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Alexandre Assis

O MOVIMENTO SERTANEJO DO CONTESTADO: DESCOMPASSO ENTRE A PRODUÇÃO HISTORIOGRÁFICA E O ENSINO ESCOLAR
Alexandre Assis Tomporoski
UNC

Introdução
O Movimento Sertanejo do Contestado, outrora deflagrado na região do Planalto Norte Catarinense e Sul do Paraná, entre os anos de 1912 e 1916, consistiu num complexo e multifacetado movimento social, no qual a população local – representada pelos caboclos – enfrentou metade do contingente de soldados do Exército brasileiro, além de milhares de capangas armados pelos coronéis da região, em uma luta fratricida que ceifou dezenas de milhares de vidas. No âmago deste movimento, encontrava-se a luta dos caboclos pelo direito de autogerirem suas vidas e manterem suas relações sociais, econômicas e culturais, com a predominância de um forte traço religioso, dentro de parâmetros que consideravam justos.
Concomitantemente ao massacre físico desencadeado contra a população local, instaurou-se um estigma àquela população, ao território e à própria história do movimento, tendo sido seus protagonistas alcunhados de "fanáticos" e "jagunços" e, durante muitas décadas, considerados pessoas cuja suposta ignorância fora responsável pela guerra e, de certa maneira, pelo atraso no desenvolvimento daquela região. Apesar de profícua produção que aborda o movimento – cabe lembrar que as primeiras interpretações foram publicadas pelos militares que combateram no Contestado – durante décadas sua história foi relegada a segundo plano ou interpretada como uma odisseia de matutos no interior do Brasil. A partir do início dos anos 2000, a retomada de esforços na análise e interpretação do movimento do Contestado, geraram avanços e novas perspectivas sobre a história daquele conflito social. A sofisticação da instrumentalização teórico-metodológica, aliada a um período de expansão dos programas de pós-graduação no Brasil, propiciou o desenvolvimento de novas pesquisas sobre a temática, as quais, por sua vez, contribuíram para a superação de antigos mitos historiográficos e preconceitos relacionados. Embora a constatação de que houve significativos avanços na produção acadêmica sobre o Contestado, percebe-se que o acesso às informações e ao conhecimento produzido, seja pela sociedade em geral, seja pelo público escolar, permanece bastante restrito, persistindo muitos dos vieses interpretativos já superados pela historiografia, ainda considerando os rebeldes como sertanejos ignorantes e miseráveis, os quais, imbuídos de um exacerbado fanatismo religioso, teriam cometido atrocidades inomináveis.
A partir da identificação deste problema, qual seja, a defasagem entre a produção acadêmica e o ensino do Contestado, o presente texto aborda algumas questões pertinentes a esta problemática, apresentando possíveis alternativas para suplantar esta ausência de sintonia entre os conhecimentos acerca da história e do território do Contestado, provenientes de pesquisas recentemente produzidas, e o conteúdo desatualizado ensinado aos alunos das redes escolares - tanto públicas quanto privadas - visando suprimir mitos e preconceitos, infelizmente ainda presentes na memória.

