como um gueto mas como parte da História geral, assim como dito em seu texto.
André A. Lucena
Olá André, boa tarde.
ExcluirÉ perceptível a existência de métodos distintos de trabalho, onde a visão sobre a história africana ainda limita-se a realização de abordagens voltadas unicamente ao período das escravidão africana. Eu insisto muito na ideia de que é necessário ir além desses assuntos, a história da África é riquíssima, e porque muitos se limitam ao falar dela?
Att. Aline Cândida.
Olá Aline,
ResponderExcluirEm relação a história da África você apresenta como sugestões de leitura algumas obras de história em Quadrinhos. Também acrescento as suas sugestões o estudo da mitologia africana, da mesma forma que se estuda a mitologia grega. Como você vê essa possibilidade de ensino?
Att,
Valdenira Silva de Melo.
Aline, como seria a metodologia de trabalho com esse material em sala de aula? Já que você mencionou dois quadrinhos como bibliografia indicada.
ResponderExcluirAline, Boa tarde
ResponderExcluirGostei muito do seu texto, uma leitura fácil de ser compreendida, principalmente pelo fato que você aborda a importância do ensino e da compreensão da História da África antes da presença europeia, porem minha pergunta é se você teria uma outra historia para ser trabalhada em sala de aula baseado no mesmo tema, para a Educação Infantil ? Se não de qual forma seria a metodologia de trabalho com o material que você utilizou?
Lais Mazo Antoniassi
Boa tarde, Profa Aline.
ResponderExcluirParabéns pelo texto. Trabalho com História da África e da Cultura afrobrasileira desde 2003 e tenho algumas impressões sobre a questão. Em minha opinião, faltaria ao trabalho com História da África e História da Cultura afrobrasiliera , na educação básica, uma abordagem mais Histórica. Entendo que o foco, via de regra, é muito mais culturalista, quase antropológico, e questões como as relações sociais, políticas, saberes e tecnologias, gênero, ficam bastante esquecidas. Gostaria de ler o que você pensa sobre isso, e se em suas pesquisas localizou algum material de educação básica que contemplasse questões que fossem além das práticas culturais. Desde já agradeço. Um abraço.
É interessante a forma como o texto é abordado. Ao falarmos de África percebemos o quanto as informações são estereotipadas, as pessoas classificam como um país pobre, onde há muitas misérias, fome e doenças.Por essa questão é interessante que o professor tenha a preocupação de trabalhar a Historia da África mostrando as contribuições que esse país trouxe para a nossa cultura. (Gilvoneide de Almeida Souza)
ResponderExcluirOi Aline, excelente trabalho precisamos cada vez mais ações como essa neste âmbito, gostaria de saber quais as resistências que você identificou ao construir o trabalho?
ResponderExcluirMaxuel Soares de Oliveira