Páginas

Shirlei Fetter; Daniel Gevehr

ROMPENDO AS FRONTEIRAS HISTÓRICAS: CONCEITOS CONTEMPORÂNEOS SOBRE HISTÓRIA E PEDAGOGIA
Prof. Mt. Shirlei Alexandra Fetter
Prof. Dr. Daniel Luciano Gevehr
FACCAT

Um dos grandes desafios do Brasil contemporâneo é alcançar uma educação de qualidade. Porém, como formar bons professores? Em 1996 foi instituída a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, na tentativa de reformular o espaço acadêmico e equilibrar as atividades entre o ensino e a pesquisa, de forma a formar profissionais qualificados para trabalharem na educação. Ao longo dos anos as universidades estão refletindo sobre como efetivar as mudanças na educação superior, tendo em vista a unificação entre docência e ciência de forma integradora, descartando o processo de dissolução entre as mesmas (BRASIL, 1996).
Durante o processo de constituição curricular dos cursos destinados à formação de professores, é imprescindível questionar quais as atribuições didáticas e pedagógicas que são necessárias à formação docente. Nesse sentido, o diálogo entre áreas distintas da formação, entre elas, a área de história e pedagogia, torna fundamental na medida em que a docência envolve, no processo formativo, a síntese entre a teoria e a prática que se constitui não só pela pesquisa, mas e, também, por meio da extensão. Negri (2010) destaca que, a formação, a partir de uma análise sobre as possibilidades e propostas práticas contemporâneas, deve propor a reflexão sobre o processo didático-dialógico dos conteúdos, sendo necessária a compreensão dos elementos que modificam e (res) significam a relação entre ensino e pesquisa.
Na formação do profissional tanto das áreas de história como de pedagogia, é importante abordar questões sobre a relação entre os conhecimentos distintos, qualificando o professor para atuar em diversos e diferentes espaços, produzindo sentidos de mundo para si mesmo e auxiliando os estudantes na compreensão do mesmo. Esses conhecimentos e ações são denominados de hibridas (CANCLINI, p. XIX, 2013)., culturais, sendo mais eficientes na compreensão das divisões causadas pelas diferenças de raças, etnias, gêneros e outras. As análises que se apontam repensam a reconstrução do conhecimento e do currículo que repensam as práticas dominantes de cada período histórico (NEGRI, 2010).
Buscando os diversos sentidos que se atribui às construção de conhecimentos em espaços e culturas hibridas contemporâneas, entende-se que este processo é composto não só por teoria e prática, mas pela transposição em que as culturas dos povos se entrecruzam, isto é, processos socioculturais de relação e inter-relação de conhecimentos, valores e saberes tradicionais (CANCLINI, 2013). Nesse sentido, é importante o processo de reflexão sobre os diversos significados atribuídos ao multiculturalismo e seus efeitos, de modo a evitar a perpetuação das diferenças através das práticas curriculares que ainda hoje continuam reproduzindo as estruturas homogêneas de poder e de hierarquização cultural.
As possibilidades de desenvolver alternativas concretas para pensar o currículo nos cursos de história e pedagogia, precisam partir da integração entre a teorização de multiculturalismo exaltando na problematização entre os tipos de saberes que integram ao currículo pedagógico. Negri (2010) questiona os modelos de organização e de planejamento curricular, os métodos, conteúdos e práticas educativas, estreitamente relacionadas com a cientificidade e com a racionalidade moderna. Racionalidade essa que, nega a contribuição de outros saberes e culturas por considera apenas o conhecimento científico como único válido e confiável.
Dá-se assim, a necessidade de se pensar um novo modelo de educação, mais aberto e sensível às novas demandas sociais e a riqueza cultural do mundo. No entanto, o conhecimento produzido e reproduzido pela educação deixa de ser validado por estar baseado em conteúdos descontextualizados e desvinculados de importantes relações de multiculturalismo.
Repensar a formação e o fazer docente, pressupõe ir a busca de novas formas de conhecimentos, desde uma perspectiva do conhecimento interdisciplinar, multicultural e híbridos, contemporâneos com as exigências intelectuais sobre novas abordagens, através de esforços sobre os quais conhecemos e pretendemos atuar enquanto profissionais da educação (RAYNAUT, 2014).
Para além das questões levantadas, pode-se refletir sobre os efeitos que a formação fragmentada e descontextualizada pode ter para os estudos e também, numa perspectiva mais ampla, para a sociedade. Bourdieu (1989) atesta que, a deficiência na formação impede a compreensão da realidade social, ao mesmo tempo em que inviabiliza a constituição de vínculos solidários de segmentos que poderiam organizar-se na luta contra o capital. Nessa continuidade, a subdivisão das lutas em torno de identidades multiculturais ou das questões regionais desvinculadas em especifico o poder de pressão que favorece a hegemonia burguesa. Portanto, é dentro deste cenário histórico que devemos buscar a compreensão das propostas hegemônicas presentes na educação escolar, que contribuem para a fragmentação dos conteúdos, com um notório esvaziamento do trabalho pedagógico e precarização da formação docente (GOMES e COLARES, 2012). Gramsci (1978) apresenta uma concepção de hegemonia mais elaborada e adequada em pensar sobre as relações sociais, sem cair no materialismo vulgar e no idealismo. A noção de hegemonia propõe uma nova relação entre estrutura tentando se distanciar das determinações da primeira sobre a segunda, mostrando a centralidade das superestruturas na análise das sociedades avançadas. Nesse contexto, a sociedade civil adquire um papel central, bem como a ideologia, que aparece como constitutiva das relações sociais.
A perspectiva da formação híbrida e multicultural se opõe à versão dominante das políticas educativas e de formação docente. Para Freire (1996) as políticas em educação devem se constituir como um discurso que defende a valorização do conhecimento dos alunos bem como de sua realidade social. O conceito de hibridismo permite interpretar por novas perspectivas de análise a compreensão dos processos de reconhecimento, de legitimação, de interpretação e de apropriação sobre as políticas curriculares nas exigências que transitam até à sua efetiva implementação no campo prático.
O processo de hibridação implica em criar espaços de exploração e compreensão das possibilidades que se manifestam através da cultura e da história. É nesse espaço que acontece a negociação de sentidos e de significados entre visões de mundo diferentes, fazendo surgir novas compreensões sobre a realidade, além de administrar a diversidade, que é uma necessidade na interpretação de uma cultura cívica democrática.
Dessa forma, ao vivenciarmos um momento histórico de predominância de um projeto que representa um retrocesso em termos de responsabilidade com a educação pública, é preciso afirmar a educação híbrida e libertado para lutar contra as intenções do estado que pretende esvaziar o papel da educação escolar (GOMES e COLARES, 2012). É preciso afirmar a ideia de que a educação é um direito social de todos, e combater a ideia cada vez mais difundida de que a educação é um serviço, que vai ser prestado se adquirido no mercado.
Mais do que nunca, no atual contexto de globalização das tecnologias de informação e comunicação às sociedades modernas defrontam-se com realidades híbridas que resultam da interação e divulgação de saberes, conhecimentos e práticas culturais diversas. É um momento que, se bem orientado, pode favorecer a formação de conhecimentos mais efetivos e humanos.
O discurso híbrido, apontado por Canclini (2013), reivindica a noção de colaboração de saberes, indo, portanto, contra as noções tradicionais de razão, verdade, objetividade. Questiona, dessa forma, os conceitos de desenvolvimento, emancipação e as grandes narrativas, implicando em multiplicação no âmbito de formação acadêmica. O processo de formação para melhor atender os anseios de uma formação híbrida, exige um trabalho de formação a ser fundamentada por uma pedagogia adequada (RAYNAUT, 2014). Esse processo deve entender a produção do conhecimento como imprescindível na formação de profissionais da educação, com sentido mais amplo, repensando a relação entre o ensino e pesquisa (LEITE, et al 2011). Dessa forma, é preciso reestruturar os processos de formação docente fazendo uma ponte entre o ensinado e o vivido na realidade concreta dos sujeitos.