O movimento sertanejo do contestado
É plausível afirmar que diferentes fatores motivaram a adesão dos revoltosos às trincheiras rebeldes do movimento sertanejo do Contestado:
Para os habitantes de Taquaruçu e Perdizes, locais de origem do movimento, a rebelião foi o caminho trilhado após a violência que os coronéis e o governo, em sua totalidade, haviam praticado contra o monge José Maria.Para os sitiantes e posseiros dos vales do Timbó, Tamanduá e Paciência, era um meio de combater a presença cada vez mais agressiva dos coronéis Fabrício Vieira e Arthur de Paula e Souza, que desejavam estender suas propriedades e sua influência política sobre aquelas regiões.  Para as oposições políticas formais aos chefes municipais de Curitibanos e Canoinhas, significava uma oportunidade ímpar de minar o poder do coronel Albuquerque e do Major Vieira. Para os antigos maragatos de todo o planalto, a “guerra santa” significava a volta à ativa e uma chance de desforra contra os pica-paus (MACHADO, 2004, p. 259).
Portanto, é admissível considerar uma conjunção de fatores no período que antecedeu o início do conflito, e que a abrangência de tais elementos era razoavelmente delimitada. Ou seja, fatores que foram determinantes para a adesão dos sertanejos em determinada região não se manifestavam em outros locais.
A presença de antigos federalistas, em todo aquele território, decorria da necessidade de muitos ex-combatentes maragatos se refugiarem naquela área após o término da Guerra Federalista (1893-1895). Estes indivíduos desempenhariam papel decisivo no conflito, ao assumirem funções militares de comando nos redutos.
O despotismo dos chefes políticos municipais, em especial na região norte do planalto catarinense, gerava reações incisivas nos grupos de oposição. O início das hostilidades entre as forças legais e os caboclos, resultou em estímulo para alguns indivíduos aderirem às trincheiras rebeldes, para o fim de combater tais déspotas.
Os coronéis, que atuavam de forma contundente na expansão fundiária e exerciam influência política, também passaram a enfrentar resistência, e o início dos embates incitou muitos indivíduos a aderirem ao movimento – inclusive famílias inteiras – que haviam sido vítimas de agressões perpetradas pelos coronéis da região.
A reação de uma parcela da população do planalto as injustiças praticadas contra José Maria, um curandeiro que fora elevado ao grau de mártir após sua morte em combate no Irani, à frente dos caboclos, também apresentava um significado intrínseco. Anteriormente, em torno de José Maria, haviam se reunido estratos da população do planalto catarinense, especialmente posseiros e sitiantes, que foram alvo de um processo de açambarcamento de suas terras, levado a efeito por coronéis daquele território, em decorrência da crescente valorização das terras.
Este processo foi intensificado pela inserção do capital estrangeiro naquela região, representado pela construção do leito ferroviário da Companhia Estrada de Ferro São Paulo - Rio Grande e pela instalação e atuação de sua subsidiária, a madeireira e colonizadora norte-americana Southern Brazil Lumber and Colonization Company, no vila de Três Barras, em 1911, quando aquele município ainda se encontrava sob domínio do estado do Paraná, apesar da contestação dos catarinenses. A atuação das duas empresas desalojou milhares de sertanejos, gerou impactos irreversíveis ao meio ambiente e dilacerou as práticas econômicas tradicionais e o modo de vida da população local.
Este cenário multifacetado, imerso em profunda tensão social, agravou-se. Após resistirem a repetidos ataques desfechados pelas forças legais, os rebeldes organizam, a partir de meados de 1914, uma ampla ofensiva no planalto catarinense. Os alvos de seus ataques desvelam o sentido do movimento: estações ferroviárias e instalações da Lumber Company; propriedades dos coronéis da região e prédios públicos. A racionalidade do movimento embasava-se na noção de que as autoridades constituídas (os governantes), o capital estrangeiro e a classe dominante (os coronéis), representavam os agentes que destruíram seu modo de vida, massacraram seus "irmãos" e cometeram injustiças.
A partir de fins de 1914 e durante o ano de 1915, o movimento enfrenta o cerco implementado pelo General Setembrino de Carvalho, o qual dispunha de aproximadamente 6 mil homens do exército brasileiro, e de outros mil vaqueanos, capangas dos coronéis da região, contratados para trabalhar na repressão. A desagregação do movimento se completou com a prisão do último líder rebelde, Adeodato, em julho de 1916.
No decorrer das décadas subsequentes, o trauma associado ao conflito social e ao genocídio praticado contra os caboclos, impôs, à população que reside no território Contestado, sentimentos impregnados de vergonha, cominando no silenciamento. Este fato se evidencia no amplo desconhecimento - não apenas em âmbito nacional, mas, também, no próprio território que fora palco do movimento - acerca das novas pesquisas que se produziram sobre o Contestado, que estão desconstruindo estigmas e mitos.
Além do trauma que deixou marcas indeléveis naquela população, uma estratégia de omissão em relação à memória do movimento, implementada pelos poderes públicos, resultou no silenciamento do Contestado. É razoável considerar, dentre as razões para esse silenciamento, a atribuição, as oligarquias políticas, de uma parcela de responsabilidade sobre a deflagração do conflito, caso do então governador, Coronel Vidal Ramos. Por outro lado, o Contestado caracterizou-se como movimento não-branco (apesar da presença de imigrantes e descendentes nas fileiras rebeldes), levado a cabo por uma população indesejada, residente em um estado no qual a narrativa da epopeia imigrante tornou-se fundamental, inclusive para justificar políticas públicas que ao longo do tempo privilegiaram regiões de ocupação imigrante – especialmente alemães e italianos – em detrimento de outras regiões habitadas por não-brancos, que não receberam os mesmos recursos econômicos e benefícios estruturais.
Hodiernamente, a maioria dos municípios que integram o território do Contestado enfrenta um processo de expansão fundiária, outrora já vivenciado, que promove a concentração da propriedade da terra, sob controle de grandes proprietários rurais e de empresas multinacionais. Em decorrência deste processo, ocorre a perpetuação do modelo econômico baseado primordialmente no extrativismo, que gera enorme passivo ambiental, particularmente devido a silvicultura, além de manter uma estrutura social desigual e injusta, fato que na atualidade se manifesta através dos baixos índices de desenvolvimento humano, identificados no território do Contestado.
Constata-se que o processo de silenciamento da história do Contestado desenvolveu-se com tal amplitude que impediu, inclusive, que o tema fosse tratado de forma adequada pelas escolas de ensino básico de todo o Brasil e, em especial, pelas escolas situadas na região palco do conflito.

O ensino escolar do movimento do contestado
Em decorrência do processo de silenciamento imposto ao Contestado, o ensino deste tema nas redes escolares foi profundamente prejudicado. Nas ocasiões que integra o currículo escolar, o movimento do Contestado aparece de forma marginal, normalmente inserido no contexto das "Revoltas da Primeira República". De posse de um espaço reduzido, o tema costuma estar espremido em um parágrafo, evidenciado por uma foto do monge João Maria e ou um mapa da ferrovia.
Contudo, o tema Contestado não é apenas subanalisado, mas também vitimado pela reprodução de antigos preconceitos e mitos historiográficos, cuja interpretação imputa aos caboclos a pecha de ignorantes, pessoas que não compreendiam a importância do progresso representado pela ferrovia. Em algumas ocasiões, os textos tratam os caboclos como vítimas do descaso do Estado. Em outros casos, a explicação se fundamenta no "fanatismo" religioso, que teria levado os pobres ignorantes a adotarem uma postura agressiva e irracional.
Portanto, com raras exceções, a narrativa sobre o Contestado, descrita nos livros didáticos, costuma variar entre a ignorância e a irracionalidade do caboclo. Ele raramente emerge como agente do processo e condutor de sua própria vida.
Em pesquisa realizada com a participação de docentes da rede pública de ensino, da região da AMPLANORTE, foram coletados dados que após analisados se mostraram reveladores, em relação ao ensino escolar do Contestado. A Associação dos Municípios do Planalto Norte Catarinense é formada pelos municípios de Bela Vista do Toldo, Canoinhas, Irineópolis, Itaiópolis, MafraMajor Vieira, Monte Castelo, Papanduva, Porto União e Três Barras. Todos esses municípios situam-se no território que foi palco do conflito armado entre os anos de 1912 e 1916.
Inicialmente, verificou-se que a maioria dos participantes era constituída por professores(as) formados(as) no curso de Pedagogia. De fato, nessa amostra, cerca de 53% dos consultados eram formados em Pedagogia. Do grupo pesquisado, aproximadamente 70% dos docentes consultados lecionavam para Séries Iniciais e o Ensino Fundamental.
No que tange à disseminação de histórias sobre a guerra do Contestado, em torno de 79% dos participantes declarou ter ouvido, na infância, menções a histórias sobre o movimento, evidenciando o quão incutido na cultura popular encontra-se este episódio da história brasileira. Constata-se que desde muito jovens estes profissionais tiveram contato informal com a temática, principalmente por meio da memória familiar.
Embora o ano de 2016 tenha demarcado o centenário de encerramento da guerra do Contestado, surpreendentemente, a cada 04 (quatro) participantes da pesquisa, pelo menos 01(um) respondeu que teve algum parente ou conhecido envolvido na guerra. Estes dados permitem vislumbrar a dimensão de importância do Contestado para aquela população, bem como sua relação intrínseca com a história do conflito.
Verificou-se, também, que apenas metade dos participantes estudou o tema "guerra do Contestado" na escola; ao considerar o estudo deste tema na universidade, este percentual eleva-se para 53%. Este último percentual justifica-se pelo acentuado índice de formados em Pedagogia que compunha a amostra pesquisada. Além disso, uma fração significativa do grupo realizou estudos de graduação na Universidade do Contestado, instituição de ensino superior que durante muitos anos manteve a disciplina de História do Contestado na grade curricular de todos os cursos de graduação.
Acerca da bibliografia sobre a guerra do Contestado, 74% dos participantes declararam conhecer algum livro sobre esta temática. Não obstante a extensa e qualificada produção sobre o tema, fatores tais como a longa e extenuante jornada de trabalho em sala de aula, a escassez de recursos para aquisição de livros e o uso indiscriminado de uma linguagem estritamente acadêmica, tendem a afastar os professores do acesso às boas obras que discorrem sobre o Contestado. Em contrapartida, algumas das obras mais acessadas pelos docentes, em sua maioria adquiridas pelos poderes públicos estadual e municipal, apresentam uma versão há muito superada dos eventos sucedidos no período de 1912-1916, inclusive, repetindo e dando amplitude a preconceitos e mitos historiográficos, ainda tratando os rebeldes como "fanáticos".
Dos docentes consultados, cerca de 90% afirmaram que esta temática integra o conteúdo curricular aplicado no município, e, praticamente a metade (49%) dos componentes do grupo, declarou que aborda o tema Contestado em suas aulas. A discrepância entre o percentual que declarou constar no currículo a temática e o percentual que afirmou ensinar a temática, justifica-se pelo fato de uma parcela dos docentes consultados não ministrar disciplinas das quais o tema componha o currículo, como Educação Física, por exemplo.
Constata-se que algo em torno de metade dos professores consultados abordam o tema Contestado em suas aulas. Por um lado, tal fato é motivo de regozijo, pois consiste em temática precípua para a compreensão do processo histórico que caracteriza todo o território, além de representar um episódio importante da história brasileira. Porém, em contrapartida, cabe verificar os métodos de abordagem do tema que vêm sendo utilizados pelos docentes, além da coerência das estratégias de ensino implementadas em sala de aula.
Entre os docentes consultados, destacaram-se numericamente aqueles que responderam empregando o termo "aula". Subentende-se que utilizam a metodologia de aula expositivo-dialogada, com uso de materiais de apoio, os quais não foram especificados. Porém, outras atividades também se destacaram, como, por exemplo, visitas a museus ou locais históricos. Também foram referenciadas atividades como teatro, poesias, confecção de maquetes, desenhos, danças típicas e ervas medicinais.
Os dados coletados permitiram vislumbrar o perfil do docente e a consistência do processo de ensino-aprendizagem relacionado à temática do Contestado, nas escolas da região. Há, ainda, dois aspectos cruciais a serem analisados, quais sejam, de que modo os docentes compreendem o movimento do Contestado e quais as principais dificuldades que enfrentam para abordar o tema em sala de aula.
Em relação ao primeiro aspecto, em sua maioria, identificam o Contestado com a Questão de Limites entre Paraná e Santa Catarina ou, genericamente, ao "messianismo". Neste quesito, visualiza-se uma profunda disparidade entre os resultados de estudos e pesquisas em contraposição à concepção corrente sobre a temática. Averiguou-se, ainda, que mais de 85% dos participantes identificou, na atualidade, a existência de permanências relacionadas àquele conflito e que ainda hoje marcam a região, em especial, a presença do extrativismo como principal fonte de atividade econômica.
No que tange as principais dificuldades enfrentadas pelos docentes, 47% dos participantes declarou consistir na ausência de material didático adequado. Neste contexto, 29% dos participantes declarou não ter tido acesso a quaisquer materiais didáticos - sobre a temática Contestado - distribuídos pelos poderes públicos. Dos respondentes, 26% declarou inexistir livros sobre o assunto na biblioteca da escola, e mais de um terço afirmou não ter acesso a material audiovisual sobre o Contestado. Os participantes que expressaram comentários ou opiniões, majoritariamente, expuseram sua preocupação quanto a necessidade de material didático adequado para preparação de suas aulas.
Os resultados obtidos evidenciaram que expressiva parcela dos entrevistados ignorava estudos sobre o Contestado, e, dentre aqueles que empreendiam esforços para ampliar seus conhecimentos, visando abordar a questão em suas aulas, sobrevinham dificuldades para acessar obras acadêmicas e material didático qualificado.