Referências
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação - Lei nº 9394/96, de 20 de dezembro de 1996. Brasília: MEC, 1996. Disponível em:  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm. Acesso em: 19 set. 2016.
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Tradução: de Fernando Tomaz. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.
CANCLINI, Néstor Garcia. Culturas Híbridas. São Paulo: Edusp, 2013.
GOMES, Marco Antônio de Oliveira; COLARES, Maria Lília Imbiriba Sousa. A educação em tempos de neoliberalismo: dilemas e possibilidades. Acta Scientiarum. Education, Maringá, v. 34, n. 2, p. 281-290, July-Dec, 2012.
GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, a política e o Estado moderno. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.
LEITE, Denise; GENRO, Maria Elly Herz; BRAGA, Ana Maria de Souza.  Org. Inovação e Pedagogia Universitária. Porto Alegre: UFRGS, 2011.
NEGRI, Stefania de Resende. Um currículo democrático na contemporaneidade: desafios e possibilidades teóricas. Educação em Perspectiva, Viçosa, v. 1, n. 2, p. 274-292, jul./dez. 2010.
RAYNAUT, Claude. Pensar no mundo contemporâneo e inovar na produção do conhecimento. G&DR, Taubaté, v. 10, n. 3, p. 4-26, set/2014.



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.