Possibilidades para o ensino escolar do contestado
Os pesquisadores e pesquisadoras que vêm se dedicando ao estudo do Contestado contribuíram, nas últimas décadas, para uma profícua e qualificada produção acadêmica. Contudo, também perceberam que este conhecimento permanece restrito ao meio acadêmico, distante do acesso por estudantes e da sociedade em geral. Por isso, constata-se a necessidade de se realizar uma "tradução", ou seja, elaborar uma narrativa alternativa deste conhecimento, efetivamente acessível aos demais estratos sociais.
Dentre os pesquisadores que se dedicam a esta questão, encontra-se o professor Paulo Pinheiro Machado, que em um trabalho intitulado "Treze questões para refletir sobre o ensino escolar do movimento do Contestado", apresentado no III Simpósio Nacional do Centenário do Contestado, realizado na UNESPAR, em União da Vitória, em novembro de 2015, sintetizou as preocupações dos pesquisadores do Contestado sobre a necessidade de pensar estratégias de ensino para a temática.
A análise de Machado considera o pressuposto de um descompasso entre a produção escolar e o conhecimento historiográfico sobre o tema. Objetivando superar este problema, uma alternativa de solução consiste na avaliação daquelas práticas e experiências já implementadas, desenvolvidas por professores da região ao longo das últimas décadas.
Entre os assuntos abordados por Machado, merece destaque, em primeiro lugar, a importância de um trabalho de nacionalização do tema, que compõe um cenário mais amplo, relacionado ao projeto modernizador da República, que almejava eliminar os não-brancos. Em contrapartida, o ensino do tema precisa abordar a longa trajetória que conecta o Contestado a uma tradição de luta camponesa - em especial, aquela associada a tradição religiosa de São João Maria - que remonta ao século XIX e se mantém na atualidade, representado pelos movimentos sociais que militam pela Reforma Agrária.
Outrossim, cabe destacar que o Contestado também apresenta características comuns a outros movimentos latino-americanos, em particular a luta pela terra, a luta antioligárquica, a resistência a atuação de empresas multinacionais e o deslocamento compulsório de populações. Portanto, é razoável considerar, inclusive, uma abordagem mais ampla sobre o evento, articulando sua análise em nível internacional.
Ademais, urge desconstruir mitos historiográficos como, por exemplo, a epopeia imigrante ou a preponderância do messianismo, este, muitas vezes, ainda denominado "fanatismo" religioso. Em relação aos imigrantes, oriundos de diferentes nações, em sua maioria provinham das camadas mais pobres de suas sociedades, e, na ausência da aprendizagem obtida através do convívio com caboclos e indígenas, aliada a falta de recursos adequados, não teriam suportado as severas condições de vida existentes no território sob análise.
Outro aspecto relevante, concernente ao ensino do Contestado, consiste na necessidade de desvelar o que de fato representou o movimento: a tentativa de construção, por parte dos rebeldes, de um novo projeto de sociedade, marcadamente caracterizada por valores comunitários e anticapitalistas.
Por fim, em uma região deprimida econômica e socialmente, onde o trauma da guerra ainda persiste no cotidiano, a história do Contestado pode proporcionar à população local o reconhecimento de uma identificação positiva com seu próprio passado, elemento basilar para construção da cidadania.
Certamente, o estabelecimento de novos paradigmas na formação dos docentes, representa condição sine qua non para a mudança almejada por pesquisadores e especialistas. Porém, em convergência aos dados coletados acerca do perfil dos docentes da região e sua prática de ensino do Contestado, pode-se afirmar que o próximo - e mais importante passo - consiste na elaboração e distribuição massiva de material didático e material de apoio aos docentes, apresentando os resultados inovadores suscitados pelas pesquisas recentes que abordam o tema Contestado.
Considerações finais
A partir do início dos anos 2000, observou-se um revigoramento nas pesquisas científicas que abordam a temática Contestado, e, nos últimos anos, vem ocorrendo a consolidação dessa área de pesquisa, principalmente em decorrência das sessões do Simpósio Nacional sobre o Centenário do Movimento do Contestado, evento que vem reunindo pesquisadores de diferentes universidades e de distintas áreas do conhecimento. Os estudos sobre o Contestado, além de abundantes – realizados a partir de uma instrumentalização teórica ampla e sofisticada, que considera intensa busca e utilização de fontes inéditas – estabeleceram novas abordagens e interpretações acerca daquele movimento social, as quais vêm suplantando preconceitos e estereótipos que, a título de exemplo, definiam os rebeldes revoltosos como "fanáticos" ou "jagunços".
Embora os resultados advindos de recentes pesquisas permitirem estabelecer novos paradigmas, em oposição aos mitos e preconceitos que a longa data predominam e influenciam a construção de uma percepção negativa sobre o Contestado, tais resultados não são acessíveis à população em geral, inviabilizando o advento de novas perspectivas, que poderiam contribuir para o reconhecimento de uma identidade positiva em relação aos rebeldes e ao movimento sertanejo do Contestado.
Portanto, conclui-se que há a necessidade premente de se produzir e distribuir material didático que considere os novos paradigmas sobre a temática, além de elaborar e implementar estratégias que permitam aproximar os universos acadêmico e escolar, com o propósito de disseminar o conhecimento científico produzido sobre o tema Contestado – amiúde circunscrito aos especialistas – a sociedade em geral.

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16 comentários:

  1. Olá professor,

    O livro didático é um instrumento que tem os seus próprios limites. Somado a isso, em especial no ensino médio, o espaço textual destinado à temática do Contestado é ainda menor. Como professores-historiadores, dentro de nossas possibilidades, fazemos a leitura de algumas das produções desenvolvidas pela academia, no entanto, boa parte do material audiovisual produzido acaba restrito às universidades. Conheço alguns documentários e filmes produzidos, mas eles não se apresentam acessíveis. Entendo que a aproximação entre o que é produzido nas universidades e o que é lecionado nas escolas de ensino fundamental e médio ocorrerá de forma mais efetiva, quando esses materiais forem amplamente disponibilizados e, talvez em parceria com as secretarias municipais e estaduais de educação, com o desenvolvimento de mini-cursos destinados especificamente a esse público - principalmente substituindo os cursos superficiais e muitas vezes pouco úteis que ocorrem no início do ano escolar, pelo menos como vem acontecendo há muito tempo no Estado de Santa Catarina. É um caminho? Quais os entraves?

    Maicon Roberto Poli de Aguiar.

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    1. Prezado Maicon!
      Agradeço pela tua importante intervenção.
      Tens razão em relação aos limites do livro didático e problematizar sua produção e seu uso em sala é de fundamental importância. Penso que no caso dos estudos sobre o Contestado, mesmo com as limitações e problemas, o livro didático ainda é a ferramenta mais efetiva para um amplo acesso ao tema. Por outro lado, a produção de materiais de apoio e a elaboração de estratégias paralelas destinadas aos professores também são ações importantes.
      O espaço curricular destinado ao Contestado ainda não é representativo porque ele continua sendo subvalorizado e mal interpretado, tomado como um evento regional quando, ao contrário, possui elementos em comum com outros movimentos sociais em nível nacional e mesmo latino-americano. A nacionalização do tema também é um caminho para a ampliação do acesso do universo escolar a uma interpretação mais ampla do movimento.
      A produção de material audiovisual sobre o Contestado cresceu muito em quantidade e em qualidade. O documentário "Terra Cabocla", da cineasta Márcia Paraíso é um documento de grande valor para a compreensão o movimento, bem como para ser usado como material de apoio em sala de aula. Porém, apesar dos esforços da cineasta em divulgar o trabalho, realmente, o acesso a este e outros materiais não ocorre de forma ampla.
      Aqui na região de Canoinhas, no início do ano letivo de 2016, ministramos um curso de capacitação em história do Contestado para docentes da rede pública municipal de ensino dos municípios da Amplanorte. O objetivo era construir uma ponte com os docentes para situá-los sobre as interpretações mais recentes sobre o Contestado. Alguns dados empregados no meu texto foram coletados naquela ocasião. Mas ainda são iniciativas fragmentadas.
      Resumindo, identifico diversas ações que buscam sanar os problemas que afetam o ensino escolar do Contestado, mas, muitas vezes, são desenvolvidas de forma isolada e sem o apoio institucional adequado. O passo seguinte é a conscientização e a atuação dos poderes públicos (especialmente em nível estadual e municipal) para que fomentem ações de divulgação do tema, produção de material adequado e capacitação dos docentes sobre a temática. A luta agora precisar ser por esse objetivo.
      Um abraço,
      Alexandre.

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    2. Prezado professor: muito boa e profunda sua abordagem sobre o conflito do Constestado. Atualmente pesquiso em conjunto com a Prof. Dra. Alcimara Foetsch (UNESPAR) as passagens do monge João Maria por São Mateus do Sul (veja nosso trabalho na mesa "Aprendizagens Históricas" deste simpósio). Pergunto-lhe: Na sua opinião a presença dos monges na região do Contestado foi determinante para a deflagração do conflito ou foi apenas mais um fator que somou aos fatores sócio-econômicos presentes na região?

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    3. Prezado professor: muito boa e profunda sua abordagem sobre o conflito do Constestado. Atualmente pesquiso em conjunto com a Prof. Dra. Alcimara Foetsch (UNESPAR) as passagens do monge João Maria por São Mateus do Sul (veja nosso trabalho na mesa "Aprendizagens Históricas" deste simpósio). Pergunto-lhe: Na sua opinião a presença dos monges na região do Contestado foi determinante para a deflagração do conflito ou foi apenas mais um fator que somou aos fatores sócio-econômicos presentes na região?
      Prof. Mário Sérgio Deina
      Mestrando em História e Regiões (UNICENTRO)

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    4. Prezado Professor Mário!
      Agradecido por sua contribuição.
      Muito bom saber que as pesquisas sobre a trajetória dos monges continuam em desenvolvimento.
      Penso que a tradição de São João Maria foi de fundamental importância para a organização da população cabocla. Os ensinamentos decorrentes dessa tradição (que foram dispersados inicialmente pelas 'andanças' dos monges e depois pela memória coletiva) fomentaram a elaboração de uma racionalidade muito própria. As pregações dos monges (salvaguardadas as diferenças entre os indivíduos que ocuparam esta função) compuseram um discurso humanitário, ambiental e anticapitalista. Mas, a deflagração do movimento do Contestado não foi decorrente da atuação dessas figuras, e sim do papel das elites e do Estado republicano que violentaram seu modo de vida.
      Além disso, cabe destacar que houve outros movimentos sociais organizados e desencadeados a partir dos ensinamentos dos monges: Concentração do Campestre, Santa Maria-RS (1846-49); Canudinho de Lages-SC (1897); Guerra do Pinheirinho, Encantado-RS (1902); Guerra do Contestado (1912-1916); Movimento do Fabrício das Neves, Concórdia-SC (1925); Monges Barbudos, Soledade-RS, (1935-38) e o Movimento do Timbó Grande-SC (1942). Portanto, o arco de geográfico e temporal da tradição de São João Maria é bastante ampla.
      Um trabalho fundamental para se pensar a tradição e a trajetória dos monges é a obra do professor Alexandre Karsburg, intitulada "O Eremita das Américas". É um divisor de águas neste temática.
      Aproveito para convidá-lo a participar do IV Simpósio Nacional do Centenário do Contestado, que ocorrerá em Canoinhas entre 10 e 13 de maio. Alguns dos principais pesquisadores da tradição de João Maria estarão presentes. Será um espaço muito rico de debate e troca de experiências. Ainda há tempo para inscrição de trabalhos...
      Um grande abraço!
      Alexandre

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    5. Obrigado pela atenção e pela resposta. Confesso que não sabia desses outros movimentos ocorridos em decorrência da presença dos monges na região. Vou procurar me inteirar mais a respeito até para embasar teóricamente de forma mais consistente a pesquisa que estamos desenvolvendo, a qual ocorre no âmbito do Instituto Histórico e Geográfico de São Mateus do Sul (convido para acessar nossa página no Facebook para acompanhar nossas pesquisas em várias áreas). Agradeço a sugestão de bibliografia. Vou procurar essa obra para enriquecer um pouco o conhecimento a respeito da temática. Também tenho na agenda a possibilidade de participação do IV Simpósio Nacional do Centenário do Contestado e na medida do possível gostaria de participar. Um abraço.
      Prof. Mário Sérgio Deina
      Mestrando em História e Regiões/UNICENTRO

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  2. Olá Prof. Alexandre.

    Em sua discussão, o professor apresentou contundentes aspectos relativos a recente e profícua produção historiográfica sobre o Movimento Sertanejo do Contestado e sua ainda deficiente materialização como conhecimento aplicado em sala de aula. Também apontou o diagnóstico deste contexto pelo meio acadêmico em recentes eventos que problematizam a temática do Contestado e possíveis encaminhamentos para contornar dada situação. Nesse sentido, além do expediente em execução pelo professor Paulo Pinheiro Machado, gostaria de saber se existem outras iniciativas em andamento e/ou elaboração que objetivam suprir tais carências?

    Atenciosamente,
    Eloi Giovane Muchalovski

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    1. Olá Eloi!
      O esforço mais sistematizado vem sendo realizado pelos integrantes do GIMC (Grupo de Investigação sobre o Movimento do Contestado), liderado pelo prof. Paulo Pinheiro Machado. Há algum tempo o debate sobre o ensino escolar do Contestado vem ganhando espaço nos eventos sobre o tema, inclusive, com a apresentação de propostas de abordagem do Contestado em sala de aula, algumas muitíssimo interessantes, como a elaboração de games relacionados ao movimento. Entretanto, penso que o maior esforço é aquele que vem sendo realizado pelos docentes da educação básica já há muito tempo. São muitos os exemplos de professoras e professores, especialmente da região do Contestado, que compreendem a importância da temática para a formação cidadã de seu alunado e, mesmo com as limitações de acesso às obras acadêmicas e material didático, vêm preparando aulas muito sedutoras sobre o tema. Penso que o próximo passo é a articulação entre o conhecimento produzido pelo universo acadêmico e as inúmeras estratégias que vem sendo desenvolvidas em sala. Porém, a estrutura e os recursos dos poderes públicos são de fundamental importância para que alcancemos resultados mais efetivos.
      Grande abraço,
      Alexandre.

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  3. Caro Alexandre,

    Muito abrangente a sua apresentação, e muito necessária também. É interessante perceber com a ampliação de vagas no ensino superior e a oferta de bolsas para mestrado e doutorado propiciaram um grande avanço nas pesquisas historiográficas. Situação que hoje encontramos sob o risco de retroceder radicalmente, com o corte nas verbas para pesquisa. A proposta de ensino sobre a história das Lutas do Contestado, ainda que seja uma temática que deveria ser obrigatória para os alunos daquela região, deveria ainda ser inserida de maneira mais abrangente na História da República. Para isso teríamos que ter uma História Marginal da República, onde essa e outras narrativas pudessem ser inseridas. Porém essa proposta de ensino – com todas essas inovações didáticas que vão além da aula expositiva, que você enumerou – também estão sob sério risco com a proposta de uma reforma de ensino que ataca diretamente o ensino de história. Eu agradeço muito a sua apresentação e gostaria de me colocar à disposição para somar esforços na resistência. De uma forma ou de outra, o Contestado continua.

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    1. Grande abraço!
      Olá Elaine!
      Agradecido por sua contribuição!
      O Contestado é um dos exemplos de temas de pesquisa que receberam grande impulso a partir das políticas de expansão da pós-graduação, implementadas no início dos anos 2000. Foram muitos os pesquisadores que puderam dedicar-se ao tema e cujos trabalhos nos dão hoje uma compreensão mais ampla do movimento. Nos tempos obscuros que estamos vivendo, tanto esta quanto tantas outras conquistas estão sob ataque.
      Concordo com você em relação à necessidade de nacionalização do Contestado. A retirada dele do âmbito de revoltas regionais e seu reconhecimento como um importante tema da história da Primeira República fomentará maior interesse e maior compreensão por parte do alunado.
      Mas os esforços de ampliação do acesso ao tema precisam estar alinhados com o fortalecimento da História enquanto disciplina fundamental para a formação do cidadão e com a luta pelo retorno da História enquanto disciplina obrigatória no Ensino Médio. A luta nunca cessa e os caboclos do Contestado têm muito o que nos ensinar sobre resistência.
      Um grande abraço,
      Alexandre

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  4. Olá professor!

    Gostei bastante de seu texto, especialmente porque ele nos remete a pensar sobre as problemáticas em torno da memória, esquecimento e silenciamento histórico e historiográfico em torno de alguns episódios da história do nosso país. A história de Contestado, bem como vários outros episódios de conflitos envolvendo disputas por terras e interesses oligarcas e capitalistas, ainda é ao meu ver, algo de muita importância e que carece de debates e reflexões no presente, A este respeito, gostaria de saber se concorda ou acha possível que a história de Contestado pode nos servir, enquanto historiadores e professores para a partir dele abordar processos de expropriação de terras que ocorrem na atualidade, como os conflitos entre povos e comunidades indígenas e quilombolas com latifundiários?

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    1. Prezada Dalva.
      Muito obrigado por sua leitura e intervenção.
      Os movimentos sociais que se propõem a lutar pelo direito à terra tendem a sofrer um agudo processo de criminalização. Isso é facilmente percebido hoje em dia na posição assumida pela mídia, pelas elites e mesmo por frações da classe média em relação ao MST. Essa criminalização também se dá em relação ao passado. Os processos históricos que foram desencadeados tendo a luta pela terra como mote tenderam a ser marginalizados na historiografia oficial. O fato de os rebeldes do Contestado terem sido nominados como "jagunços" e "fanáticos" nos diz muito sobre isso.
      É sim possível estabelecer relações entre o Contestado e a luta pela terra na atualidade. Os caboclos do Contestado enfrentaram a mudança na legislação (Lei de Terras de 1850 e a Proclamação da República) que impactou sobre sua relação com a terra. O ordenamento jurídico sempre privilegiou o branco europeu e os grandes proprietários em detrimento dos elementos nacionais, fossem indígenas, quilombolas ou caboclos. Os rebeldes do Contestado também enfrentaram agudos processos de grilagem desencadeados pelos coronéis que mantinham relações promíscuas com as autoridades estaduais. Depois, os rebeldes criaram seus redutos para que pudessem viver à parte da sociedade que sempre os perseguiu. A última opção foi a guerra.
      Além dos possíveis paralelos entre a luta pela terra no Contestado e na atualidade, cabe lembrar que movimentos reivindicatórios relacionados à terra vem requerendo a memória sobre o Contestado como estratégia de aglutinação e luta. No Território do Contestado há assentamentos do MST cujos nomes referenciam o movimento ou lideranças caboclas. Na região de Três Barras, por exemplo, onde até hoje famílias que foram desapropriadas pelo Exército na década de 1960 lutam para reaver suas terras, houve uma ocupação batizada de "São João Maria".
      Ou seja, o Contestado pode ser pensado no âmbito acadêmico como parte da longa história da luta pela terra no Brasil e, em âmbito social, pensado para produzir símbolos e elaborar identidades para as disputas fundiárias contra os latifundiários, o capital e o Estado.
      Um abraço,
      Alexnadre

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  5. Gerson Luiz Buczenko
    Olá Professor. Seu texto é muito esclarecedor e retrata uma realidade muito importante sobre a presença do Contestado na formação de professores e, principalmente, na escola. Considerando as pesquisas realizadas pelo professor (Dissertação, Tese e demais Artigos)como o Professor percebe a importância do conflito (massacre) do Contestado para um Brasil do Século XXI?
    Muito Obrigado.

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    1. Olá Gerson!
      Agradeço pela tua contribuição. A tua questão é bastante complexa e tentarei responder dentro das minhas possibilidades.
      O Contestado é um dos muitos exemplos da história brasileira em que "os de baixo" foram violentados pela elite nacional, pelo capital estrangeiro e pelo próprio Estado. Retomar aqueles eventos e permitir que a sociedade compreenda mais adequadamente aquele processo é de suma importância para que, de um lado, se reconheça essa prática recorrente e, de outro, se perceba que mesmo sob as condições mais difíceis os mais pobres constroem interpretações de mundo e produzem estratégias próprias de vida.
      Circunscrito ao âmbito catarinense, o Contestado nos auxilia a desconstruir o mito da imigração europeia, que, supostamente, teria produzido por aqui um "pedacinho da Europa" e trazido o trabalho e o progresso. Se os caboclos do Contestado tivessem recebido os mesmos recursos destinados à imigração e não tivessem sido violentamente expulsos de suas terras para dar lugar aos europeus, certamente a condição de luta e vida e a situação dos seus descendentes hoje seria bastante distinta.
      Considero que há muitas variáveis que permitem tomar o ensino do Contestado como estratégia para a formação de jovens mais conscientes do passado de seu país e dos desafios que os aguardam.
      Um abraço,
      Alexandre.

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  6. Questão para Alexandre Assis Tomporowski

    Bom dia professor Alexandre.

    Muito oportuna a sua exposição sobre a temática do Movimento do Contestado, expondo os embates ocorridos entre a historiografia conservadora, considerada clássica, e portanto "oficial" e os estudos de História Regional que apresentam uma análise mais refinada, que dá voz aos participantes populares do movimento obliterados pela historiografia "oficial". Neste sentido apresento a seguinte questão: quais mecanismos didáticos poderiam ser implementados para se trabalhar de uma maneira mais refinada, menos folclórica e exótica, com a temática do Contestado nos cursos de licenciatura em História, que estão situados em outras regiões e IES do Paraná?

    Professor José Augusto Alves Netto
    Unespar – Campus de Paranavaí – PR.

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    1. Prezado Professor José Augusto
      Agradecido pela leitura e contribuição.
      Um primeiro passo é o retorno à produção acadêmica sobre o Contestado. Não é incomum que questões levantadas sobre o Contestado já tenham sido analisadas pelas pesquisas da última década de meia. Mesmo antes disso, a produção dos primeiros sociólogos (a obra de Vinhas de Queiroz data de 1966) apresenta importantes análises e desconstrói muitos mitos e bordões sobre o movimento.
      Outro caminho é o aproveitamento da produção audiovisual sobre o movimento, que também cresceu e foi qualificada. Desde o "Guerra dos Pelados" (Sylvio Back, 1970) até o documentário "Terra Cabocla" (Márcia Paraíso, 2015) há um importante material que pode ser explorado em cursos de licenciatura. Cabe lembrar que é importante problematizar tais documentos, pois podem apresentar interpretações já superadas sobre o Contestado.
      Outra estratégia possível é o estabelecimento de conexões entre características do movimento (luta pela terra, luta antioligárquica, resistência contra a ação predatória das multinacionais e o deslocamento compulsório de populações) e outros processos que marcaram o Brasil e a América Latina. Essa ação pode fomentar uma interpretação mais ampla sobre o movimento e fornecer interessantes ferramentas de análise.
      A informação qualificada sobre o Contestado permitirá que as novas levas de docentes que saem dos cursos de licenciatura cheguem às salas de aula com uma compreensão mais ampla do que foi o movimento e com maior potencial para explorar a temática.
      Um grande abraço,
      Alexandre

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